Intitulada "Letting Loose", a mostra apresenta um conjunto de obras que "talvez mais do que quaisquer outras, ajudaram [Paula Rego] a compreender-se a si própria e aos que lhe eram próximos", segundo o filho, o realizador Nick Willing, citado num texto no site da galeria britânica.
Na década de 1980, essa fase de metamorfose conduziu a grandes descobertas e transformação criativa para a artista, que viu as suas primeiras grandes exposições acontecerem no Reino Unido e nos Estados Unidos, recorda a galeria onde a mostra ficará até 11 de novembro.
"Afastando-se de um processo de fazer colagens - material de desenho e pintura que depois cortava e organizava em sofisticados puzzles figurativos – [Paula Rego] começou, em vez disso, a envolver-se na sua paixão de infância pela pintura como jogo. Trabalhando de forma rápida e fluida, abraçou a liberdade como metodologia, inventando um elenco de humanos, animais e criaturas híbridas que, por sua vez, lhe permitiram contar a sua própria história", recorda o mesmo texto.
Estas mudanças de direção temática e pictórica deram origem a importantes corpos de trabalho, incluindo "Rapariga e Cão", as pinturas da Ópera e "As Raparigas Vivian", além de pinturas inspiradas por uma primeira visita a Nova Iorque, em 1983.
Até ali, a colagem tinha permitido à artista fazer comentários clandestinos sobre a sociedade, e o regime fascista português em particular, mas o seu novo método de trabalho, especialmente o uso do antropomorfismo, "ajudou a dramatizar os aspetos mais obscuros da natureza humana sem maneirismo ou sentimentalismo".
As memórias e experiências de Paula Rego, as questões de lealdade, amor, paixão, obsessão e ciúme, incluindo as dinâmicas que moldaram o seu próprio casamento - numa altura em que o seu marido, o artista Victor Willing, estava gravemente doente com esclerose múltipla – “emergem nestas obras num processo criativo que a ajudou a identificar os seus sentimentos em relação a determinadas situações”.
Por esta altura, a artista – que estudou na Slade School of Fine Art, onde conheceu o marido - tinha quase 50 anos, era muito respeitada em Portugal desde os anos 1960, mas a sua primeira exposição individual em Londres, realizada na AIR Gallery, só teve lugar no verão de 1981.
No entanto, as obras que serão agora reunidas na Galeria Victoria Miro, rapidamente a estabeleceram como uma voz importante na arte contemporânea, culminando numa exposição individual na Serpentine Gallery, em Londres, em 1988. Um ano mais tarde foi nomeada a primeira artista associada da National Gallery britânica, um reconhecimento que confirmaria a dimensão da sua ascensão durante esta década.
Paula Rego costumava dizer: "A razão pela qual faço quadros é para descobrir coisas", e séries como "Rapariga e Cão" revelam a exploração dos seus sentimentos por Willing, incluindo as emoções complexas provocadas por cuidar dele quando estava doente.
Concluídas em 1983, as pinturas de Rego sobre a Ópera, por outro lado, recordam as visitas ao Teatro São Carlos, em Lisboa, com o pai, nos anos de 1950, "e a sua excitação com a intriga e o escândalo que se desenrolavam tanto no palco como fora dele".
Num artigo publicado no início deste mês pelo jornal britânico The Times, o filho de Paula Rego recorda essa fase transformadora da mãe, relatando que ela atribuía a metamorfose na sua obra à influência da visita de um amigo, o artista português João Penalva, que, numa ocasião, a viu prestes a cortar um macaco do seu trabalho.
"Porquê cortar esse macaco tão bonito, Paula? Não o podes deixar assim?", perguntou-lhe Penalva, no atelier.
"A sério? Posso fazer isso?", exclamou a artista, entrando numa década de excesso, libertação e desprendimento de regras anteriores: "De repente, já não era preciso fazer arte" – dizia a criadora - "Podia fazer-se qualquer coisa", de tal forma que o filho chegou a comentar, sobre o seu trabalho "Mãe, estás a ficar maluca!". Ao que Paula Rego respondeu: "Não, querido, finalmente estou sã", recorda Nick Willing no texto sobre este período criativo da mãe.
A exposição na Galeria Victoria Miro será acompanhada de uma nova publicação, com um ensaio de Cecilia Alemani, a curadora que foi responsável pela Bienal de Arte de Veneza de 2022, e que decidiu reservar uma sala dedicada à obra de Paula Rego, nessa edição da exposição internacional.
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