As palavras são do ator e diretor artístico do coletivo mais conhecido da Palestina, Ahmed Tobasi, que viu a sede do teatro destruída por forças israelitas, no passado dia 12 de dezembro, mas que garante que a companhia continuará a resistir.
Ahmed Tobasi falou à agência Lusa, acompanhado pela dramaturga e encenadora britânica Zoe Lafferty, que trabalha com a companhia palestiniana há 14 anos, mesmo estando impedida de entrar na Palestina pelas autoridades israelitas.
Ambos estiveram em Sintra para participar nas oficinas de trabalho da 13.ª edição do festival Periferias, organizado pela associação Chão de Oliva, que decorreu de 1 a 8 de março, com codireção artística de Paula Pedregal. Tobasi trouxe o 'workshop' “The revolution's promise” (A promessa de revolução). Lafferty também respondeu ao tema do festival: "Resistência".
A dramaturga britânica escreve regularmente para a companhia palestiniana. Muitas das suas peças baseiam-se em entrevistas a residentes no campo de refugiados sobre as suas experiências e histórias de vida, sem que saibam uns dos outros. Trabalha a partir de países vizinhos, como a Jordânia, de onde viajou para Portugal.
Zoe Lafferty faz igualmente parte do coletivo Artists on the Frontline (Artistas na Linha da Frente), uma plataforma de artistas "que trabalham na vanguarda da mudança social e política”, como disse à Lusa.
No caso do Freedom Theatre, encontra a possibilidade de os mais novos poderem libertar-se da violência que os rodeia, um exemplo do poder de quando os artistas se unem.
“Tentamos seguir em frente”, reforça Ahmed Tobasi. O maior problema com que a companhia se debate agora reside no facto de continuar a haver jovens que precisam de ir ao teatro, ao local que foi destruído.
Na Palestina ocupada, os mais novos "não conseguem processar a situação em que vivem”, relata. "No campo de refugiados, onde não há muitos lugares para os jovens, como um parque infantil, clubes ou atividades para famílias, todos os tempos livres são passados no teatro”.
E embora existam organizações que trabalham para a comunidade, não fazem um trabalho similar ao da companhia.
O objetivo passa por “capacitar as crianças para contarem as suas histórias, questionando-as como se sentem ou pensam e habilitá-las a falar” sobre os seus traumas.
Zoe Lafferty, por seu lado, não exclui a hipótese de o trabalho da companhia funcionar como uma espécie de catarse: ao falarem "sobre a situação que vivem no campo, sobre as suas experiências pessoais, e [assim] conseguirem compreendê-las", os mais novos podem ganhar autonomia, poder sobre si mesmos, "libertando-se da violência a que assistem todos os dias", admitiu.
Ser artista na Palestina “é incrivelmente perigoso”, prossegue. E qualquer artista, jornalista ou ator que “fale sobre o que está a acontecer, como palestiniano”, assume “um ato muito perigoso”, o que é visível na quantidade de poetas, escritores e jornalistas que “são alvos específicos” de Israel e têm sido assassinados em Gaza.
Lafferty lembra o poeta palestiniano, escritor, ativista, defensor dos direitos humanos Refaat Alareer (1979-2023), morto em Gaza durante um ataque israelita, a 6 de dezembro passado.
Resistir e ser ativista é, nas palavras de Ahmed Tobasi, “uma faca de dois gumes”, pois "qualquer resistência, nomeadamente a resistência ativista e a cultura têm poder, mas são altamente perigosas".
Sem ter nada contra o povo israelita - "sempre houve amizades entre israelitas e palestinianos" - o trabalho do The Freedom Theatre visa, sobretudo, possibilitar que as crianças palestinianas possam ter “duas horas diárias para poderem brincar e jogar”.
“Terem direito a ser crianças”, enfatizou, porque, na Palestina, um rapaz de 12 anos é visto como um homem e sente-se como um homem. "São os próprios a sentirem necessidade de ajudar a família, defender o país e ajudar as pessoas".
Este é um problema enorme e atual, sublinha Tobasi. Em 2023, recorda, morreram 300 jovens em Jenim, incluindo quatro alunos do teatro. Os cemitérios da Palestina, garante, estão cheios de túmulos de pessoas com 13, 14, 20 anos.
“Crianças que não fizeram nada e foram atingidas a tiro na cabeça, no coração, o que mostra o ponto a que as forças israelitas chegaram - não nos considerarem mais como seres humanos”, afirma. A principal missão do teatro consiste assim em “deixar as crianças serem-no.”
No futuro, lamentou o diretor artístico do Freedom Theatre, as crianças palestinianas “serão certamente, pessoas doentes, com problemas mentais, traumas”.
“Não é justo crescerem sem terem podido ser crianças", sem que o Ocidente faça alguma coisa, acusa. O mesmo Ocidente que ensina “humanismo, democracia e como lidar com as mulheres”, mas que nada faz “a não ser ajudar Israel a matá-los amanhã”.
A decisão de escolher o futuro da Palestina “não cabe ao Ocidente, à Europa ou aos Estados Unidos, mas aos palestinianos", defende Ahmed Tobasi.
Uma posição corroborada por Zoe Lafferty, que afirma que os países da União Europeia “sabem pregar sobre a democracia e depois esmagam a possibilidade de existir democracia na Palestina". E acrescenta, num desabafo, com ironia: "Uma forma muito saudável de viver...".
Depois de destruírem quase tudo na Palestina, o governo sionista de Israel "voltou-se agora para as instituições ligadas às artes", "para impedir os palestinianos de pensarem", acusa Tobasi, acrescentando que é uma política que não colhe frutos, numa altura em que “a propaganda e as mentiras caem por terra, sobretudo devido às redes sociais".
“Por isso, as instituições ligadas às artes e os artistas de todas áreas devem apoiar-se uns aos outros, enquanto assistimos a artistas na Palestina a serem mortos, baleados ou presos por serem artistas" e não por serem combatentes, sustentou.
A longa história da Palestina e da sua cultura, as artes, a música ajudam "a lidar com a ocupação”, assegura Tobasi.
"Se no limite não temos políticos [ocidentais] que contestem" a situação da Palestina e do seu povo, "temos pelo menos os artistas”, que “se devem ajudar mutuamente, [sejam da] Ucrânia, China, Palestina, África, Índia ou Portugal”.
“Em todo o lado, os políticos, os regimes e os governos querem controlar a arte e o cinema”, para decidirem o que as pessoas veem. “A liberdade de pensamento” e a “luta pela liberdade individual” é, pois, uma luta global e é também a “grande luta do The Freedom Theatre”, concluiu Ahmed Tomasi.
O The Freedom Theatre nasceu em 2006, inspirado no projeto Care and Learning, criado durante a primeira Intifada (1987-1993), pela ativista israelo-palestiniana Arna Mer Khamis (1929-1995), que usou o teatro como abordagem para o medo crónico, a depressão e o trauma vividos pelas crianças no campo de refugiados de Jenim.
Em 2006, o ator e realizador de cinema israelita Juliano Mer Khamis, nascido em 1958, filho de Arna Mer Khamis, de ascendência judaica, cristã ortodoxa e palestiniana, foi um dos cofundadores do The Freedom Theatre, do qual foi diretor-geral até 4 de abril de 2011, dia em que foi assassinado, em Jenim, por “um inimigo desconhecido da cultura e da liberdade.”
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