Em entrevista à agência Lusa a propósito da descolonização da cultura no país, e das oportunidades multirraciais e multiculturais em instituições que acolhem arte contemporânea, a criadora falou num “impasse preocupante”, que observa há oito anos.
A data remete para a altura em que criou a obra “A Tendency to Forget” (2015), e quando participou numa conferência em Joanesburgo, na África do Sul, sobre circulação de artistas, e falou na esperança que sentia por Portugal "estar a mudar, e a abrir-se ao mundo para um discurso mais inclusivo”.
“Pareceu-me que estava a acontecer um 'desbloqueando' de uma espécie de fechamento da arte contemporânea ser só feita por portugueses de gema e, infelizmente, na maioria homens”, observou, sobre esse passado.
Foi uma época em que surgiu o Prémio Novo Banco para as artes visuais, “que era claramente virado para artistas afrodescendentes, africanos e brasileiros, quando começaram a abrir galerias de arte africana em Lisboa, e a instituição Hangar, um espaço que privilegia a apresentação desses artistas, estava no seu auge”, recordou Ângela Ferreira, nascida em Moçambique, em 1958, residente em Lisboa desde os anos 1990.
Lembrou ainda que, nessa altura, “os artistas africanos estavam a começar a circular nas instituições portuguesas, em museus mais estabelecidas e com mais peso no reconhecimento dos criadores”.
Passados oito anos, dos quais se recorda porque realizou uma comunicação sobre o assunto numa conferência em Joanesburgo intitulada “Circulation”, faz uma comparação com a atualidade: “Nada disto andou para a frente. Estagnámos”, concluiu a artista que tem desenvolvido uma obra sobretudo em torno do impacto do colonialismo e pós-colonialismo na sociedade contemporânea, e que representou Portugal na 52.ª Bienal de Arte de Veneza, em 2007.
“Há muitos outros artistas de outras nacionalidades a mostrar trabalho em Lisboa e Porto, mas também sinto que houve um empedernimento da velha guarda da arte portuguesa. Isto é uma intuição, não tenho dados. É um pressentimento”, admitiu.
Relativamente a Lisboa, considera que o Hangar – Centro de Investigação Artística localizado na Graça, que realiza exposições, conferências e residências artísticas que ligam várias geografias, culturas e identidades, com o qual tem colaborado, “é provavelmente a instituição que mais se estabeleceu como um lugar onde os afrodescendentes podem ter fala artística neste país”.
“Mas isso não está a permear para outras instituições. Há um núcleo de afrodescendentes que tem uma presença em Lisboa, mas não está a ligar com as instituições mais convencionais de arte contemporânea. Isso é uma luz vermelha preocupante que se acende no horizonte”, avaliou.
Ângela Ferreira - professora na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa desde 2003 – defende que “as instituições têm de se abrir a vozes que não estão habitualmente inseridas nelas, e isso é difícil”.
A criadora apontou, como exemplo, a Fundação Calouste Gulbenkian, que “tem feito algum esforço nesse sentido, tem olhado para a sua coleção a identificar as faltas, as injustiças na histórica do colecionismo, sobre artistas negros. Mas isso não chega”.
“É preciso trazer curadores e artistas, e isso aplica-se a todas estas grandes instituições culturais e museus, como Serralves, o Museu Nacional de Arte Contemporânea e o MAAT [Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia]. Museus de outros países como a Tate Modern [em Londres, que] tem curadores nigerianos, e o próprio dispositivo curatorial está a representar uma comunidade cultural mais complexa, e faz toda a diferença”, comentou à Lusa.
Na opinião de Ângela Ferreira, a inclusão de artistas africanos e afrodescendentes "parece estar a acontecer de forma mais visível” no campo da música, da dança e da performance.
“Os museus são espaços mais formais, onde as coisas são mais lentas. Há uma série de fatores que teriam de ser repensados”, defendeu a artista, cuja obra está representada em coleções públicas como a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a Fundação de Serralves, no Porto, a South African National Gallery, na Cidade do Cabo, o Museu Extremenho e Iberoamericano de Arte Contemporânea, em Badajoz, Espanha, o Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Bolzano, em Itália, a Walther Collection Neu-Ulm, na Alemanha, e o Middlesbrough Institute of Modern Art, em Inglaterra, entre outras instituições.
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