Com cinco estatuetas em seis nomeações, "Anora" foi o grande vencedor da noite dos Óscares, entregues no domingo ao fim da tarde no Dolby Theatre, em Los Angeles, que este ano se pareceram com os Independent Film Awards que premeiam o cinema independente, ao ponto de "Flow - À Deriva", um filme de animação da Letónia também ganhar às produções dos grandes estúdios de Hollywood.

Veja aqui a lista completa de vencedores dos Óscares 2025
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Melhor Filme, Realização, Argumento Original e Montagem, foram todos para Sean Baker pelo seu filme sobre uma jovem stripper nova-iorquina que se casa com o filho de um oligarca russo num romance turbulento e condenado, confirmando o favoritismo na temporada atribuído à Palma de Ouro do Festival de Cannes após ter ganho os prémios do sindicato dos produtores e realizadores a 8 de fevereiro.

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A única categoria que escapou foi Yura Borisov como Ator Secundário (como se esperava, foi para Kieran Culkin por "A Verdadeira Dor"), uma vez que o quinto Óscar foi o de Mikey Madison como Melhor Atriz, derrotando a grande favorita Demi Moore ("A Substância"), como tinham 'previsto' os BAFTA da Academia Britânica, e uma ironia cruel que parece inspirada no próprio filme, a veterana ultrapassada por alguém muito mais jovem.

"Anora"

Fernanda Torres também perdeu Melhor Atriz, mas esta foi uma noite histórica para o cinema brasileiro: após quatro nomeações na categoria sempre a sair de mãos vazias, "Ainda Estou Aqui" ganhou o Óscar de Melhor Internacional, o primeiro para o Brasil.

"Isto vai para uma mulher que, depois de uma perda tão grande num regime tão autoritário, decidiu não se dobrar e resistir. Também vai para as mulheres extraordinárias que lhe deram vida: Fernanda Torres e Fernanda Montenegro", disse o realizador Walter Salles ao receber a estatueta.

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O realizador Walter Salles reage após ganhar o Óscar.

A vitória está a ser celebrada com mesmo fervor de uma "Copa do Mundo", como se pode ver pelo momento em que Daniela Mercury a anunciou ao público em pleno Carnaval.

Confirmou-se assim que o impacto emocional da história da perda e procura da justiça da família Paiva durante a ditadura militar (1964-1985) transcendeu as fronteiras do Brasil e que a grande paixão pelo filme não era só nas redes sociais.

A vitória também coroou o que quase todos consideram ter sido a maior e mais profissional campanha de promoção de sempre de uma produção nacional em Los Angeles: a equipa, com Fernanda Torres à cabeça, esteve numa autêntica ponte aérea desde a antestreia mundial no Festival de Veneza, onde o filme ganhou o prémio do argumento, desdobrando-se num esforço titânico por entrevistas e eventos para levá-lo a mais pessoas.

Escreveu nas redes sociais Lula da Silva, Presidente do Brasil: "Hoje é o dia de sentir ainda mais orgulho de ser brasileiro. Orgulho do nosso cinema, dos nossos artistas e, principalmente, orgulho da nossa democracia. Eu e Janja estamos muito felizes assistindo tudo ao vivo. O Óscar de Melhor Filme Internacional para 'Ainda Estou Aqui' é o reconhecimento do trabalho de Walter Salles e toda a equipa, de Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, Selton Mello, do Marcelo Rubens Paiva e família e todos os envolvidos nesta extraordinária obra que mostrou ao Brasil e ao mundo a importância da luta contra o autoritarismo. Parabéns! Viva o cinema brasileiro, viva 'Ainda Estou Aqui'."

Mikey Madison, Fernanda Torres e Walter Salles na festa pós-Óscares Governors Ball

Durante a temporada de prémios, a produção brasileira não esteve representada em vários eventos e quando isso aconteceu, perdeu sempre para "Emília Pérez".

Aliás, o facto de a categoria ser apresentada pela espanhola Penélope Cruz pode indicar que até os produtores da cerimónia estavam a prever a vitória aqui do filme francês falado em castelhano, que foi premiado no Festival de Cannes e chegou à grande noite de Hollywood a liderar com 13 nomeações (um recorde para um filme não falado em inglês).

