«O projeto tinha uma equipa muito reduzida, quase como se fosse para uma curta-metragem, até a nível de orçamento. Portanto, foi tudo feito por amor à camisola, por amor ao projeto», explicou
Ana Brandão ao SAPO a propósito do filme
«Paixão», que protagoniza com
Carloto Cotta. Ela interpreta uma mulher que o aprisiona a ele no quarto da casa em que ambos passaram a noite, e a ele dedicará a partir daí toda a sua vida.
Segundo Brandão, todo o filme foi feito com a mesma devoção que a que preside às ações da sua personagem: «foram praticamente cinco semanas a vivermos todos juntos ali, as 10 ou 15 pessoas que fizeram o filme. Estávamos a viver quase como zombies, numa casa fantasma».
O filme é marcado por uma extrema atenção ao texto, escrito por Maria Velho da Costa e pela própria realizadora,
Margarida Gil. Segundo Cotta, «a prosódia do texto era bastante vincada. Havia bastante fidelidade ao que estava escrito, não havia espaço para improviso nem para buchas. Era um texto bastante literário e poético, quase para ser declamado».
A direção de fotografia de Acácio de Almeida é um dos pontos altos do filme, com imagens que ficam na retina dos espetadores, e que os dois atores nos comentam em exclusivo.
Carloto Cotta (CC): Esta imagem é do início do filme, é a primeira noite que dormimos juntos, quando nos conhecemos. Acho que estou com uma grande ressaca. O casal esta a dormir depois de uma grande noitada. Mas podemos já adivinhar aqui uma grande beleza na forma, na imagem do filme.
Ana Brandão (AB): Há muitas garrafas espalhadas, cigarros. À partida, não se adivinha o que se vai passar. Mas acho que deve ser precisamente aqui que ela decide prendê-lo naquele quarto.
CC: Lembro-me de fazer a cena mas não me lembro de ter a noção deste efeito de luz, que é impressionante. Há uma coisa interessante neste nosso trabalho, é que nós ficámos quase zombies ali dentro, numa quinta abandonada ali para os lados de Carcavelos, quase sem saber se era dia ou noite, como sucede com a própria personagem.
AB: Era um trabalho muito solitário, nós passámos o filme praticamente todo a falar para uma parede. E o Carloto ainda estava mais isolado do que eu, porque estava sempre dentro do quarto.
AB: Esta imagem é lindíssima, quase dava para emoldurar e oferecer no Natal. Lembro-me muito bem da Margarida naquele dia, de estarmos a preparar a cena. É que nós preparávamos os textos, mas não a encenação das cenas. E lembro-me dela, naquele momento, a dizer «quero umas cerejas», não sei se ela tinha pensado nisso em casa mas ela parecia construir as situações no momento.
CC: Esta é mais uma imagem que me parece ser alusiva ao universo do João César Monteiro.
AB: Acho que há um lado muito irónico neste filme, que me parece ser uma bonita homenagem ao João César Monteiro. Eu não consigo desligar o filme dele. A personagem do Carloto lembra-me imenso ele.
CC: Eu pensei bastante nisso, inspirei-me naquela energia dele. Alicercei-me um bocadinho nesse universo.
AB: Estas personagens ficam muito ligadas uma à outra, acho que chegam a um limite, a um desespero, já não podem viver uma sem a outra. Se é que isso existe. Mas eu gosto mesmo de pensar que isso pode existir na vida de alguém. E estes dois passam um bocado por isso.
CC: Acho que toda a gente que quer viver um grande amor passa por isso, por essa dualidade entre o romantismo e a realidade. O romantismo vive do mito, a realidade vive das ações. E acho que o filme capta bem essa relação entre o amor romântico e o amor carnal, entre o impossível e o que acontece na realidade. Eu não te magoei aqui, pois não?
AB: Aqui foi tudo feito em som direto. Tenho imensa pena, não me lembro do nome deste guitarrista, mas ele era muito bom. Aqui estamos numa festa, num encontro que ela tem com os seus antigos companheiros. É num destes momentos que surge a personagem da Sandra Faleiro, que é também uma lufada de ar fresco no filme. É engraçado como tudo funciona, as cores da cena, a cor do fato, tudo aquilo parece que vem espevitar o filme, trazer-lhe vida.
CC: Sim, nós somos como zombies e há umas personagens que aparecem para dar um pouco de vida.
CC: Acho que isto foi das coisas mais complicadas que se fez num cenário de cinema português. Esta janela teve de ser construída porque não existia no décor real, e a Margarida queria tê-la porque já a tinha filmado noutra situação. A solução veio do nosso querido Blue, o Nuno Esteves, que é um artista genial, que já tinha trabalhado no
«Mistérios de Lisboa», e que é o responsável pela caracterização, guarda-roupa, cenários e toda a parte plástica do filme, que foi feita artesanalmente por ele. No caso da janela, é tudo feito com esferovite, por incrível que pareça, com umas barras que não sei se são de madeira ou de metal. Ele fez os cenários todos em dois dias, esteve dois dias sem dormir para fazer isto. Foi uma maratona.
AB: Ele tinha que inventar, com muito pouco dinheiro, este céu é colocado à posteriori. Foi mesmo um tour de force dele e de toda a equipa.
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