Controverso, estranho, repulsivo – “O Último Tango em Paris” é talvez o filme que mais palco deu a Bernardo Bertolucci mas marcou mais pela polémica do que pelo valor como grande obra do cinema do século XX.
Marlon Brando e Maria Schneider dão vida ao filme de 1972, que as etiquetas do cinema viriam a cunhar como drama erótico. Brando é Paul, um americano que vela o suicídio da mulher em Paris, onde conhece a jovem Jeanne, interpretada por Schneider. Umas quantas ruas escuras depois, os protagonistas iniciam uma ligação sexual em que, como regra, não podem partilhar qualquer informação pessoal. A relação torna-se uma sucessão de encontros furtuitos, num tom quase obsessivo e seguramente tóxico, de duas pessoas que procuram no outro a expiação dos seus fantasmas.
É um filme controverso. A polémica cena de sexo anal terá sido o catalisador de uma grande parte da fama do filme. Timing é tudo e, não querendo tirar mérito a Bertolucci, já nesses idos anos 1970 se sabia que o sexo vende. Vendeu. Vendeu tanto que se formavam filas às portas dos cinemas e os regimes ditatoriais proibiam a exibição da obra. A Portugal, chegou alguns dias depois do 25 de Abril, como uma lufada de modernidade a sacudir a poeira do Antigo Regime.
É um filme estranho. Primeiro, pelas personagens, que a atmosfera faz questão de sagrar como anti-heróis. A trama mastiga a empatia que as suas histórias podiam suscitar e devolve ao espectador um amargo de boca desconfortável. O cunho seventies das roupas de Schneider vai distraindo do essencial, perdidos os olhares em vastos casacos e chapéus insinuantes. Brando contrasta com a inocência aparente de Schneider, apenas com 19 anos nas gravações. O ar quase decadente do ator de quem sempre se ouviu falar como um galã de Hollywood vai além do que a personagem exigira. E é impossível ignorar a quase total ausência de diálogos, enquanto o magnetismo entre as duas personagens se esvai entre os silêncios.
Há ainda o cenário, porque esta é uma história que acontece entre sombras de cenas escuras e noturnas, a contrastar com a cidade luminosa que um outro cinema consagrou. E depois, a música de Gato Barbieri. A banda sonora ora transporta para um club de jazz sombrio, ora remete para um romance inocente dos anos 1950. Diz-se que o nome de Astor Piazzolla terá sido sugerido, mas foi Barbieri quem transpôs para música aquele sentimento de estranheza da história e da interpretação.
É um filme repulsivo. “O Último Tango em Paris” repele enquanto atrai. Envolve enquanto afasta. Coloca-nos a espreitar pelo buraco da fechadura, para dentro dos cantos mais escuros da manifestação humana, onde reina o caos interior. É a mesma fórmula que Stanley Kubrick testaria vinte anos depois em “De Olhos Bem Fechados”.
Ao longo do tempo, a polémica, a controversa e a repulsa não se dissiparam. Maria Schneider confessou não ter conhecimento de como iria acontecer a cena de sexo anal, em que Marlon Brando usa manteiga. Ator e realizador teriam combinado tudo entre si e o filme acabou por ficar envolto na dúvida sobre se este teria sido ou não um caso de violência sexual exposto no cinema como forma de arte.
Agora, nem Brando, nem Schneider, nem Bertolucci podem contar o que realmente aconteceu nas filmagens de “O Último Tango em Paris”.
Resta a música de Barbieri. Mas o shuffle passa para “Moon River”, de Mancini, e percebe-se ainda melhor o choque com que o filme terá sido recebido, naquele ano de 1972. Pouco mais de uma década tinha passado desde que Audrey Hepburn se tornara Holly Golightly em “Breakfast at Tiffany’s” e o cinema não tinha visto nada como o que Bertolucci acabara de mostrar.
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