Se a noção da animação como um «medium» exclusivamente para crianças já se perdeu, a potencialidade da longa-metragem animada dedicada só aos adultos é uma realidade que se está a tornar cada vez mais recorrente. Os sucessos internacionais de produções europeias como
«Belleville Rendez-Vous», de
Sylvain Chomet, ou
«Persépolis», de
Marjane Satrapi e
Vincent Paronnaud, provaram que as onerosas longas-metragens de animação também se conseguem pagar e ter grande êxito apoiando-se apenas no público maior de idade.

No
Festival Internacional de Animação de Annecy, a decorrer até 13 de Junho, é também isso que se verifica, não só nos filmes em competição como também nos projectos apresentados. No primeiro caso, das nove películas seleccionadas, nenhuma é exclusivamente para crianças e pelo menos quatro são unicamente para adultos (o argentino
«Boogie, el Aceitoso», o coreano
«The Story of Mr. Sorry», o australiano
«Mary and Max» e o norte-americano
«My Dog Tulip») e a outros dois (
«Coraline e a Porta Secreta» e
«Kurt Turns Evil») não faltam elementos que podem perturbar os mais novos. Para jovens adultos são ainda os dois filmes que passaram no festival em antestreia especial, fora de competição, ambos baseadas em séries de tv: o franco-belga
«Panique au Village», com animação tresloucada de antigos bonecos de plástico, e o franco-alemão
«Les Lascars», em redor da cultura delinquente e do hip hop.

Mas onde a tendência foi mais visível foi numa nova secção do certame,
«Work in Progress», em que foram apresentados, ao longo de vários dias, oito projectos em fase avançada de desenvolvimento, a maioria deles destinada a um público adulto ou jovem adulto.

Um dos melhores exemplos é o «thriller» fantástico francês
«La Nuit des Enfants Rois» (estreia no Verão de 2010), baseado num livro dos anos 80 e realizado por Antoine Charreyron em «motion capture» e 3D, sobre um grupo de garotos assaltados e molestados, que reagem a esse horror praticando crimes como se fossem uma entidade singular.

Mas também para um público, pelo menos, jovem adulto se destinam quase todos as outras fitas apresentadas.
«Ánima Buenos Aires» (estreia em 2010) é uma co-produção da Espanha com a Argentina que pretende evocar a alma e as ressonâncias míticas de Buenos Aires através de quatro histórias animadas em estilos muito distintos, todas elas desenvolvidas ao som do apaixonante ritmo do tango.

O japonês
«Niji Iro Hotaru» (2010) é uma adaptação de um romance de sucesso de
Masayuki Kawaguchi, sobre um garoto que perdeu o pai e se encontra num mundo submerso perto de um local onde convivia com o seu progenitor.
«Un Monde Truqué» (2011) parte de um argumento original do incontornável autor de BD
Jacques Tardi, que co-assina a realização com Christian Demares, sobre uma realidade alternativa de 1941, muito próxima à do século XIX, devido ao desaparecimento sistemático de cientistas nos últimos 70 anos.

O francês
«Le Chat du Rabin» (2010) adapta a obra homónima em BD de
Joann Sfar, que co-realiza o filme com Antoine Delesvaux, passada na Algéria dos anos 20, com um gato que começa a falar porque engoliu um papagaio e tudo fará para ficar perto da jovem Zlabya. E
«Tibetan Dog» (2010), a primeira produção animada em parceria entre o Japão e a China, funde drama e aventura na história da relação entre um cão tibetano e um rapaz de dez anos.

Já abertamente para toda a família restam o norte-americano
«Cloudy with a Chance of Meatballs», uma produção da Fox que estreia já em Outubro deste ano, e o italiano
«Un Burattino di Nome Pinocchio» (2011), tentativa de transposição fiel do livro de Collodi.

Se juntarmos a tudo isto o próximo filme de
Patrice Leconte, que também marcou presença em Annecy, baseado em
«A Loja dos Suicídios», de Jean Teulé, comprovamos que os adultos já não têm razão de queixa quanto à oferta de cinema animado que lhes será dedicado.