Filmes de animação que abordam a separação e o divórcio dos pais são poucos e raros.
Embora clássicos infantis em imagem real como "Pai para Mim... Mãe para Ti..." (1998) e "Papá para Sempre" (1993) tenham usado o conceito como plataforma para situações de comédia, a animação tende a evitar totalmente o problema.
"Não é curioso... pode-se matar um pai num filme como 'O Rei Leão' ou 'Bambi'", disse Vicky Jenson, mais conhecida por co-realizar "Shrek" (2001).
"As mães da Disney estão muitas vezes mortas - a única vez que alguém se casa outra vez é porque o outro cônjuge está morto. Este tema da separação, dos pais não poderem viver juntos... é um tabu", defende.
Mas em “O Feitiço”, o novo filme de Jenson, os pais de uma princesa foram transformados por um feitiço poderoso literalmente em monstros gigantes.
É um artifício alegórico que força a jovem Ellian a tentar “consertar” a sua mãe e o seu pai, e a família desfeita.
“Encontrámos alguma resistência quando procurávamos alguém que ajudasse a trazer o filme ao mundo, um parceiro para distribuí-lo”, disse Jenson à agência France-Presse.
“Todos reagiram da mesma forma, tipo: 'Que bonito filme, que grande mensagem.' E depois cortaram completamente o contacto!"
O filme passou por vários estúdios diferentes, incluindo Paramount e Apple TV+, antes de finalmente chegar à Netflix, que o lançou no seu serviço esta sexta-feira (22 de novembro).
“Dou crédito à Netflix por se ter esforçado corajosamente e feito parceria nisto connosco”, diz Jenson.
“Neste ambiente, parece que histórias que ultrapassam os limites são mais acessíveis em streaming. Agora, os cinemas estão cheios de super-heróis... as grandes apostas seguras", aponta.
Monstros
No início do filme, a tenaz princesa adolescente Ellian (voz de Rachel Zegler) procura desesperadamente uma cura para o misterioso feitiço que transformou os seus pais, a Rainha Ellsmere (Nicole Kidman) e o Rei Solon (Javier Bardem).
Para piorar a situação, ela tem de esconder toda a confusão dos distraídos cidadãos de Lumbria.
Quando o segredo é revelado e o pânico se espalha por todo o reino, Ellian é forçada a seguir uma perigosa missão para desfazer a maldição.
Mas mesmo que consiga, ela depressa percebe que a sua família talvez nunca mais volte a ser como era antes.
Para tornar a credível e correta a reação de Ellian aos seus pais - literalmente - monstruosos, a produção contratou os serviços de consultoria de um psicólogo e terapeuta familiar especializado em divórcio.
“As crianças sentem que é sua responsabilidade corrigir isto. Não percebem que algo aconteceu com os seus pais – estão a agir como monstros”, explica Jenson.
A realizadora, o elenco e a equipa técnica também basearam-se nas suas próprias experiências, “porque todos nós sabemos que os nossos pais já foram monstros em algum momento – e como pais, somos todos monstros em algum momento”, brinca.
Um "Shrek" ao contrário?
O resultado final é uma parábola totalmente contemporânea, ambientada num reino mágico de conto de fadas.
Isto tem ecos claros do grande sucesso de estreia de Jenson na realização, “Shrek”, mas com causa e efeito invertidos.
"'Shrek' foi a versão moderna dos contos de fadas. Esta foi uma versão de conto de fadas de uma história moderna", comenta.
Para Jenson e a equipa – incluindo o lendário compositor Alan Menken, de “A Pequena Sereia”, “A Bela e o Monstro” e inúmeros outros títulos da Disney – era importante trazer esta “verdade sobre a vida familiar” para o ecrã.
“Está aí presente para muitos de nós, mas nunca foi abordada antes como um mito ou como um novo conto de fadas”, diz Jenson.
“Agora, um novo conto de fadas está disponível para essa experiência para a qual tantas crianças, tantos pais, tantas famílias, precisam de ajuda.”, conclui.
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