"Quem és tu? Quem sou eu?” são estas as interrogações que atravessam as personagens que dão vida ao texto "A Senhora de Dubuque", do norte-americano Edward Albee. Em palco, quatro casais, três deles um grupo de bons amigos, divertem-se a jogar às 20 questões. Jo e Sam são os anfitriões desta reunião, onde a tensão criada pelo jogo e o álcool expõem temas fraturantes da sociedade contemporânea. A chegada inesperada de uma mulher, a “Senhora de Dubuque", e do seu companheiro, potencia ainda mais a capacidade destrutiva do grupo.
"O desafio é que esta não é bem uma personagem real"
Para Cucha Carvalheiro, que interpreta esta personagem, "o desafio é que esta não é bem uma personagem real". A atriz explica: "Pessoalmente, acho que é fruto da imaginação da personagem do Fernando Luís, que é o Sam, o marido que está em negação da provável morte da mulher, Jo, personagem interpretada pela Manuela Couto, ou até dela própria." Esta é a quarta vez que a atriz trabalha um texto do dramaturgo norte-americano nascido a 12 de março de 1928. A estreia no universo de Albee aconteceu em 2004 com “A Cabra ou Quem é Sílvia”. A interpretação valeu-lhe o Globo de Ouro de melhor atriz na categoria de teatro.
Para Álvaro Correia, que também assinou a encenação de “A Cabra ou Quem é Sílvia,"o que "Albee tem de extraordinário é que ele coloca sempre dentro de uma normalidade, situações limite". "No caso de 'A Cabra', era um homem que se apaixonava por uma cabra. Esta é uma peça anterior, que se estreou nos anos oitenta, e 'A Cabra' é do início dos anos 2000. Aqui, temos um primeiro ato muito normal, dentro daquilo que é o cânone da escrita do Albee. E depois, no segundo ato, há uma situação absurda de uma entidade que chega com o seu amigo/companheiro, que é um negro. Aliás, está mesmo indicado na peça que é um negro. Porque, depois, tudo o que acontece: a questão da racialidade; a questão política vem muito ao de cima."
"É uma peça que o autor demora quase dez anos a escrever"
Esta é uma peça que, hoje, "ressoa de uma maneira muito mais forte porque levanta aqui a questão da identidade", afirma o encenador. "Há aqui uma espécie de espelho sobre aquilo que é a América, ou o que são os valores democráticos do Ocidente que nós tanto tentamos impingir a toda a gente, mas que estão a ser postos em causa cada vez mais", conclui Álvaro Correia.
Em "A Senhora de Dubuque", o público é outra personagem, “porque há uma reflexão do ator sobre a sua própria personagem , como se não estivessem ser ouvidas dentro da própria cena e necessitam de partilhar."
Entre o sonho e a realidade, levantam-se questões sobre a evidência da morte e, de como, a sociedade lida com este tema. "Temos de pensar que é uma peça que o autor demora quase dez anos a escrever, e durante este período, há a morte de uma avó, que foi uma figura muito importante para ele, e também um amante, de quem ele cuidou. E, ele transporta isso também para esta peça", conclui Álvaro Correia.
O autor de “Quem tem medo de Virginia Woolf?" e "Zoo Story", nesta narrativa, conduz o público por um caminho de suspense e tensão, sempre, pontuado pelo humor.
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