Vencedor da segunda edição do Projeto CASA, “Volta para a tua terra” é o segundo espetáculo autobiográfico de uma sequência que começou com “Adicionar um lugar ausente” e que a criadora quer completar com um terceiro trabalho, dentro de anos.
Dias antes da estreia no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, já depois de uma antestreia n’O Espaço do Tempo, em Montemor-o-Novo, Keli Freitas explicou aos jornalistas que a peça é um trabalho de arquivo, mas, ao mesmo tempo, algo completamente novo.
“Eu acho que a peça é um quebra-cabeças às vezes fora de ordem. Existem coisas que me aconteceram em 2018, coisas que me aconteceram na semana passada”, afirmou.
O espetáculo parte da descoberta de que a criadora, nascida em Minas Gerais, no Brasil, em 1983, tem uma bisavó portuguesa, de Torres Vedras, chamada Virgínia. Daí, brotam várias questões sobre que implicações tem a existência dessa parente que Keli Freitas não chegou a conhecer e que é “irrelevante perante a lei” para as autoridades de imigração.
“Quando descubro que tenho uma bisavó em Torres Vedras imediatamente a minha cabeça faz ‘segundo episódio’ de buscas por mulheres da minha árvore genealógica. É o facto de viver em Portugal e de, em Portugal, ser privada de direitos que me move a fazer essa peça: não ser cidadã, é uma luta anualmente para você ser uma trabalhadora independente se legalizar”, explicou a atriz e dramaturga, há sete anos em Portugal.
"Eu, como imigrante em Portugal, me assusto. Dá medo a gente ver, a gente sente", afirmou a atriz.
Com um título que é assumidamente “forte” e que “todo o mundo saber o que quer dizer”, Keli Freitas alertou que o espetáculo “não está aqui para ilustrar nada” e até pode trabalhar contra o título, uma vez que o que se encontra dentro da peça será “uma história diferente do que esse título conta”.
Ao mesmo tempo, ao usar como título uma frase tão discriminatória como “Volta para a tua terra” a criadora está a reapropriar-se do seu significado, lembrando que passou a ser o nome de uma peça e não um insulto: “É um dos ingredientes dessa história que está aqui, nessa colagem de vida, trabalha contra o nome que tem”.
Na peça, com texto e direção de Keli Freitas, a atriz partilha o palco com Ana Gigi, uma mulher também chamada Virgínia, que foi quem a recebeu em Portugal quando pela primeira vez aterrou em Lisboa.
“A Gigi é uma das mulheres mais espetaculares do planeta, que eu tenho a sorte de fazer parte da minha vida, e desde o primeiro dia de ser a pessoa que me recebeu na sua casa. Tê-la aqui, uma mulher que também tem uma história de migração, a nossa amizade improvável é um eixo para a gente falar de um monte de coisas”, afirmou a atriz.
Questionada sobre o que a levou a querer envolver Gigi na peça, Keli Freitas contou que foi uma “intuição” e que o convite foi feito aquando da candidatura ao Projeto CASA, sem que houvesse ainda certeza de que a peça se iria concretizar.
“Quando liguei para dizer que ganhei a bolsa, ela ficou desesperada”, disse Keli Freitas, que sublinhou a força de Gigi para estar consigo neste processo, antes de acrescentar: “A Gigi e essa mulher [a minha bisavó] têm o mesmo nome. Não quer dizer nada, mas eu decido que quer dizer, para mim. E como isso também é uma singela parte de singelos acontecimentos pessoais, como ter a melhor amiga que tem o mesmo nome dessa senhora”.
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