O Universo Cinematográfico Marvel (MCU, pela sigla original) está numa posição em que nunca se viu antes após 15 anos, 32 filmes e 30 mil milhões de dólares nas bilheteiras: o primeiro "flop" a sério.
Como recorda a revista Variety, títulos recentes como "Eternals" (2021) e "Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania" (2023) foram considerados desilusões ou mesmo fracassos comerciais, mas só no final do seu percurso: "As Marvels" é diferente pois é o primeiro filme a falhar logo no arranque, fazendo história este fim de semana como a pior estreia na história do MCU.
Com 47 milhões de dólares nas bilheteiras da América do Norte, o novo filme de super-heróis bateu o mínimo histórico dos 55,4 milhões de "O Incrível Hulk" (2008), lançado nos primórdios do MCU, um valor que, atualizado pela inflação, corresponde hoje a 79,2 milhões: mesmo "Viúva Negra" (80 milhões), "Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis" (75) e "Eternals" (71) conseguiram melhores estreias na era da pandemia.
“Esta estreia é um colapso sem precedentes nas bilheteiras da Marvel”, disse o analista David A. Gross à France-Presse.
Por comparação, "Capitão Marvel" (2019), beneficiando do lançamento entre "Os Vingadores: Guerra do Infinito" (2018) e "Os Vingadores: Endgame" (2019), chegou aos 456,7 milhões a nível mundial (153,4 milhões na América do Norte), o que foi a melhor estreia para um filme protagonizado por uma atriz (Brie Larson) antes de "Barbie" em julho deste ano.
Quando saiu das salas, as receitas eram de 1,131 mil milhões: só outros nove filmes do MCU passaram a mítica barreira dos mil milhões.
Ninguém esperava que "As Marvels" igualasse ou ultrapassasse estes números, mas uma estreia global de 110 milhões de dólares nas bilheteiras, longe das projeções já revistas em baixo da Disney e dos analistas antes do fim de semana, é medíocre para uma super produção que terá custado entre 220 e 270 milhões, além de 100 em promoção, e que se estima precisar de 800 para o estúdio começar a ver retorno do seu investimento.
Com reações mornas dos fãs à saída dos cinemas e as estreias em breve de "The Hunger Games: A Balada dos Pássaros e das Serpentes" e da animação da Disney "Wish", uma recuperação parece pouco provável: o Boxoffice Pro prevê que se torne o menos rentável do MCU ou quase (a referência são os 265 milhões de dólares, sem o o impacto da inflação, precisamente de "O Incrível Hulk" em 2008).
A greve dos atores de Hollywood, que só terminou na quinta-feira, impediu Brie Larson (CapitãoMarvel), Teyonah Parris (Monica Rambeau) e Iman Vellani (Ms. Marvel) de promover o filme, mas os analistas acreditam que não explica uma quebra de 100 milhões na América do Norte.
Então, o que se passou?
Mais do que a fadiga com o género dos super-heróis de que se fala (desmentida, até ver, pelas receitas nos últimos dois anos de "The Batman", "Homem-Aranha: Sem Volta a Casa", "Guardiões da Galáxia, Vol. 3" e "Homem-Aranha: Através do Aranhaverso"), a aposta estratégica da Disney em quantidade em vez de qualidade durante a pandemia é apontada com a principal causa da crise no MCU.
O ritmo foi alucinante: estrearam nove séries (com 6 a 9 episódios cada) e dez filmes desde o lançamento do Disney+ a 12 de novembro de 2019.
Resultado: diluiu-se o carácter de "evento" à volta da estreia de cada filme e a urgência coletiva em vê-lo o mais depressa possível.
Pior: mesmo os fãs mais devotos começaram a queixar-se das personagens e histórias "mal amanhadas" e efeitos visuais de má qualidade.
"Os espectadores têm expectativas cada vez maiores. Mesmo com fatores fora do controlo da Marvel, uma receção mais dividida em relação a vários dos seus filmes mais elogiados dos últimos alguns anos e um volume frequentemente excessivo de séries no Disney+ diminuíram o nível de urgência do público em relação à franquia", explicou à Variety Shawn Robbins, analista-chefe do Boxoffice Pro.
Para a Disney, "As Marvels" é mais uma desilusão após anos a dominar as bilheteiras, juntando-se a "Quantumania", "A Pequena Sereia, "Elemental", "Indiana Jones e o Marcador do Destino", "Mansão Assombrada" e "Morte em Veneza".
Numa recente apresentação dos resultados do terceiro trimestre da empresa, o presidente executivo Bob Iger revelou que o problema geral já está diagnosticado.
“Olhei para a nossa produção em geral, ou seja, o estúdio, [e] é evidente que a pandemia criou muitos desafios criativos para todos. [...] Sempre achei que a quantidade pode ser negativa quando se trata de qualidade e acho que foi exatamente isso que aconteceu. Perdemos algum foco”, explicou.
O que se segue, acrescentou, "é trabalhar com a talentosa equipa do estúdio para consolidar, ou seja, fazer menos [e] focar mais na qualidade".
"Estou confiante na direção em que vamos, mas estou ciente do facto de que o nosso desempenho, do ponto de vista da qualidade, não esteve realmente ao nível dos padrões que estabelecemos para nós mesmos", reforçou.
O futuro passará por menos filmes e séries, maior contenção nos orçamentos... e também a Marvel ter presente que já não pode esperar fazer um filme de super-heróis e ter automaticamente um gigantesco sucesso comercial nas mãos.
Como explicou Jeff Bock, analista sénior da Exhibitor Relations, "a Disney percebe que precisa dinamizar e ajustar a sua mais importante Propriedade Intelectual. Não se trata de um 'reboot', mas de uma reconstrução".
É preciso tempo e foi isso que se encontrou assim que terminou a greve dos atores: “Captain America: A Brave New World”, “Thunderbolts” e “Blade” foram adiados para 2025.
No próximo ano, o único filme do MCU será “Deadpool 3”, que chegará num momento de maior incerteza, com "As Marvels" a deixar muito claro pela primeira vez que os fãs já não vão a correr aos milhões para as salas de cinema seja para o que for que lhes seja apresentado.
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