Claude François, também conhecido pelo diminutivo Cloclo, foi uma super-estrela da canção francesa nos anos 60 e 70, o autor de «Comme d'habitude», que ganharia a imortalidade na versão inglesa e na voz de
Frank Sinatra como «My Way». O cantor morreu eletrocutado aos 39 anos de forma acidental, em 1978, ao tentar consertar uma lâmpada defeituosa enquanto estava a tomar banho, e o realizador
Florent Emilio Siri (
«Hostage - Reféns») lançou-se agora a recriar toda a sua vida no filme
«My Way», com
Jérémie Renier no papel principal.
Claude François era um nome muitíssimo conhecido nos anos 60 e 70, mas a sua popularidade fora do país ficava atrás da de nomes menos imediatamente populares como Serge Gainsbourg ou Édith Piaf, Como se explica isso?
Bom, é verdade que hoje em dia o Claude François é menos recordado que o Gainsbourg ou mesmo que o Johnny Hallyday, ele tornou-se um cantor muito específico daquele período dos anos 60 e 70. O que se passa é que os artistas que se tornam mais reconhecidos no estrangeiro são os da chamada «chanson à texte», canções populares mas de qualidade literária mais refinada, como a Piaf, o Brassens ou o Brel.
E a memória dele diminuiu em França após a sua morte?
Não, não, o Claude François foi o maior vendedor de discos de todos, ele vendeu 68 milhões de discos, mais de metade deles depois da sua morte. Ainda hoje ele é muito popular, não há casamento ou baptizado que se façam sem a música dele. Ele ficou sempre muito célebre em França, aliás vendeu mais discos que o Johnny Halliday. E permaneceu porque fez algo único: ele deu o ritmo à canção francesa. Antes dos anos 60, o ritmo não era propriamente importante mas nos anos 60, com o «rock'n'roll» surgiu o Johnny e o Claude François, e o Claude trouxe um pouco a soul e a pop para a canção francesa.
Sei que já houve vários projectos de adaptar a vida dele ao cinema. Porque é que só este é que vingou?
Foi uma conjuntura perfeita de factores, na verdade. Por um lado, tínhamos o ator ideal, o Jérémie Renier, que tem 30 anos e é extraordinário, trabalhou muito com os irmãos Dardenne. Ele tem um papel muito difícil, porque é preciso saber cantar e dançar, ter qualquer coisa extremo, ser muito trabalhador e talentoso, e ainda por cima tem um lado físico que o assemelha muito ao Claude François.
Por outro lado, eu fiquei muito reticente quando me propuseram o projeto até porque, se ele continua a ser muito popular entre as mulheres, ele tem entre os homens a imagem de ser um tipo artificial e um pouco efeminado. E nessa altura calhou ver um documentário feito na altura dos 30 anos da sua morte, sobre o Claude François escondido. E percebi que havia ali uma grande personagem de cinema, e percebi como o podia agarrar e fazer dali um filme. Esse documentário foi a chave: mostrar o Claude François desconhecido.
Nesse sentido, o filme segue a vida dele do início ao fim, sem se centrar em nenhum período em especial...
Sim, o que era incrível é que na vida dele tudo era ritmo, tudo parecia basear-se no ritmo. E eu quis fazer um filme assim. Houve grandes elipses na vida dele e eu transpus isso para a película. Inicialmente há saltos grandes na cronologia, como a infância triste no Egipto e a relação problemática com o pai, e saltamos depois para a França nas primeiras tentativas de sucesso, cobrimos os momentos importantes que fizeram dele um artista e um sucesso, e quando nos aproximamos do fim, mostramos quase tudo minuto a minuto, segundo a segundo. Era esse tom negro e irreversível que caminha para a morte que me interessava.
Como a maioria dos artistas, ele unia um grande talento a uma personalidade quase infantil e insuportável...
Sim, é verdade, como muitos artistas ele era uma espécie de homem que não cresceu, que não conseguiu ser um pai para os filhos, que se tornou um adulto não completamente formado. Era essa a força e a fragilidade dele, esse lado infantil que era terrível mas ao mesmo tempo muito cativante. E, ao mesmo tempo, ele era artisticamente fascinante. E aquela morte acidental aos 39 anos ao mudar a lâmpada da banheira foi quase um ato falhado, tal como o Michael Jackson, ambos queriam que o tempo parasse. Mesmo se aquilo na altura era um acidente muito frequente em França, porque a eletricidade era muito menos segura do que é hoje.
Por outro lado, ele estava muito à frente do seu tempo em muita coisa, certo?
Isso, sem dúvida. Ele compreendeu imediatamente o sentido do marketing, do espetáculo, foi o primeiro artista independente francês, em 1967 fundou a sua própria produtora, a Flèche, comprou uma revista popularíssima para jovens chamada «Podium», foi o primeiro a criar um clube de fãs, foi o primeiro a levar o modelo espetáculo de variedades à americana para a televisão, e por aí fora. E ao mesmo tempo, o curioso é que chegou um pouco tarde, porque ele adorava os «crooners», como o Sinatra, só que quando ele começou a ter sucesso naquela veia, a máquina tornou-se imparável.
Teve o apoio da família dele para fazer o filme?
Sim. Quer dizer, o filme ter-se-ia feito sem isso mas seria mais difícil. Por um lado, porque não convém que depois da estreia a família se lançe a destruir o filme pelo facto de ter sido posta de fora do processo, por outro porque são eles que têm os direitos das canções todas do Claude Fançois, já que ele manteve tudo. E os filhos hoje têm 40 anos, também já têm filhos e sabem que ele não era um homem simples. Portanto, eles são co-produtores, não do filme mas da musica do filme. E devo dizer que foi numa conversa com eles que apanhei uma das chaves da personagem: um deles disse-me «o meu pai nunca me disse «amo-te» mas perguntou-me sempre «tu amas-me?».
O filme apresenta-o como uma personagem sofredora, apesar de todo o sucesso...
Ele sofria muito, porque era alguém muito inteligente, muito lúcido sobre si próprio. Ele não gostava dele, achava que era feio e pequeno, que tinha má voz, nasceu sem nada e fez tudo para mudar e melhorar. Ele tinha um exigência enorme no trabalho e era um enorme profissional. E depois houve cicatrizes que nunca se fecharam: o pai nunca aceitou que ele fosse um artista e nunca mais lhe falou até à sua morte, o que é terrível, a mãe por outro lado, aproveita-se da fama dele e gastava o dinheiro todo no jogo. Era tudo muito complicado. E ele não gostava de si próprio e por isso transformou-se fisicamente, fez uma operação ao nariz, fez um «lifting» pouco antes de morrer. E apesar disso acabou por fazer a maior canção do mundo, «Comme d'Habitude», adaptada pelo Paul Anka e imortalizada pelo Frank Sinatra.
É verdade que ele nunca o conheceu?
É verdade, e teria tido oportunidades disso. Mas ele tinha esse recuo e humildade. Ele considerava-se meramente um cantor francês e o Sinatra era um cantor internacional, ela sabia essa diferença. E eu percebo isso: eu adoro o Martin Scorsese mas acho que se o vir não tenho coragem de ir lá falar com ele.
Comentários