Durante mais de um ano após as acusações de violação contra Gérard Depardieu, a indústria cinematográfica francesa encolheu os ombros e a lenda do cinema com mais de 200 títulos em seu nome continuou a trabalhar.
Mas as crescentes acusações de assédio sexual, bem como imagens do ator francês a fazer comentários obscenos, estão finalmente a forçar um debate sobre o sexismo e a violência sexual no cinema nacional.
Seis anos após o início do movimento #MeToo em Hollywood, que derrubou o produtor Harvey Weinstein, a campanha ganhou impulso em França.
“Haverá um pós-Depardieu, isso é claro”, disse a ativista Laura Pertuy.
“A todos os níveis, em todas as gerações, as pessoas estão a começar a falar, a dizer basta, o sistema não pode continuar assim”, disse a secretário-geral da Collectif 50/50, uma associação que promove a igualdade de género no cinema.
Há muito que Depardieu se tornou notícia de destaque pelo seu comportamento fora do ecrã, como visitar a Rússia e a Bielorrússia, obter um passaporte russo para protestar contra um aumento de impostos planeado na França ou até mesmo forçar o atraso de um voo de 2011 depois de urinar numa garrafa que transbordou.
Mas acusações de assédio ou agressão sexual, todas por si negadas, também apareceram nos noticiários.
No final de 2021, a atriz francesa Charlotte Arnould acusou publicamente o ator, amigo da família, de a violar duas vezes em 2018, quando ela tinha 22 anos e era anoréxica. Ela disse que pesava 37 quilos na época.
O ator foi colocado sob investigação formal em dezembro de 2020, mas não foi preso.
Em abril, o site de investigação Mediapart publicou um artigo de fundo onde outras 13 mulheres acusavam-no de molestá-las entre 2004 e 2022.
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Uma delas, a atriz Hélène Darras, apresentou uma queixa de agressão sexual em setembro devido a um incidente durante a rodagem de um filme em 2007.
Um documentário intitulado "La chute de l'ogre" ("A Queda do Ogre", em tradução literal), transmitido na última quinta-feira (7) no canal France 2, mostrou o ator numa viagem à Coreia do Norte em 2018, fazendo repetidamente comentários sexuais explícitos na presença de uma intérprete feminina e sexualizando uma menina pequena a andar a cavalo.
As últimas imagens desencadearam alguma autorreflexão.
“Somos todos um pouco culpados”, reconheceu Marc Missonnier, presidente do sindicato dos produtores de cinema da França.
“Havia uma tolerância e isso foi um erro”, acrescentou em entrevista ao canal France 2.
Anouk Grinberg, que conhece Depardieu há décadas, falou pela primeira vez em outubro.
"Qualquer pessoa que já trabalhou com ele sabe que ataca as mulheres”, disse a atriz de 60 anos à revista Elle, mas notando que as pessoas não o denunciaram por medo de que isso prejudicasse as suas carreiras.
"Todos permitiram que ele fosse um monstro", disse à rádio France Inter já esta na segunda-feira.
Ela apelou para o fim da “outra monstruosidade [...], aquela das pessoas do cinema que são indiferentes ao mal sofrido pelas mulheres, às humilhações que lhes são infligidas”.
Depardieu tem negado repetidamente ter cometido qualquer crime.
“Nunca abusei de uma mulher”, escreveu ele no jornal Le Figaro em outubro.
Após o artigo da Mediapart em abril, o distribuidor e produtor de "Umami", onde é o protagonista no papel de um 'chef', dispensou-o da campanha promocional. O filme foi um fracasso nas bilheteiras.
Protestos feministas interromperam vários dos seus espetáculos de canções da falecida cantora Barbara.
Em outubro, o ator de 74 anos, nomeado para um Óscar por "Cyrano de Bergerac" (1990) e conhecido mais recentemente pela série "Marselha", da Netflix, colocou a carreira em pausa.
“Não deveríamos celebrar... Depardieu”, disse à France 2. um porta-voz da France Televisions, a organização de canais públicos.
Mas o grupo disse à France-Presse na segunda-feira que “os filmes com... Depardieu continuarão a ser comprados e transmitidos”, pois incluem “obras-primas”.
Um deles, o premiado "Ilusões Perdidas" (2021), de Xavier Giannoli, será exibido na France 2 no domingo.
Depardieu não é a única figura do cinema francês acusada de má conduta, mas é a mais proeminente.
Sob pressão de ativistas e das autoridades, surgiram diversas iniciativas para prevenir a violência sexual. Os sets das rodagens empregam cada vez mais "treinadores de intimidade" para garantir que os atores se sintam confortáveis durante as cenas de sexo. E desde 2021, o Centre national du cinéma et de l’image animée (CNC) condicionou a ajuda financeira a cursos de prevenção do assédio sexual.
A atriz Adèle Haenel, que já havia denunciado a “dominação” que sofreu quando adolescente por parte do realizador Christophe Ruggia, anunciou em maio o abandono do cinema devido à “indulgência” da indústria com as agressões sexuais.
E as feministas apontam que Dominique Boutonnat, o diretor do CNC, que deveria estar a conduzir a indústria para um rumo melhor, foi ele próprio acusado de agredir sexualmente o seu afilhado de 21 anos em 2020, uma alegação que ele nega.
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