No entanto, a popularidade caiu por causa das mensagens nas redes sociais e caráter racista e xenófobo da sua protagonista Karla Sofía Gascón, depois de ter sido criticado pela forma como representou a comunidade trans, ao contar a história de um chefe de um cartel mexicano de droga que fez uma transição de género, ficando pelas estatuetas de Melhor Atriz Secundária para Zoë Saldaña e Melhor Canção com "El Mal", onde um dos premiados foi o realizador Jacques Audiard (e Diane Warren voltou a perder pela 16.ª vez).

Para "O Brutalista", houve três Óscares em dez nomeações, que cumpriram as previsões: Melhor Ator para Adrien Brody, além de Banda Sonora e Fotografia.

Adrien Brody, Mikey Madison, Zoe Saldaña e Kieran Culkin

"Conclave", visto nas últimas duas semanas como a mais forte ameaça a "Anora", ficou apenas por uma estatueta, a esperada como Melhor Argumento Adaptado.

"Wicked" teve direito a dois Óscares, Direção Artística e Guarda-Roupa, um momento histórico aplaudido de pé: Paul Tazewell lembrou que era o primeiro homem negro a conquistar aquela categoria (Ruth E. Carter tinha vencido por “Black Panther", em 2017 e 2022).

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Das cinco nomeações, "Dune - Duna: Parte 2" ficou pelas esperadas vitórias nos Efeitos Visuais e Som, depois de a "Parte 1" ter conquistado seis estatuetas na cerimónia de 2022.

O Óscar de Melhor Caracterização foi para "A Substância", que acabou por ser a única vitória em cinco nomeações para o filme de Coralie Fargeat.

Dos dez nomeados para Melhor Filme, ficaram sem prémios "A Complete Unknown", o 'biopic' sobre os primeiros anos da carreira de Bob Dylan, o maior 'derrotado' pois tinha oito nomeações, e, como se esperava, "Nickel Boys", que só tinha outra nomeação, a do Argumento Adaptado.

A cerimónia começou às 16h00 e apesar de protestos pró-palestinianos perto do Dolby Theatre, as estrelas chegaram a horas para encher a passadeira vermelha com o glamour habitual.

AS ESTRELAS NA PASSADEIRA VERMELHA.

 

"Anora": em defesa do cinema no grande ecrã

Sean Baker

Há menos de dez anos, Sean Baker começou a ser mais conhecido na indústria com "Tangerine" (2015), o seu quinto filme de produção independente, inteiramente filmado com três iPhones.

Agora, aos 54 anos, fez história: foi a primeira pessoa a ganhar quatro estatuetas numa noite (Walt Disney fez o mesmo em 1953, mas por quatro filmes diferentes), como realizador, argumentista e editor de "Anora", além de ser um dos produtores.

No seu discurso mais marcante, o de Melhor Realização, recebido das mãos de Quentin Tarantino (que, curiosamente, nunca ganhou na categoria), fez um alerta sobre a ameaça que pende sobre "a experiência de se ir às salas de cinema".

"Estamos todos aqui esta noite, porque adoramos filmes", disse o realizador. "E onde nos apaixonamos pelos filmes? No cinema. Ver um filme, ver um filme no cinema com público é uma experiência. Podemos rir juntos, chorar juntos, gritar de medo juntos, talvez sentarmo-nos juntos em silêncio e, numa época em que o mundo se afigura muito dividido, isso é mais importante do que nunca. É uma experiência comunitária que simplesmente não se tem em casa".

Sean Baker alertou para as dificuldades por que estão a passar as salas de cinema, "especialmente as independentes" de grandes distribuidoras e de grandes exibidores.

"Cabe-nos apoiar [as salas independentes]. Durante a pandemia, perdemos quase mil ecrãs nos Estados e continuamos a perdê-los regularmente. Se não invertermos esta tendência, perderemos uma parte vital da nossa cultura".

