O festival de Cannes recebeu, na terça-feira, a estreia de "Crowrã / A Flor do Buriti", uma crónica filmada da vida dos indígenas Krahô e uma reivindicação do papel dos povos nativos do Brasil.
Os dois cineastas, o português João Salaviza e a brasileira Renée Nader Messora, documentam o passado, o presente e os desafios para o futuro deste povo indígena do Cerrado brasileiro.
"O que buscamos é traduzir a sensibilidade, a poesia, a beleza dos Krahô e colocá-la em imagens, em som, em edição" disse Salaviza em entrevista à France-Presse.
"Não é um cinema ativista, mas sim um cinema profundamente político", garante o corealizador deste filme, que está no meio do caminho entre o documentário e a ficção e no qual os Krahô recriam a sua própria vida.
A sua sobrevivência está em jogo no Cerrado, bioma de enorme biodiversidade pressionado pela pecuária e pelo governo hostil de Jair Bolsonaro, que estava no poder quando o filme foi rodado.
"Crowrã", uma coprodução entre Brasil e Portugal, é o resultado de 15 meses de filmagens e da vivência dos realizadores em quatro aldeias diferentes desta terra indígena, uma região que ambos conhecem a fundo e onde vivem há anos.
Tomada de consciência política
"Sabíamos mais ou menos o que queríamos contar, mas não tínhamos ideia de como iríamos conseguir e isto foi sendo construído com eles", os indígenas, aponta Nader Messora, que propõe um cinema "muito aberto" em colaboração com os seus protagonistas.
O filme, apresentado na mostra paralela Un Certain Regard, traz também o distanciamento dos Krahô das suas tradições, desde um pai que muda da caça para o supermercado até à renúncia dos homens a ficarem nus nas celebrações tradicionais.
"Não é que haja exatamente uma perda [cultural], acredito que há uma reconfiguração [...] Eles aproveitam o que lhes serve e descartam muito do que não lhes serve das novidades trazidas pelos não indígenas", chamados 'cûpe' na sua língua, aponta Renée Nader Messora.
"Crowrã" mostra também a tomada de consciência política dos Krahô, quando alguns deles decidem viajar a Brasília para uma grande mobilização dos indígenas contra o governo Bolsonaro.
"Entenderam que há muitas frentes de batalha e uma delas é aprender a ocupar os espaços de poder", afirma Salaviza, que descreve a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência este ano como "uma mudança de mundo".
O filme acompanha vários personagens, como Jotàt, uma menina que incorpora os fantasmas dos seus antepassados que a fazem lembrar de um massacre ocorrido nos anos 1940.
Enquanto isso, Hyjnõ, o guardião da aldeia, luta para evitar as incursões ilegais dos 'cûpe' que roubam araras nas suas terras para depois vendê-las na cidade.
A produção também conta com a participação de Sônia Guajajara, ministra da nova pasta de Povos Indígenas, "um foco de esperança" segundo Salaviza, que não hesita em classificar de "regime" os anos da presidência de Bolsonaro.
Os dois realizadores apresentaram, em 2018, também em Cannes, o seu primeiro filme, "Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos", que já tratava da comunidade Krahô e recebeu o prémio da mostra UnCertain Regard.
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