Nos últimos dias, desde que foram impostas medidas restritivas – e agora o estado de emergência – para conter a propagação do novo coronavírus, muitos ilustradores encontraram na Internet uma janela de divulgação daquilo que fazem, até porque os leitores mais novos estão em casa e não na escola, e alguns editores procuram rentabilizar as vendas online.

No entanto, há preocupações acrescidas em relação à sustentabilidade do mercado, em particular no segmento da literatura para a infância e juventude, e do livro ilustrado.

“A nossa vida profissional está em modo de adaptação diária”, afirmou à agência Lusa o autor, ilustrador e editor André Letria.

Fundador da editora Pato Lógico, André Letria explicou que a produção editorial dos próximos títulos está ainda a ser avaliada, tendo em conta que a Feira do Livro Infantil de Bolonha (Itália) foi adiada, e porque ainda aguarda o que vai acontecer com a Feira do Livro de Lisboa, marcada para maio.

Isabel Minhós Martins, escritora e editora na Planeta Tangerina, explicou à Lusa que “as encomendas das livrarias abrandaram um pouco”, mas na loja online da editora seguem “a ritmo regular”.

Não houve ainda cancelamentos no plano editorial e os criativos da editora fazem o trabalho normal: “Quando conseguimos mergulhar no trabalho e nos esquecemos do que se está a passar é um milagre!”.

Dos editores que trabalham sobretudo com livro ilustrado, há quem esteja mais pessimista, antevendo uma crise no setor mais gravosa do que a de 2008. Acreditam que muitos portugueses deixarão de comprar livros, por terem de canalizar recursos para outros bens essenciais.

Em média, produzir um livro ilustrado de capa dura custa cerca de quatro mil euros e há editores que fazem contas e não arriscam o investimento, sabendo que poderão não ter verbas para outras despesas fixas, disse à Lusa um dos responsáveis de uma pequena editora especializada em livro ilustrado.

No entanto, a adaptação está a ocorrer em diferentes velocidades.

No grupo da 2020 Editora, que reúne chancelas de livro infanto-juvenil como Booksmile e Fábula, para já não está o plano editorial previsto para este ano, como contou a responsável editorial Joana Freitas à Lusa.

Nesta editora, que publica em Portugal, por exemplo, o sucesso editorial “Diário de um banana”, há teletrabalho e laboração em armazém a decorrer com normalidade.

“Quanto aos leitores, mantemos as rotinas, fazendo chegar a informação sobre as novidades editoriais através das diferentes redes sociais, ‘newsletters’, reforçando que disponibilizamos gratuitamente os primeiros capítulos de todos os livros que editamos”, explicou.

Carla Oliveira, editora na Orfeu Negro e livreira na Baobá, em Lisboa, contou à Lusa que já sente um "enorme impacto" na forma de trabalhar e na faturação.

“As encomendas das livrarias decresceram a olhos vistos, os contactos com os comerciais para apresentação de novidades estão suspensos e é difícil fazer previsões, tendo em conta que o futuro é uma grande incógnita”, disse.

Foram adiadas novidades editoriais, a editora lançou uma campanha de venda online com descontos, mas até isso pode ser suspenso.

“Sei que vamos resistir, como sempre resistimos. […] Espera-se que sejamos também apoiados por um Estado que pouco ou nada tem feito pelos editores e livreiros. Em Portugal, não existe uma verdadeira política do livro e no atual contexto ela seria fundamental para não deixar morrer os diversos intervenientes”, alertou.

Quem também já fechou temporariamente portas, levando ao cancelamento de uma programação com comunidades de leitores, foram as livrarias especializadas Gigões & Anantes, em Aveiro, e Aqui há Gato, em Santarém.

“São, sem dúvida, tempos muito difíceis pelos quais todos nós estamos a passar (livreiros e leitores); as ruas encontram-se desertas, o medo instalou-se, veremos o que se segue”, disse à Lusa Francisco Silva, da Gigões & Anantes.

Sofia Vieira, da Aqui Há Gato, desdobra-se atualmente em iniciativas através da Internet, como leitura de histórias em direto nas redes sociais e muito contacto com pais e educadores.

“Enfrentámos a crise que se instalou no nosso país nos primeiros anos de vida e conseguimos chegar até aqui, com dificuldades. […] E depois de tudo isto... chega agora o COVID-19. O que fazer? Como fazer?”, perguntou.

Do lado dos ilustradores e autores, muitos trabalham já habitualmente em casa, mas há ajustes e alguma apreensão em relação aos próximos tempos.

“Ainda é cedo para saber se as vendas online se tornarão numa janela para os artistas. Receio que haja uma retração no consumo que afete tudo aquilo que não seja compras de supermercado”, afirmou António Jorge Gonçalves, ilustrador e autor de performances com desenho em tempo real, que viu espetáculos cancelados.

“A dimensão performativa do meu trabalho está em pausa.

Não sei até quando, mas arrisco que será pelo menos até ao outono”, calculou.

Joana Estrela, Catarina Sobral, João Fazenda, todos contactados pela agência Lusa, disseram que estão ainda a trabalhar em casa e à distância e vão partilhando algum trabalho através das redes sociais.

Em articulação com todas estas vertentes, há ainda a experiência das galerias de arte.

Um exemplo: A Ó Galeria, que tem no Porto e em Lisboa espaços de divulgação e de venda de trabalhos originais de ilustração e desenho, fechou.

"Receio que, se for uma fase demasiado longa, as galerias não resistirão. As despesas mensais são bastante elevadas e é sabido que em tempos de crise a cultura não será uma prioridade, muito menos adquirir arte”, disse à Lusa a galerista Ema Ribeiro.

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