Para Sean Baker, este é o seu "grito de guerra". "Os cineastas continuam a fazer filmes para o grande ecrã. Eu sei que vou [fazer]. Distribuidores, por favor, concentrem-se em primeiro lugar nos lançamentos dos vossos filmes nos cinemas", afirmou, dando a sua distribuidora (Neon), como exemplo, e agradecendo-lhe "do fundo do coração".

"Pais, apresentem os vossos filhos aos filmes nos cinemas e estarão a moldar a próxima geração de cinéfilos e de cineastas". E concluiu: "Vejam filmes no cinema, vamos manter bem viva a grande tradição da experiência cinematográfica".

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Para muitos, os Óscares terão sido a apresentação ao carismático cineasta, que fez rir a audiência ao receber o Óscar de Melhor Montagem.

"Meu deus, e vocês vissem as imagens — salvei este filme na montagem. Confiem em mim! Aquele realizador nunca mais deveria voltar a trabalhar", comentou.

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Para Mikey Madison, este é um momento "a star is born": a fazer 26 anos a 25 de março, tornou-se a nona mais jovem na história dos Óscares a ganhar o Óscar de Melhor Atriz, a mais jovem desde Jennifer Lawrence em 2012 e a primeira da 'Geração Z'. Não será difícil de prever o impacto na sua carreira: em 2022 era conhecida apenas uma das atrizes secundárias da saga "Gritos", por outro papel secundário em "Era Uma Vez... em Hollywood" (2019) e pela série "Better Things".

“Cresci em Los Angeles, mas Hollywood sempre pareceu tão distante de mim”, disse no seu discurso.

Mais adiante disse que "queria reconhecer e homenagear a comunidade das profissionais do sexo. Continuarei a apoiar e a ser uma aliada. Todas as mulheres incríveis que tive o privilégio de conhecer daquela comunidade foram um dos grandes destaques de toda esta experiência.”

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Uma cerimónia recheada de momentos musicais e a estreia de Conan O'Brien

Cynthia Erivo e Ariana Grande

Este ano, os Óscares prolongaram-se por três horas e 50 minutos, sem momentos mortos mas a notar-se a tentativa de apressar a partir de certa altura, com a orquestra a interromper vários discursos: na marca das três horas e meia previstas, Sean Baker estava a começar o discurso de Melhor Realização e ainda faltava entregar Melhor Atriz e Melhor Filme.

A 97.ª cerimónia arrancou com uma homenagem a Los Angeles, afetada pelos incêndios que mataram 29 pessoas e destruíram mais de 14 mil edifícios, com cenas de filmes com a cidade como uma personagem e a terminar num "We Love LA".

Mais à frente, antes da entrega do Óscar de Melhor Som, houve ainda uma homenagem aos bombeiros de Los Angeles, com a subida ao palco de comandantes de diferentes corporações.

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Para atrair um público que normalmente não vê os Óscares, a noite foi feita de muitas apresentações musicais (mas não dos nomeados para Melhor Canção) e foi no início um dos momentos que tinham sido 'soprados' à imprensa com semanas de antecedência: as atuações de Ariana Grande e Cynthia Erivo, com a primeira a começar com 'Over The Rainbow', de "O Feiticeiro de Oz" (1939), a segunda a continuar com 'Home', de “O Feiticeiro” (1978), antes de juntarem forças para 'Defying Gravity', o tema que define o desfecho de "Wicked".

VEJA A ATUAÇÃO DE "DEFYING GRAVITY".

A homenagem à saga James Bond foi outro grande momento musical da noite, dançada por Margaret Qualley e cantada por Lisa, Doja Cat e Raye, passando por vários êxitos.

VEJA O MOMENTO DA APRESENTAÇÃO COM MARGARET QUALLEY.

VEJA A ATUAÇÃO DE LISA COM "LIVE AND LET DIE"

VEJA A ATUAÇÃO DE DOJA CAT COM "DIAMONDS ARE FOREVER.

VEJA A ATUAÇÃO DE RAYE COM "SKYFALL".

