As pessoas e clima do Alentejo conquistaram o artista chinês Ai Weiwei, que gosta e escolheu morar na região. Mas, sem nunca ter tido “um sítio” a que chamar “casa”, o futuro é uma incógnita.
“Nunca tive um sítio a que pudesse chamar casa, nem mesmo na China”, conta o artista aos jornalistas, durante uma visita efetuada na segunda-feira à sua herdade no concelho de Montemor-o-Novo, no distrito de Évora.
Lembrou que, no ano em que nasceu, 1957, o seu pai, o poeta Ai Qing (1910-1996), “foi exilado”.
“Cresci num lugar muito remoto, numa zona rural muito dura, Xinjiang, por isso, nunca tive um sentimento de casa, porque fomos sempre obrigados a mudar-nos”, relatou.
O pai de Ai Weiwei, um dos maiores nomes da poesia da China, estudou em Paris na década de 1930, fez parte do movimento comunista de Mao Tse-Tung, tendo sido preso pelo governo nacionalista e, anos mais tarde, mandado já pelo governo comunista para um exílio de 20 anos, que só terminou com o fim da Revolução Cultural.
Ai Weiwei, de 67 anos, viveu fora da China durante 12 anos, nos Estados Unidos da América (EUA), na década de 80 do século passado, tendo regressado ao seu país natal durante 20 anos, mas está também exilado desde 2015.
Nome maior da arte nas últimas décadas, chegou a fazer parte da equipa que concebeu o chamado estádio Ninho de Águia, em Pequim, mas tornou-se num forte crítico do regime chinês, em particular na sequência do terramoto que atingiu Sichuan, em 2008.
Nos últimos anos, foi no Alentejo que se radicou, descoberto através de um amigo: “O Alentejo foi um sítio que escolhi. Por engano, talvez, mas escolhi-o”, afiança.
Vestido todo de branco, com um blusão verde por cima devido ao tempo fresco que na segunda-feira se fez sentir na zona, mas que mais tarde despiu quando o Sol ‘deu um ar da sua graça’, o artista falou da sua nova exposição, com obras de porcelana e peças de Lego, intitulada “Paradigm”, que vai poder ser visitada a partir de quarta-feira, na Galeria de São Roque, em Lisboa.
Numa conversa descontraída no alpendre de casa, relatou que, quando adquiriu o imóvel, só foi pintado. No interior não colocou obras suas. Permanece decorado com objetos do anterior dono.
“Nunca tive o meu trabalho pendurado em nenhum dos meus estúdios”, confessa, acrescentando que, quando amigos perguntam, responde que ele é “a obra” e que “o resto podem ver em museus ou em galerias".
Por isso, nesta casa no meio do campo, mesmo “os quadros pendurados” no seu quarto eram do anterior dono. Como “algumas aguarelas, talvez compradas numa viagem turística barata à Grécia ou a outro sítio qualquer”, ilustrou.
“E até há lá uma imagem de Buda. Eu nem sequer mexi em nada. A casa foi pintada de novo, é bom limpá-la um pouco, mas voltou-se a colocar no mesmo sítio todas as decorações”, referiu.
Isto porque, na opinião de Ai Weiwei, “a arte tem de ser vida” e “a vida tem de ser arte, caso contrário, não vale a pena fazer arte”.
Como toma “sempre grandes decisões em muito pouco tempo”, quando encontrou a herdade alentejana não hesitou. Gostou “do clima e do sentimento que paira no ar” e decidiu que “seria um sítio muito bom” para se instalar.
“Estou muito feliz e aqui há muitas qualidades que mais nenhum outro sítio tem”, notou, insistindo que a zona onde cresceu, Xinjiang, tem um clima “no verão muito parecido ao do Alentejo, luminoso, com muito sol e bastante seco”.
E as pessoas “também são mais lentas e bastante honestas e amigáveis. Todas essas qualidades são muito importantes”, afiançou.
Num mercado local de produtos frescos, perguntaram-lhe porque é que, com tantas cidades que poderia escolher, optou pela região. Não tem resposta para esta pergunta, admitiu: “Eu entro sempre numa coisa e descubro-a mais tarde”.
No território alentejano, está grato pela natureza, pelas pessoas “relaxadas e muito amigáveis”, algumas que ainda fazem “o mesmo negócio dos seus pais e dos seus avós”.
E “é isso que também me agrada aqui. Não gosto de ter pessoas que só sabem falar, mas não sabem andar, sabe? Hoje em dia, a educação tornou-se apenas conversa, as pessoas nem sequer sabem lavar a loiça, não cozinham, não fazem nada. Não foi o que experienciei ao crescer, tínhamos de fazer tudo sozinhos. Sinto falta desse tipo de vida e foi por isso que me mudei para aqui”.
No seu terreno, está a ‘nascer’ o seu novo ateliê. Um edifício de grande escala, com paredes feitas de pequenos tijolos de Portugal e de madeira trazida de França, que também impressiona no interior, igualmente com grandes pilares e vigas e telhado em madeira e chão em pedra, esta originária do Alentejo.
E uma réplica quase fiel daquele que tinha em Xangai, mas foi destruído pelas autoridades em 2010, logo após o ter terminado, conta. Só que esse era feito em betão e este, designado como ateliê mas que Ai Weiwei pretende manter vazio, é mais conceptual, com juntas secretas, sem qualquer prego ou parafuso, e com o telhado rodado um grau, para dificultar ainda mais o encaixar do ‘puzzle’.
“Criei uma grande confusão. Fui muito subversivo”, mas “acho que vai ser uma ótima mensagem política”, que mostra que “uma ordem forte e a desordem” pode “conviver harmoniosamente”, afirma, admitindo, contudo, que “ninguém” lhe pediu “para ser político”.
O edifício, cuja construção começou em fevereiro de 2023 e que o artista gostaria que ficasse pronto em fevereiro de 2025 – já percebeu que o tempo é relativo em Portugal -, vai servir “para o vazio”.
“Sou um homem inútil, com um edifício inútil, o que é bom, ser inútil”, ironiza, frisando que, como só tem emoções quando cria um problema e o resolve, foi esse o esforço que fez, na sua herdade alentejana: “Tenho um edifício construído ali. Podem ver o verdadeiro esforço”.
Por isso, Ai Weiwei diz que não sabe se vai ficar “para sempre” no Alentejo. Para ele, “o para sempre talvez sejam só mais uns anos” e, mesmo assim, é melhor não confiar nesta previsão. Mas as suas emoções e obra estão ‘vertidas’ na terra alentejana.
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