"Estou ansioso para filmar no próximo ano!", exclamou esta segunda-feira o realizador francês Claude Lelouch, que, aos 86 anos, apresenta o seu 51.º filme na mostra não competitiva do Festival de Veneza.
Vencedor de duas estatuetas dos Óscares, Lelouch confirmou que não tem intenção de pendurar as chuteiras.
"Enquanto as ideias continuarem a aparecer na minha cabeça, continuarei a fazer este trabalho. Nunca tive tantas ideias como agora", declarou em conferência de imprensa.
O seu 51º filme, "Finalement" ["Finalmente", em tradução literal), que estreará a 13 de novembro na França, é uma comédia que "se parece muito" com ele mesmo, diz Lelouch.
O filme narra a vida de Lino, um brilhante advogado interpretado por Kad Merad, que abandona a carreira e a família para se aventurar nas estradas da França.
Antes da exibição oficial do filme, na noite desta segunda-feira, Lelouch receberá o prémio 'Cartier Glory to the Filmmake' (Prêmio Glória ao Cineasta) da 81.ª edição do Festival, "dedicado a uma personalidade que marcou o cinema contemporâneo de forma particularmente original".
Amor no cinema e amor pelo cinema
O prolífico cineasta conseguiu atingir um público ávido por romance, embora muitas vezes fosse ridicularizado pela crítica, principalmente pela sua fé ingénua no acaso.
“Nada me interessa mais do que o amor!”, confidenciou à France-Presse (AFP) em 2015.
O cineasta de 86 anos é conhecido mundialmente por "Um Homem e Uma Mulher", história de um amor apaixonado em Deauville, com Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée, condecorado com a Palma de Ouro em Cannes em 1966 e dois Óscares (Melhor Filme em Língua Estrangeira e Argumento Original), cujo refrão “dabadabada, dabadabada…” do seu cúmplice, o compositor Francis Lai, entrou para a história.
Ao longo da vasta carreira, dirigiu a nata dos atores franceses: Jean-Paul Belmondo, Lino Ventura, Michel Piccoli, Annie Girardot, Catherine Deneuve e muitos outros.
O cinema “tomou os meus dias, as minhas noites, as minhas férias. Não me arrependo, mas tive muita dificuldade em ver os meus filhos crescerem”, lamentou por vezes aquele que, casado quatro vezes, incluindo a última aos 85, teve sete filhos cujo primeiro nome começa com a letra “s”, em homenagem ao seu pai, Simon.
Nascido em 30 de outubro de 1937 em Paris, filho de pai comerciante e mãe católica convertida ao judaísmo, Claude Lelouch, que chumbou no bacharelado, trabalhou como operador de câmara em agências de notícias antes de ingressar no Serviço Cinematográfico do Exército.
Em 1960, dirigiu “Le propre de l'homme”.
“Claude Lelouch: lembrem-se deste nome com cuidado, porque não vão voltar a ouvir falar dele”, escreveu a revista Cahiers du Cinéma.
Para ganhar a vida, filmou dezenas de "scopitones" [antecessores dos videoclipes: "scopitone" era uma máquina parecida com a jukebox, mas com filmes das canções], enquanto insistia no cinema, sem muita sorte. Até à sua quarta longa-metragem, "Um Homem e uma Mulher"...
Com os lucros desse filme que não lhe custou muito, comprou uma mansão perto dos Campos Elísios, que se tornaria a sede da sua produtora, “"Les films 13"”.
Lelouch roda então quase uma longa-metragem por ano, filmando com uma câmara portátil e privilegiando a espontaneidade. Porque este grande fã de filmes corais era o próprio operador de câmara dos seus filmes.
“Acho que quem gosta dos meus filmes, o que gosta é dessa espontaneidade que procuro filmar, que fica a meio caminho entre a mentira e a verdade”, afirmava.
Devemos-lhe em particular "Viver para Viver" (1967, Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro) com Annie Girardot, Yves Montand e Candice Bergen; "Aventura é Aventura" (1972), com Lino Ventura e Jacques Brel; "Les uns et les autres" (1981), com James Caan e Nicole Garcia; "Itinerário de uma Vida" (1988), com Jean-Paul Belmondo (César de Melhor Ator) ou "Hommes, femmes, mode d'emploi" (1996) com Fabrice Luchini e... Bernard Tapie.
Após uma travessia de deserto, recupera com “Roman de gare” (2007), com Fanny Ardant, e a seguir com “Salaud on t’aime” (2014) com Johnny Hallyday e Sandrine Bonnaire, ou “Ele + Ela” (2015), com Jean Dujardin e Elsa Zylberstein.
Em 2019, emocionado, apresentou fora de competição no Festival de Cannes, ao lado de Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée, “Os Melhores Anos da Nossa Vida”, sequela 53 anos depois de "Um Homem e uma Mulher” e de "Um Homem e Uma Mulher: 20 Anos Depois" (1986), que conta o reencontro das duass personagens.
“Este filme é o retrato de um homem que é, acima de tudo, um canalha, que nunca esteve à altura dos acontecimentos que surgiram e pede perdão. Há tudo de mim neste canalha”, disse então à AFP.
Um "pau para toda a obra", Claude Lelouch foi também produtor (nomeadamente de “Molière”, de Ariane Mnouchkine, em 1978) e distribuidor. Criou as Oficinas de Cinema em Beaune (Côte-d'Or), oferecendo aos estudantes a oportunidade de acompanhar um filme desde o final do argumento até à cópia zero.
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