O pretexto foram os Óscares honorários entregues aos produtores Barbara Brocoli e Michael G. Wilson em novembro do ano passado, mas a introdução de Halle Barry torna-se mais significativa porque há duas semanas foi anunciado que a dupla passava todo o controlo criativo à Amazon: a atriz, que entrou em "007 - Morre Noutro Dia" (2002), disse que "eles não produzem apenas filmes de Bond, eles foram o coração e a alma desta saga durante décadas".

O falecido produtor Quincy Jones também foi tema de um segmento especial, encabeçado por Queen Latifah depois de uma apresentação que juntou Whoopi Goldberg e Oprah Winfrey, 40 anos depois da sua versão de "A Cor Púrpura", que Jones produziu e foi o autor da banda sonora.

VEJA UM EXCERTO DA ATUAÇÃO.

O tradicional segmento In Memoriam, uma despedida às estrelas que morreram no último ano, foi apresentado por Morgan Freeman, que dedicou palavras emocionadas ao seu amigo Gene Hackman, encontrado morto com a mulher na quarta-feira na sua residência no Novo México.

A lenda de 95 anos também fez parte do final do próprio segmento de vídeo, que foi acompanhado pelo prestigiado coro dos Los Angeles Master Chorale com "Lacrimosa", do Requiem de Mozart, um áudio que a ABC não pode exibir nas redes sociais por restrições de direitos de autor.

VEJA A APRESENTAÇÃO DE MORGAN FREEMAN E O SEGMENTO "IN MEMORIAN".

Conan O'Brien

A estrear-se como anfitrião dos Óscares aos 61 anos, o comediante Conan O'Brien surpreendeu com a sua 'entrada': a sair do 'interior' de Demi Moore em "A Substância".

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Já em palco, fez uma rábula entre a afeição e o cinismo com os principais nomeados. Por exemplo, sobre "O Brutalista", com as suas três horas e 35 minutos, disse que "não queria que terminasse e felizmente não terminou".

Falou ainda do uso de Inteligência Artificial, dos aumentos de preços da Netflix e até da reação de John Lithgow se os discursos forem demasiado longos.

Também foi elegante na forma como lidou com o escândalo da protagonista de "Emília Pérez" e a sua presença na audiência após as suas mensagens antigas nas redes sociais sobre vários temas sociais e políticos e até críticas à cerimónia dos Óscares de 2021.

"'Anora' usa a palavra 'F' 479 vezes. Três mais do que o recorde estabelecido pelo relações públicas da Karla Sofía Gascón", disse o anfitrião.

E rematou: "A Karla Sofía Gascón está aqui esta noite e, Karla, se quiseres mandar mensagens sobre os Óscares, lembra-te que o meu nome é Jimmy Kimmel".

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Outra piada bem recebida: "Bem, estamos a meio do programa, o que significa que é altura do Kendrick Lamar aparecer e chamar pedófilo ao Drake."

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Numa intervenção que lembrou os incêndios que afetaram Los Angeles e as "divisões políticas" da atualidade, Conan O'Brien também lembrou a perenidade do cinema e da sua magia, entre 'estrelas' e os artesãos por trás das câmaras que "não são famosos", com a certeza de que os Óscares regressarão no próximo ano e nos próximos.

"Eu, não", disse. "Mas os Óscares, sim".

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Outro momento muito apreciado na sala foi aquele em que goza com a cultura do streaming com um anúncio falso onde tenta convencer várias pessoas a deixar de ver filmes no sofá, nos telefones ou tablets para ir a um 'edifício dedicado aos filmes de streaming'... em tudo igual às salas de cinemas, mas chamado CinemaStreams e marca registada pelo comediante "em parceria com a família Sackler e o reino da Arábia Saudita".

VEJA O ANÚNCIO.

Conan O'Brien também colocou os comandantes das corporações de bombeiros a ler as piadas que estavam preparadas para ele, como esta: "Os nossos sentimentos estão com todos aqueles que perderam as suas casas... e estou a falar dos produtores de 'Joker 2'."

