"Preocupa-me este novo puritanismo, impregnado de ódio aos homens, que nos chega no seguimento do movimento #MeToo", afirma o realizador em entrevista ao jornal austríaco Kurier desta sexta-feira.
"Enquanto artista, começamos a confrontar o medo perante esta cruzada contra qualquer forma de erotismo", afirma Haneke. Segundo ele, "O império dos sentidos", de Oshima, um dos filmes mais profundos sobre sexualidade, "não poderia ser filmado hoje".
"É claro que qualquer forma de violação, ou abuso sexual, deve ser punida. Mas esta histeria e as condenações sem julgamento a que assistimos hoje parecem-me repugnantes", acrescenta o cineasta de 75 anos.
Em particular, o realizador disse ficar incomodado com o que considera ser um “total rancor sem qualquer reflexão e uma raiva cega, não baseada em factos, mas que destrói as vidas de pessoas cujos crimes não foram provados”.
“Pessoas têm sido mortas nos meios de comunicação, vidas e carreiras destruídas”, declarou.
Para o realizador de "O Laço Branco" (Palma de Ouro em 2009) e de "Amor" (Palma de Ouro e vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2012), que não foi objeto de nenhuma acusação, "cada 'shitstorm' (enxurrada de críticas) que essas 'revelações' geram, inclusivamente nos sites de jornais sérios, envenena o clima no seio da sociedade".
Na realidade, no que se refere ao abuso sexual, este ambiente de "caça às bruxas" pode "tornar cada vez mais difícil" um debate "sobre este tema tão importante".
A entrevista de Haneke surge no mesmo fim de semana em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que “simples acusações" estão a destruir a vida de pessoas, na sequência das demissões de dois funcionários da Casa Branca acusados de violência doméstica.
"A vida de pessoas está a ser destruída e destruída e por simples acusações. Algumas são verdadeiras e outras são falsas. Algumas são velhas e outras novas. Não há recuperação possível para alguém que tenha sido falsamente acusado: a sua vida e a sua carreira acabam. Será que já não existe um processo devido", escreveu, no Twitter, Trump, ele próprio alvo de múltiplas acusações de assédio desde alturas da campanha presidencial.
Dezenas de mulheres, incluindo as atrizes Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow, Mira Sorvino, Ashley Judd, Léa Seydoux, Asia Argento e Salma Hayek denunciaram uma série de episódios diferentes, que vão desde presumíveis comportamentos sexuais abusivos a acusações de violação por parte do produtor Harvey Weinstein, galardoado com um Óscar pela produção de “A Paixão de Shakespeare” (1998).
Desde que foi divulgado o caso, vários escândalos relacionados com acusações de assédio, agressão sexual e até mesmo de violação foram denunciados em vários países do mundo.
Entre os acusados estão figuras como os atores Kevin Spacey e Dustin Hoffman, o ex-presidente da Amazon Studios Roy Price, os realizadores Brett Ratner e James Toback, os jornalistas Charlie Rose, Glenn Thrush e Matt Lauer, o fotógrafo Terry Richardson e o comediante Louis C.K..
Em novembro, a revista norte-americana Time nomeou como “Personalidade do Ano” as pessoas que, nos últimos meses, denunciaram casos de assédio e abuso sexual, num movimento coletivo denominado "#MeToo", surgido nos Estados Unidos.
Já este ano, no dia 01 de janeiro, foi anunciado o projeto “Time’s Up” para apoiar a luta contra o assédio sexual, por mais de 300 atrizes, argumentistas, diretoras e outras personalidades ligadas ao cinema, entre as quais as atrizes Cate Blanchett, Ashley Judd, Natalie Portman e Meryl Streep, a presidente da Universal Pictures, Donna Langley, a escritora Gloria Steinem, a advogada e ex-chefe do Gabinete de Michelle Obama, Tina Tchen, e a copresidente da Fundação Nike, Maria Eitel.
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