“Não podemos aceitar que ‘Houris’ de Kamel Daoud, um dos romances da lista Goncourt na qual os jurados devem votar, seja proibido naquele país e a sua editora banida da Feira do Livro de Argel”, lê-se num comunicado partilhado pelas 18h00 de hoje na conta oficial da Academia Goncourt na plataforma online X (antigo Twitter).
“Houris” foi proibido na Argélia ao abrigo de uma lei que proíbe qualquer livro que evoque os massacres da “década negra” (1992-2002).
A Academia Goncourt recorda igualmente a detenção “arbitrária” do escritor franco-argelino Boualem Sansal, em Argel, “por causa dos seus escritos e propostas”, reafirmando a “condenação de qualquer ataque liberdade de expressão”.
De acordo com a Agência France Presse (AFP), Boualem Sansal foi detido em meados de novembro no aeroporto de Argel tendo ficado em prisão preventiva, acusado pelas autoridades argelinas de pôr em risco a segurança do Estado.
O escritor franco-argelino Kamel Daoud venceu a edição deste ano do mais prestigiado prémio das letras francesas com um relato ficcional dos massacres durante a “década negra” da Argélia (1992-2002).
Em “Houris”, publicado pela Gallimard, o escritor e jornalista franco-argelino de 54 anos coloca-se na pele de Aube, uma jovem grávida que conta à filha por nascer o massacre da sua família, a 31 de dezembro de 1999, por islamitas que tentaram cortar-lhe a garganta, deixando-a desfigurada e muda.
Entretanto, Kamel Daoud foi acusado de ter usado a história de uma paciente de sua mulher, psiquiatra, para escrever “Houris”.
“Assim que o livro foi publicado, duas queixas contra Kamel Daoud e sua mulher, Aicha Dehdouh, a psiquiatra que tratou a vítima”, Saâda Arbane, foram apresentadas em Oran, na Argélia, disse à AFP a advogada Fatima Benbraham.
Saâda Arbane, sobrevivente de um massacre durante a guerra civil na Argélia na década de 1990, acusa o escritor e sua mulher de terem revelado a sua história sem o seu consentimento.
“A primeira queixa foi apresentada em nome da Organização Nacional das Vítimas do Terrorismo" e "a segunda em nome da vítima”, explicou Fatima Benbraham à AFP.
A advogada de Arbane garantiu à agência francesa que a apresentação das queixas remonta a agosto, “alguns dias depois da publicação do livro”.
Kamel Daoud não respondeu a estas acusações, mas a sua editora francesa, a casa Gallimard, contestou as “violentas campanhas difamatórias orquestradas [contra o escritor] por certos meios de comunicação próximos de um regime [argelino] cuja natureza ninguém ignora”.
“Se Houris se inspirou em acontecimentos trágicos ocorridos na Argélia durante a guerra civil dos anos 1990, o seu enredo, as suas personagens e a sua heroína são puramente fictícios”, disse Gallimard.
Crítico do islamismo radical, o que lhe valeu uma ‘fatwa’ no seu país de nascimento (Argélia), Kamel Daoud já tinha ganhado em 2015 o Prémio Goncourt de Melhor Primeiro Romance, com “Meursault, contra-investigação”, o seu único livro publicado em Portugal (Teodolito), obra que escreveu como uma resposta a “O estrangeiro”, de Albert Camus.
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