A ópera, com récitas previstas sexta-feira às 20:00, e domingo às 16:00, regressa ao palco lírico de Lisboa, 36 anos depois da sua anterior apresentação, sob a direção do maestro Manuel Ivo Cruz.
A ópera esteve prevista para o Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) em 2020 e, depois, em 2021, mas acabou por ser cancelada devido às medidas de prevenção da pandemia de covid-19.
Antes de cada récita vai haver uma sessão de apresentação da obra e do compositor por parte do diretor do Museu Nacional da Música, Edward Ayres d’Abreu, autor de uma tese de doutoramento sobre “’Os autos com barcas’” de Gil Vicente enquanto ópera. Análise de propriedades significantes nos ‘Auto da barca do inferno’ (1944) e ‘Auto da barca da glória’ (1970) de Ruy Coelho e na ‘Trilogia das barcas’ (1969) de Joly Braga Santos”.
A “Trilogia das Barcas”, com libreto de Maria José Braga Santos, a partir dos autos do Inferno, do Purgatório e da Glória, de Gil Vicente (1465-1536) é apresentada numa versão semiencenada de Luca Aprea.
Em declarações à agência Lusa, o maestro José Eduardo Gomes afirmou que “é um espetáculo muito completo, porque no fundo tem de tudo”.
“Tem uma escrita orquestral rica em cores, texturas, onde a orquestração é bastante larga, tem a escrita coral, com dois coros, com funções diferentes, e tem uma variedade de solistas que vai desde o menino, uma voz infantil, até ao diabo, passando pelas mais diversas personagens, uma produção 100% portuguesa com solistas maravilhosos, a orquestra, e é nosso dever honrar o legado de Joly, nesta edição crítica que foi feita pelo [maestro] João Paulo Santos e pela Paula Coelho da Silva”, do TNSC, disse o maestro.
O barítono Luís Rodrigues, no papel de Diabo e a soprano Carla Caramujo, no papel de Anjo, lideram um extenso elenco de personagens interpretadas pelos cantores líricos José Corvelo, Marco Alves dos Santos, João Merino, João Pedro Cabral, Ricardo Panela, Maria Luísa de Freitas, Sérgio Martins, Cátia Moreso, Diogo Oliveira, André Henriques, Tiago Matos e Susana Gaspar.
O Coro do Teatro Nacional de São Carlos e a Orquestra Sinfónica Portuguesa sobem também ao palco do Chiado.
Os figurinos contemporâneos, privilegiando a cor branca, excetuando o Anjo, em vermelho, são de Nuno Velez.
José Eduardo Gomes referiu que um dos desafios desta ópera é "conseguir liderar um tão grande conjunto de pessoas, orquestra e solistas que vão sempre entrando, pois é uma ação que se desenrola muito rapidamente, e tem muitas personagens, saem muito rapidamente, tudo que é transição de cenas e até de caráter dos três autos, que são bem notórios, é controlar a orquestra e controlar tudo para que estejam todos alinhados e fiéis à partitura e, também, reagir ao momento".
“Uma ópera muito intensa e dramática com uma ação muito viva”, afirmou José Eduardo Gomes, que considera incompreensível a ausência da ópera durante tantos anos, das salas nacionais.
O maestro realçou que “desde 1988 [quando foi apresentada pela última vez no TNSC, já depois da sua estreia, em 1970 na Fundação Gulbenkian] até 2024 são muitos anos, e é uma pena, pois esta é a grande ópera portuguesa do século XX, devia vir a palco com mais frequência”.
Referindo-se à “Trilogia das Barcas”, o maestro referiu “o texto muito atual de Gil Vicente, apesar de escrito no século XVI” e o facto de a composição de Joly Braga Santos ter uma linguagem que “utiliza muitos recursos técnicos atuais para os instrumentos de orquestra”.
“Para o coro, por exemplo, não utiliza o coro de uma forma tradicional, a sua escrita para os solistas também não é tradicional, não é só de canto, tem muita parte falada, os próprios diálogos, o Joly Braga Santos tem essa magia”, afirmou.
José Eduardo Gomes reconheceu que a edição crítica de João Paulo Santos e de Paula Coelho da Silva, permitiu que fossem “mais fiéis ao manuscrito que Joly deixou”.
A “Trilogia das Barcas” estreou-se em 1970, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, tendo sido apresentada em São Carlos em 1979, sob a direção do compositor, assistido por Nuno Vieira de Almeida, tendo voltado a este teatro em 1988, sob a direção do maestro Manuel Ivo Cruz.
José Manuel Joly Braga Santos, natural de Lisboa, começou a tocar aos 5 anos num violino de brincadeira, mas chegou a estudar o instrumento e composição no Conservatório de Lisboa, onde foi aluno de Luís de Freitas Branco.
Entre os 22 e os 27 anos compôs as suas primeiras quatro sinfonias, imediatamente estreadas pela então Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional. Ainda antes dos 20 anos compôs peças para textos de Antero de Quental, Luís de Camões e Fernando Pessoa.
A sua 4.ª Sinfonia, em que usou um poema de Vasconcellos Sobral, chegou a ser proposta para Hino Mundial da Juventude.
O compositor fez parte do Gabinete de Estudos Musicais da então Emissora Nacional, foi diretor da Orquestra Sinfónica do Porto e professor de Composição do Conservatório Nacional, tendo sido cofundador da Juventude Musical Portuguesa.
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