Spike Jonze pegou numa história sobre inteligência artificial e tirou-lhe o medo que o Homem tem de ser ultrapassado pela máquina. Joaquin Phoenix é o protagonista deste filme de amor moderno, com a missão de nos pôr a pensar nas grandes perguntas. Quem somos? O que é o amor? Como nos relacionamos com os outros?

Os olhos muito azuis de Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) prendem-nos a atenção. Ficamos perdidos naquele foco, impossível de ignorar nos cenários pálidos de “Uma História de Amor”. O bigode hipster também não passa despercebido.

Theodore está separado da mulher, Catherine (Rooney Mara), há um ano, mas a distância entre eles já era antiga. Ela aponta o dedo ao isolamento dele. Ele foge das interações humanas. Ou então desaprendeu a capacidade de as ter, até mesmo com a amiga mais próxima, Amy (Amy Adams).

Certo dia, Theodore apaixona-se por Samantha (Scarlett Johansson), a voz presente, divertida e entusiasta do sistema operativo que acaba de comprar. O companheirismo entre os dois ocupa o espaço vazio da decepção amorosa de Theodore. Até aqui, o filme não dá qualquer indicação do quão contranatura é este par romântico entre um homem e uma máquina (que estranha o facto de não ter corpo). Mas se alguém nos falar de “Uma História de Amor”, o mais provável é que a descrição do filme passe por aqui.

Sim, Spike Jonze introduziu o tema com uma naturalidade surpreendente. Queremos lá saber que Samantha não exista. Aqueles olhos muitos azuis estão ali, a pedir-nos empatia pelo coração partido de Theodore... Solidarizamo-nos com a sua dificuldade em ultrapassar a separação conjugal. Afinal, reconhecemos a sua doença dos tempos modernos, aquela solidão profunda, fruto de um cruzamento pérfido entre as maravilhas da tecnologia e uns traços de depressão. Ironia das ironias, Theodore ganha a vida como escritor de cartas emotivas. Por encomenda, é capaz de produzir bonitas manifestações de afeto. No seu mundo, é inábil no que toca a relações humanas.

Theodore oscila entre a depressão de quem vê uma relação boa falhar e o êxtase de começar algo novo. Aquela busca de emoções genuínas, que Spike Jonze verteu para dentro do enredo, traz à memória “(500) Dias com Verão” (2009), “O Despertar da Mente” (2004) e “Submarino” (2010). A verdade é que “Uma História de Amor” é um filme indie clássico, que até conseguiu receber um Óscar para Melhor Argumento Original. Todos gostam de “Uma História de Amor”.

Será por Joaquin Phoenix ter uma prestação encantadora? Será por causa da banda sonora, composta por Will Butler (dos Arcade Fire) e Owen Pallett, com pianadas tristes e melancólicas a aparecem num tom feliz e sereno? (Não esquecer de ouvir “The Moon Song”, de Karen O, dos Yeah Yeah Yeahs, com Ezra Koenig, dos Vampire Weekend. No filme, Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson cantam a música em dueto, mas o original é bem mais bonito.) Ou será porque é tão fácil relacionarmo-nos com as experiências das personagens – aquele medo de nunca mais se sentir algo novo ou a felicidade de crescer com outra pessoa?

Spike Jonze e os músicos Karen O e William Butler
Spike Jonze e os músicos Karen O e William Butler créditos: AFP

Tudo parece funcionar e isso é ainda mais surpreendente, porque Spike Jonze tem no currículo experiências muito diferentes desta melancolia indie que conseguiu criar em “Uma História de Amor”. Além de “Queres ser John Malkovich?” (1999), são da sua autoria os videoclips de “Praise You”, de Fatboy Slim, e de “It’s Oh So Quiet”, de Björk. Com Johnny Knoxville, criou “Jackass”, o célebre programa da MTV. Mais recentemente, foi um dos produtores executivos do documentário Jim & Andy (2017), da Netflix.

Spike Jonze pode ter uma visão mais rica por causa destas experiências, mas diz-se que “Uma História de Amor” vai beber inspiração a outra fonte. Assim como Sofia Coppola terá feito “O Amor é um Lugar Estranho” (2003) sobre a sua relação com Jonze, também ele terá retratado essa parte da sua vida em “Uma História de Amor”. As semelhanças não são poucas e os dois filmes foram aclamados pela crítica.

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