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Antes de acabar o seu monólogo, o comediante fez uma rábula com Adam Sandler pela forma como estava vestido para a cerimónia e a simulação de um número musical, “I Won’t Waste Time” [Não vou desperdiçar tempo'], uma paródia aos que são muito produzidos nos Óscares (e a recordar o antigo espírito do anfitrião Billy Crystal).

VEJA A ATUAÇÃO "I WON´T WASTE TIME".

Uma noite com momentos políticos, mas sem mencionar um nome

Zoe Saldaña

Mesmo sem mencionar diretamente o seu nome, Trump e a sua nova administração fizeram-se sentir na cerimónia.

Por um lado, fugir do tópico foi uma das razões para a Academia escolher Conan O'Brien, que não é conhecido pelo humor político, e que incorporou algum do humor físico e surreal pelo qual é reconhecido e apareceu muito mais ao longo da cerimónia do que outros anfitriões recentes.

Por outro lado, foi ele que protagonizou um dos momentos mais 'políticos' e aplaudidos na única vez que entrou por essa área, quando recordou que "Anora" estava a ter uma ótima noite, na altura em que tinha dois prémios, Argumento Original e Montagem, e revelou a razão: "Acho que os americanos estão entusiasmados por ver alguém finalmente enfrentar um russo poderoso".

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Também a atriz Daryl Hannah foi aplaudida quando, antes de apresentar a categoria de Melhor Montagem, disse "Slava ukraini", uma referência muito atual menos de três dias depois do desentendimento entre Trump e Zelensky na Sala Oval que correu o mundo.

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Outro momento importante foi a da vitória de Zoe Saldaña como Melhor Atriz Secundária, que sob aplausos de pé, agradeceu a toda a equipa de filmagem e emocionou-se ao falar da família e das suas origens.

“A minha avó veio para este país em 1961. Sou uma filha orgulhosa de pais imigrantes com sonhos, dignidade e mãos trabalhadoras. Sou a primeira americana de origem dominicana a receber um Óscar e sei que não serei a última. O facto de estar a receber um prémio por um papel em que tive a oportunidade de falar e cantar em castelhano, a minha avó, se estivesse aqui, ficaria muito emocionada. Isto é para minha avó.”, disse a atriz de 46 anos.

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Também Adrien Brody, que venceu o primeiro Óscar de Melhor Ator na cerimónia de 2003, por "O Pianista", recordou a coincidência com a sua distinção por "O Brutalista"... depois de se livrar de uma pastilha, atirando-a à companheira Georgina Chapman, quando já estava a caminho do palco.

VEJA O MOMENTO DA PASTILHA.

"Estou aqui mais uma vez, para representar os traumas persistentes e as repercussões da guerra e a opressão sistemática de anti-semitismo e do racismo", disse o ator de 51 anos no final do longo e emocionado discurso, estabelecendo o paralelo entre "O Pianista", que sobrevive ao Holocausto, e "O Brutalista", em que toma o lugar de imigrante europeu, nos EUA do pós-Guerra.

Brody iniciou a intervenção alertando para a fragilidade da profissão de ator. "Parece muito glamorosa, e em certos momentos é mesmo. Mas tudo pode desaparecer".

No final, disse acreditar na possibilidade de "um mundo mais saudável, mais feliz e mais inclusivo". E concluiu: "Acredito que se o passado nos pode ensinar alguma coisa, é para não deixarmos o ódio passar impune".

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Mas o momento mais político foi o do prémio de Melhor Documentário para israelo-palestiniano "No Other Land", dirigido por um coletivo de dois realizadores israelitas e dois palestinianos, que não teve distribuidor nos Estados Unidos, tendo sido exibido apenas em cinemas selecionados de todo o país.

O trabalho com 95 minutos que pode ser visto em Portugal na plataforma Filmin mostra a destruição de Masafer Yatta, na Cisjordânia ocupada, e um ato de resistência criativa na procura de justiça para o conflito.

Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal e Yuval Abraham

Basel Adra, jornalista e ativista palestiniano, considerou "uma grande honra" a distinção.

