A crónica familiar "Manbiki kazoku" ("Shoplifters"), do aclamado realizador japonês Hirokazu Kore-eda, conquistou este sábado (19) a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes, que também premiou Spike Lee e a libanesa Nadine Labaki.
A edição mais feminista do Festival de Cannes premiou uma segunda mulher, a italiana Alice Rohrwacher.
A cerimónia de prémios teve uma protagonista inesperada: a atriz italiana Asia Argento, que afirmou que Harvey Weinstein "nunca mais" será bem-vindo em Cannes, onde, segundo ela, o produtor americano a violou em 1997.
A Palma de Ouro, concedida pelo júri presidido por Cate Blanchett, dificilmente será questionada este ano. Unanimemente aclamado pela crítica, "Shoplifters" - quinto filme de Kore-eda em competição - retrata minuciosamente uma família recomposta que se dedica a praticar furtos.
Quem é quem? Que segredos eles escondem? O realizador de "Tal Pai, Tal Filho" (2013) e "Ninguém Sabe" (2004) mergulha na privacidade de cada um dos seus membros, que procuram uma segunda oportunidade de serem felizes.
Kore-eda quis "partilhar" o prémio com os dois cineastas que não puderam apresentar os seus trabalhos selecionados em Cannes: o russo Kirill Serebrennikov ("Leto"), em prisão domiciliária, e o iraniano Jafar Panahi ("Three Faces"), que está proibido de deixar o país.
"A República do Brooklyn"
Spike Lee, de volta à Croisette depois de 27 anos, ficou com o segundo prémio por "BlacKKKlansman", uma história verídica de um polícia afro-americano que se infiltrou na Ku Klux Klan nos anos 1970.
O filme, cheio de humor e ação, envia uma mensagem contra o racismo e o presidente Donald Trump.
Ao receber o prémio, Lee o dedicou à "República Popular do Brookyln de Nova Iorque" e advertiu contra o líder republicano "neste ano que vivemos perigosamente".
Num festival marcado pelo histórico protesto de mulheres artistas e cineastas pela igualdade na indústria, uma delas, a libanesa Nadine Labaki, recebeu o Prémio do Júri por "Capharnaüm", sem dúvidas o filme mais comovente da disputa, sobre uma criança e um bebé que sobrevivem nas ruas de Beirute.
O ator é um refugiado sírio de 13 anos que no filme cuida de um bebé.
"A infância mal querida é a base dos males deste mundo", declarou a realizadora de "Caramel" ao receber o prémio ao lado do jovem ator, Zain Al Rafeea. "Não podemos permanecer cegos perante o sofrimento dessas crianças".
Novos talentos
Nesta 71.ª edição apresentada como a da renovação - com 10 cineastas disputando a Palma de Ouro pela primeira vez e apenas dois filmes norte-americanos - foram premiados dois artistas até agora desconhecidos.
A atriz do Cazaquistão Samal Yeslyamova pelo seu papel em "Ayka", do russo Serguei Dvortsevoy, de uma imigrante ilegal que deve trair algo tão intrínseco como o seu instinto maternal e abandonar o seu recém-nascido em Moscovo, uma cidade que a ignora e maltrata.
O italiano Marcello Fonte, em cujo currículo destaca-se o papel de figurante em "Gangs de Nova Iorque", de Martin Scorsese, foi premiado pelo seu papel em "Dogman", de Matteo Garrone, na pele de um cabeleireiro de cães, insignificante, de boa índole e cobarde, que é arrastado para o inferno por um amigo sem caráter.
Jean-Luc Godard, lenda do cinema francês, recebeu a Palma de Ouro especial por "Le Livre d'imagem", um filme hermético que vem a ser uma reflexão sobre o mundo de hoje.
O prémio de melhor realizador foi para o polaco Pawel Pawlikowski por "Cold War", uma história de amor entre uma dançarina e o seu diretor, ambientada ao longo de várias décadas no pós-guerra na Polónia e Paris.
Alice Rohrwacher e os iranianos Panahi e Nader Saeivar foram premiados, respetivamente, com o prémio de melhor argumento por "Lazzaro felice" e "Three Faces". A filha de Panahi recebeu o prémio.
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