O ator norte-americano Kevin Spacey foi ilibado de várias acusações de agressão sexual no fim de um julgamento muito mediático que decorreu durante um mês no tribunal de Southwark, em Londres.
Segundo a imprensa, o ator chorou e fez gestos de agradecimento esta quarta-feira, o dia em que faz 64 anos, quando ouviu o júri, após 12 horas 26 minutos de deliberações, a considerá-lo inocente dos nove crimes de agressão sexual de que era acusado a quatro homens entre 2001 e 2013, principalmente a partir de 2004, quando era diretor do teatro Old Vic de Londres.
"Calculo que muitos de vocês possam entender que há muito para eu processar depois do que aconteceu hoje. Mas gostaria de dizer que estou imensamente grato ao júri por ter dedicado o seu tempo para examinar todas as provas e todos os factos, cuidadosamente, antes de tomarem a sua decisão", disse aos jornalistas à saída do tribunal.
Declarando-se "humilde" com o resultado, agradeceu ainda à sua equipa de advogados, aos funcionários judiciais, seguranças e a Evan Lowenstein, amigo de muitos anos e seu gestor desde 2016.
O vencedor dos Óscares com "Beleza Americana" (1999) e "Os Suspeitos do Costume" (1995) estava a ser julgado na Inglaterra desde o final de junho e podia ser condenado a prisão perpétua se fosse considerado culpado.
Sempre negou as acusações, afirmando que todas as relações foram "consensuais" e alguns factos eram pura invenção dos queixosos.
Acrescentou que eram fracos os argumentos da Procuradoria, que o descreveu em tribunal como um "assediador sexual" que "não respeita limites ou espaço pessoal" e que "gosta de fazer outras pessoas (...) sentirem-se desconfortáveis".
Nenhuma das alegadas vítimas pode ser identificada sob a lei inglesa. Todos relataram que sofreram agressões sexuais e tiveram dificuldades em denunciar o comportamento de uma estrela tão influente.
Nos depoimentos em vídeo, uma delas descreveu Kevin Spacey como um "predador" agressivo e que não estava à vontade com a própria sexualidade. Outra declarou que o intérprete lhe pediu que permanecesse "calmo" enquanto tentava beijá-lo e agarrá-lo pela virilha, recuando e ficando com um "olhar de pânico" quando foi rejeitado.
Uma terceira descreveu-o "como uma cobra" que o agarrou "com tanta força que foi realmente doloroso".
A acusação mais séria dizia respeito a um homem que o acusou de "drogá-lo" e fazer sexo com ele enquanto dormia: um aspirante a ator descreveu o alegado incidente no final dos anos 2000 onde “as coisas avançaram” e que, quando acordou, o seu fecho-éclair estava aberto e Spacey "tinha acabado de fazer (um ato sexual) em mim".
Em tribunal, o ator desmentiu ter exercido um comportamento "violento", "agressivo" ou "doloroso".
Referindo-se à acusação de que agarrou os órgãos genitais de um dos homens com força quando este conduzia o carro para uma gala de beneficência na casa de Elton John "no início dos anos 2000" e isso quase os levou para fora da faixa de rodagem, declarou que isso "nunca aconteceu", mas que os dois flertaram.
"Foi um gesto suave [...] e eu estava no meu espírito romântico", respondeu, especificando que não houve relações sexuais pois o queixoso "foi claro e não quis ir em frente".
Declarou-se ainda "destruído" pelas acusações e que "perdeu tudo", lamentando uma "reputação perdida". O cantor britânico Elton John foi um dos que prestou depoimento a seu favor por videoconferência a partir do Mónaco.
Movimento #MeToo
Kevin Spacey foi uma das grandes estrelas apanhadas no movimento global #MeToo, que surgiu em 2017 a partir do caso do todo-poderoso produtor de cinema americano Harvey Weinstein.
Nesse ano, foi acusado de agressão sexual por vários jovens nos EUA e essa onda de acusações destruiu a sua carreira de sucesso. Ele sempre negou as acusações, mas isso levou-o a revelar a sua homossexualidade.
Como resultado das acusações, foi despedido da série de sucesso da Netflix "House of Cards", onde interpretou a personagem principal, o maquiavélico presidente dos EUA, Frank Underwood.
Ele também foi deixado de fora de um filme de Ridley Scott, "Todo o Dinheiro do Mundo", no qual foi substituído pelo ator canadiano Christopher Plummer.
Kevin Spacey foi inicialmente acusado no estado de Massachusetts de colocar as mãos nas partes íntimas de um jovem de 18 anos num bar em julho de 2016, mas essas acusações foram retiradas em 2019.
Em outubro passado, um tribunal de Nova Iorque absolveu-o num processo civil por alegadamente ter tocado sexualmente no ator Anthony Rapp, 36 anos antes, durante uma noite em Manhattan.
Em outubro de 2020, ele foi condenado a pagar quase 31 milhões de dólares à MRC, produtora de "House of Cards", como compensação pela perda de receita atribuída à sua saída da série. Um juiz de Los Angeles confirmou essa compensação em agosto passado.
Numa primeiro entrevista após os escândalos, a meio de junho, Kevin Spacey mostrou-se aparentemente sem receio do julgamento em Londres.
"No momento em que se aplica o escrutínio, essas coisas desmoronam. Foi o que aconteceu no julgamento de Rapp e é o que acontecerá neste caso", disse à revista alemã ZEIT numa entrevista também disponível na versão em inglês.
Menos confiante estava na reabilitação da reputação: trata-se de uma batalha perdida, pelo menos no que se refere à sua imagem na comunicação social.
O que é importante é o que lhe disseram realizadores e produtores: "Queremos trabalhar contigo, mas não podemos".
"É um momento em que imensas pessoas têm muito medo de serem canceladas se me apoiarem. Mas sei que existem pessoas neste momento que estão prontas para me contratar assim que for absolvido destas acusações em Londres. No momento em que isso acontecer, estão prontas para avançar", dizia.
A entrevista revelava que começara a escrever peças, curtas e argumentos, mas não sobre sobre esta fase da sua vida: "Não estou a tentar acertar contas. Não tenho interesse em lutar contra uma coisa que não vale a pena".
E a entrevista concluía com uma convicção: "Dentro de dez anos, isto não vai significar nada. O meu trabalho irá viver mais do que eu e é isso que será recordado".
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