"Há cerca de dois meses, fui pai, e espero que a minha filha não tenha de viver a mesma vida que estou a viver agora, sempre temendo a violência dos colonos, as demolições de casas e as deslocações forçadas que a minha comunidade, Masafer Yatta, está a viver e a enfrentar todos os dias sob a ocupação israelita", disse o realizador.

"'No Other Land' reflete a dura realidade que enfrentamos há décadas e a que resistimos, ao mesmo tempo que apelamos ao mundo para que tome medidas sérias para pôr fim à injustiça e à limpeza étnica do povo palestiniano".

Já Yuval Abraham, um jornalista israelita que recebeu ameaças de morte após "No Other Land" ganhar um prémio no ano passado no Festival de Berlim, recordou que "fizemos este filme, palestinianos e israelitas, porque juntas as nossas vozes são mais fortes. Vemo-nos uns aos outros, a destruição atroz de Gaza e do seu povo, que deve acabar, os reféns israelitas, brutalmente capturados no crime de 7 de Outubro [de 2023], que devem ser libertados"

"Quando olho para o Basel, vejo o meu irmão, mas somos desiguais", prosseguiu. "Vivemos num regime em que sou livre ao abrigo da lei civil, e o Basel está sujeito a leis militares que lhe destroem a vida e que ele não consegue controlar".

Na sua intervenção, disse ainda "que há um caminho diferente, uma solução política sem supremacia étnica, com direitos nacionais para ambos os nossos povos" e alertou que a atual política externa dos EUA “está a ajudar a bloquear esse caminho.”

Abraham sublinhou que os dois povos, israelita e palestiniano, estão interligados. "O meu povo pode estar realmente seguro se o povo de Basel estiver realmente livre e em segurança", afirmou, insistindo "noutra forma" de resolver o conflito. "Não é tarde para a vida, para os vivos. Não há outro caminho", concluiu.

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Os outros prémios

Aos 42 anos, Kieran Culkin conquistou o Óscar de Melhor Ator Secundário por "A Verdadeira Dor”, o primeiro da cerimónia e usou a parte final do seu discurso para recordar que pediu à esposa Jazz Charton para terem uma terceira criança quando ganhou o Emmy pela série “Succession” em janeiro de 2024 e a promessa que esta lhe fez quando ele disse que, afinal, queria quatro.

"E ela virou-se para mim, juro por Deus que isto aconteceu, foi há pouco mais de um ano, ela disse: ‘Dou-te quatro quando ganhares um Óscar’. Estendi a minha mão, ela apertou e não voltei a tocar no assunto até agora", disse perante o riso geral.

"Lembras-te disso, querida? Lembras-te? Então, só tenho a dizer-te isto, amor da minha vida, Eva de pouca fé. Sem pressão. Amo-te. Lamento muito por ter feito isto de novo. E vamos avançar com essas crianças. O que dizes? Amo-te", concluiu.

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O segundo Óscar da cerimónia foi uma surpresa: “Flow - À Deriva”, de Gints Zilbalodis, recebeu o Óscar de Melhor Longa-Metragem de Animação: sem diálogos e que custou 3,6 milhões de dólares, foi feito com o software gratuito Blender, deixou para trás o mais favorito "Robot Selvagem" e ainda produções como “Divertida Mente 2” e “Wallace & Gromit: A Vingança das Aves”, de estúdios poderosos como a DreamWorks, Disney e Netflix.

Gints Zilbalodis iniciou o seu discurso agradecendo aos seus "gatos e cães" e recordando de seguida que esta foi a primeira vez que um filme da Letónia foi nomeado para os Óscares.

“Estamos todos no mesmo barco”, disse Zilbalodis, numa analogia com a história do seu filme. “Temos de ultrapassar as nossas diferenças e encontrar formas de trabalhar juntos".

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Após a cerimónia, o letão de 30 anos celebrou o prémio num restaurante de fast food "In-N-Out".

“In the Shadow of the Cypress”, dos iranianos Hossein Molayemi e Shirin Sohani, conquistou o Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação. Os realizadores dedicaram o prémio aos que se encontram dentro das fronteiras do seu país, uma primeira referência mais política na cerimónia.