Prosseguindo no que já vem sendo hábito, a Ar de Filmes/Teatro do Bairro regressa às Ruínas do Museu do Carmo nesta época estival, entre 26 de julho e 19 de agosto, com uma nova criação, desta feita em coprodução com o Instituto Italiano de Cultura, “Os Gigantes da Montanha”, de Luigi Pirandello.
Trata-se de uma estreia para esta companhia, que nunca antes encenou a obra inacabada de Pirandello, escolhida por António Pires por ser uma peça “absolutamente fantástica”, que “fala sobre o teatro na sua essência”.
“Este texto é um texto icónico e é um texto maravilhoso, a beleza do texto, sobretudo, foi o que me levou a querer fazê-lo”, afirmou o encenador à Lusa, considerando que o teatro “é um sítio de imaginação, de sonho, onde podemos ser tudo, podemos dar asas à nossa imaginação, podemos falar de tudo, onde as pessoas são muito livres, e não só os atores, mas também quem assiste”.
Segundo António Pires, este espetáculo “tem algumas situações cómicas”, mas é sitio que “não tem comparação com a vida”.
“Uma companhia de teatro chega a um sítio descrito como fora do mundo e do tempo, mas que para mim é uma metáfora para um palco”, acrescenta.
As personagens são uma vedeta, “com os tiques de vedeta, a falar alto, cheia de tiques e de razões e de vontades”, um cómico, um ator muito burro, um conde que é o marido da vedeta, que arruinou toda a fortuna no teatro, um personagem mais velho, e uma outra atriz mais certinha, não tão brilhante, nem louca, com os pés assentes na terra.
Nesta história, de um lado, há o grupo de marginais liderados pelo mágico poeta Cotrone (Adriano Luz), do outro, a trupe da Condessa (Sofia Marques), um grupo de atores, fatigados, desiludidos com a vida, que deambula, de terra em terra, à procura de público.
Encontram-se no sopé da montanha, um sítio que se situa entre dois mundos, entre a vida e a morte e onde existe a possibilidade de as personagens se libertarem do peso que carregam na consciência.
“Isto é a personificação dos tipos de uma companhia de teatro, mas também são diversos tipos de pessoas. Chegam àquele sítio no momento em que a peça está a falhar, em que não tem sucesso nenhum, (…) e encontram as pessoas que vivem naquele sítio absolutamente mágico, onde podem fazer tudo”, mas que é também um lugar de “muita sinceridade”, em que "os personagens começam a desvendar o que é mais íntimo e onde podem fazer o espetáculo só para eles, sem precisarem da aceitação dos outros”, explica António Pires.
Mas perante a exigência da condessa de apresentar a peça perante um público, Cotrone explica que os únicos seres a quem podem apresentar são os gigantes que vivem na montanha, mas que estão muito ocupados com outras coisas, distraídos nas suas vidas.
A certa altura há um ruído, começam a ouvir os gigantes, e a última frase é “tenho medo”.
“É uma peça inacabada. Ela acaba aqui, porque Pirandello morreu antes de terminar”, disse António Pires acrescentando: “Há uma versão escrita pelo filho de Pirandello que conta a história de eles terem ido aos gigantes, mas eu mantive esta versão, acho que termina muito bem, este medo, esta incerteza de ir ou não, de continuar, de dizer… Deixo isso para o público, gosto imenso de isto acabar assim, as pessoas são livres de imaginar o que quiserem”.
Nas palavras do próprio dramaturgo italiano, esta é “uma espécie de tragédia humorística”, um paradoxo que sugere uma matiz contraditória, uma mistura de sombras e luz, de encantos e crueldade.
Na opinião de António Pires, apesar de ter mais de 80 anos, esta é uma peça “contemporânea”, uma parábola sobre o valor da arte num mundo dominado por gigantes impregnados apenas de lógicas economicistas e de lucro, com a intenção de firmar uma critica sobre a desvalorização do teatro em tempos em que a obra artística tende a ser extremamente realista e objetiva.
Legendado em inglês, o espetáculo conta ainda com as interpretações de Alexandra Rosa, Alexandre Jerónimo, Cassiano Carneiro, Catarina Vicente, David Almeida, Graciano Dias, João Araújo, João Sá Nogueira, João Veloso e Mariana Branco.
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