Maria de Medeiros está de volta ao grande ecrã em "A Quinta", longa-metragem que se estreou na passada semana nas salas de cinema em Portugal. No filme de Avelina Prat, que se desenrola entre Portugal e Espanha, a atriz portuguesa interpreta Amália, uma mulher com uma história repleta de segredos, numa narrativa que explora a identidade, o mistério e a amizade entre os povos ibéricos.

Em conversa com o SAPO Mag, Maria de Medeiros aprofunda-se na essência do filme, explorando a tranquilidade e o mistério que permeiam a sua trama, revela detalhes do trabalho com a realizadora Avelina Prat e reflete sobre o impacto e o sucesso surpreendente que o filme tem alcançado em Espanha.

SAPO Mag: Como é que foi entrar neste projeto? Quando é que este projeto lhe foi apresentado pela primeira vez?

Maria de Medeiros: Tive a oportunidade de fazer vários filmes em Espanha e tenho uma relação não só profissional, mas também pessoal com o país porque tenho duas filhas espanholas. Interessou-me muito este projeto, que trata e celebra, de alguma forma, a amizade entre as nossas culturas, porque aborda questões muito interessantes e complexas, nomeadamente a identidade.

Há uma personagem, que é a personagem masculina, que é espanhol, mas que está numa crise de identidade muito forte. Não vou explicar mais para não dar spoilers, mas essa crise leva-o a deixar toda a sua vida em Espanha para trás e a vir para Portugal. Ou seja, há uma grande componente de mistério. E aí acaba por encontrar refúgio numa quinta portuguesa, que é propriedade de uma senhora chamada Amália, a personagem que eu interpreto. Ela própria tem muita história, muitos segredos. Essas duas personagens vão, de alguma forma, revelando-se uma à outra, mas pouco a pouco, também através de muitas histórias, de muitos silêncios.

Maria de Medeiros
Maria de Medeiros

É um filme, ao mesmo tempo, muito tranquilo, mas com uma trama forte, que seguimos com muito interesse, porque tem muito mistério. Vamos descobrindo coisas sobre um e sobre o outro. Acho que foi esse o fenómeno que realmente aconteceu em Espanha: sendo um filme tranquilo, próximo da natureza, onde as personagens falam calmamente umas com as outras, acabou por ser um dos filmes que teve mais sucesso no box office.

E chegou a estar no número dois do box office em Espanha, esteve várias semanas no top 5, portanto, foi algo bastante fenomenal, não é? Como é que um filme tão poético, tão tranquilo, conseguiu tocar tão profundamente o público?

Talvez porque vivemos num mundo cada vez mais agitado e conflituoso, este filme surge como um refúgio... um escape para nos tranquilizarmos e para percebermos que existem outras realidades, outras formas de estar e de ver o mundo?

Exatamente. Acho que o público espanhol agradeceu não ter uma narrativa completamente histérica e frenética, onde, no fundo, se perde o conteúdo a favor de uma forma que é, enfim, histérica e desenfreada. Aqui, as pessoas agradecem ver verdadeiras personagens que são como nós, que são pessoas.

Como é que foi o trabalho de construção da personagem, esse processo criativo?

O processo foi, de alguma forma, respeitar o mistério das personagens, não é? E também respeitar a graça, porque uma das características do filme — e do trabalho da Avelina Prat, que é a realizadora, sendo este o segundo filme dela — é que ela tem uma linguagem muito própria e muita graça, muito sentido de humor. Mas é um humor assim, pacato, que se revela pouco a pouco, quando menos esperamos, quando estamos a rir ou a sorrir. E isso foi algo que acho que todos os atores tentámos respeitar e seguir, porque é realmente um dos encantos do filme.

Maria de Medeiros
Maria de Medeiros

A rodagem também deve ter sido incrível, tendo decorrido tanto em Portugal como em Espanha. Como foi a experiência de filmar entre os dois países, em locais como Ponte de Lima?

Eu gravei a parte portuguesa. Ponte de Lima é um dos lugares mais maravilhosos que eu conheço, portanto, adorei estar lá. A quinta foi muito bem escolhida. A Avelina é arquiteta também de formação, por isso escolheu realmente espaços muito, muito bonitos.

Para mim, foi uma delícia e, de alguma forma, acho que esse prazer pela natureza e pela paisagem do Minho também encanta as pessoas.

Durante as gravações, houve tempo para explorar as regiões? Algum tempo livre ou foi tudo muito intenso?

Bom, muito tempo livre não, mas eu sempre gostei muito dessa região e toda a minha família sempre teve uma ligação forte ao Minho, por isso foi muito bom voltar lá. O que também foi muito divertido é que, claro, muitas vezes nós aqui em Portugal não temos consciência de como a Espanha é diversificada e variada. Por exemplo, grande parte da equipa — a Avelina é de Valência, grande parte da equipa era de Barcelona — portanto, estivemos o tempo todo a divertir-nos justamente entre as várias línguas. Porque eles falam catalão, ou valenciano, que é muito próximo do catalão, e estava-se constantemente a dizer “assim” em português, “assim” em valenciano, “assim” em castelhano. É muito bonito essa nossa comunicação e a facilidade de comunicação entre todos estes povos da Península Ibérica.

Maria de Medeiros
Maria de Medeiros

E na forma de trabalhar entre Portugal e Espanha, sente muitas diferenças em termos de equipas, de trabalho, ou na verdade os processos são muito semelhantes?

Eu diria que é muito semelhante. Acho que a linguagem do cinema, enquanto se faz, é um pouco como a música... é internacional. Em Portugal, sempre tivemos equipas técnicas fantásticas. Portanto, havia uma enorme fluidez e nenhuma diferença entre as pessoas da equipa portuguesa ou espanhola.

Estas parcerias entre Portugal e Espanha têm dado frutos, tanto no cinema como nas séries. Especialmente nas séries - o mercado espanhol cresceu imenso nos últimos 10 anos, com a entrada da Netflix. Estas parcerias podem também ajudar o mercado português e as produções nacionais a chegarem a públicos mais vastos no mundo?

Sim, seria bom, claro que sim. E eu, na verdade, sempre senti interesse e curiosidade em Espanha pelo que se faz em Portugal, não só no cinema, mas também na literatura e na música. Por isso, é interessante conhecermo-nos melhor uns aos outros.

Maria de Medeiros
Maria de Medeiros

A Maria já tem um grande currículo de trabalhos e de filmes. Como é partir para um novo projeto? Como é tomar a decisão de abraçar um novo projeto? O que pesa nesse momento?

Eu acho que a intuição funciona muito. A gente sente: 'Aqui posso... posso trazer alguma coisa'. E, de facto, como tenho muita história com Espanha e com a Catalunha, senti-me muito cómoda, confortável justamente nesta encruzilhada de culturas.

Devo dizer que, por exemplo, agora estou de novo a filmar em Portugal, estou a fazer o filme do Luís Galvão Teles e já não estou no Minho, mas no Douro. Para mim, é sempre uma alegria voltar a filmar aqui.

Esta pergunta pode parecer um pouco cliché, mas o que é que ainda lhe falta fazer? Que papéis ou desafios gostaria de abraçar enquanto atriz? Os novos desafios são infinitos, claro, mas o que sente que ainda gostaria de explorar na sua carreira?

Eu nunca penso assim, porque a minha vida tem sido feita de surpresas. Por isso, continuo atenta às surpresas que ainda se irão apresentar, espero.