Um ano e dez episódios depois da estreia, "Royal Crackers" está de volta para continuar a acompanhar a família Hornsby. A questão central ainda é o legado da empresa de bolachas de qualidade duvidosa criada pelo patriarca, Theodore Hornsby Sr., cujo estado de saúde cada vez mais débil deixa em aberto a sucessão, disputada pelos seus dois filhos, Stebe (assim mesmo, com "b", e não "Steve", um requinte de malvadez do pai) e Theodore "Theo" Jr..
Qualquer semelhança com o ponto de partida de "Succession", uma das coqueluches da HBO, não será pura coincidência, como assume Jason Ruiz, o autor da sitcom de animação para adultos, em entrevista ao SAPO Mag via Zoom.
O norte-americano, que também é um dos argumentistas e produtores executivos (juntamente com Seth Cohen, de "The Last Man on Earth", e Evan Mann, de "Arrested Development"), dá ainda voz a Stebe ao lado de nomes como Andrew Santino ("Bad Friends"), Jessica St. Clair ("Veep"), David Gborie ("Exploding Kittens") ou Maile Flanagan ("Naruto") na série que criou para a Adult Swim (o idiossincrático bloco para adultos da Cartoon Network) depois de "Murder Police" (2013).
A partir desta sexta-feira, a HBO Max estreia um episódio da segunda temporada por semana e são expectáveis vários regressos ao passado (muito pouco glorioso) de Theodore Hornsby Sr., avança Ruiz, que fala também das origens de "Royal Crackers" e da forma como encara o humor:
SAPO Mag - Há muitas famílias disfuncionais na televisão, muitas séries sobre esses relacionamentos. O que distingue "Royal Crackers"?
Jason Ruiz - Penso há disfunção em todas as famílias. Não existe uma família perfeitamente saudável, porque toda a gente é humana e toda a gente faz asneiras. E o desafio da vida é saber que se fez asneira e lidar com isso corretamente. Mas penso que a disfunção é um elemento universal da vida. Nenhuma família é perfeita. E acho que todas as versões exacerbadas disso talvez proporcionem algum consolo, são muito catárticas.
Como é que surgiu a ideia para a série? E sofreu muitas alterações antes de vermos o resultado final?
A Adult Swim foi fantástica e deixou-nos fazer a série que queríamos fazer. Quaisquer tipo de alterações criativas que aconteceram ao longo do caminho foram completamente da nossa autoria. Estamos apenas a agir de forma criativa e a querer fazer o melhor programa possível. A série começou porque a ideia era, basicamente, partir do mote da "Succession" e falar de um negócio de família, mas baixando a parada e tratando-a com a mesma intensidade dessa série, em que o público não sabe bem porque é que esta posição é cobiçada por eles, já que o negócio não vale muito. E depois começámos a apaixonar-nos por estas personagens, por quem eram e pelas histórias que queríamos contar com elas. Isso tornou-se uma parte divertida do processo. Tem sido ótimo.
Que elementos da primeira temporada quis manter e quais pretendeu acrescentar à segunda?
O meu episódio preferido da primeira temporada é o flashback do patriarca [Theodore Hornsby Sr], o primeiro capítulo da sua história de origem. Diverti-me imenso a escrever esse episódio, a explorar essa personagem e a contar uma história num passado tão longínquo, e queria revisitar isso. Portanto, foi algo em que nos baseámos. Há vários episódios desta temporada em que voltamos ao passado deste idoso e aprendemos um pouco mais sobre o porquê de ele merecer o inferno em que vive atualmente.
Sentiu que enfrentou mais desafios durante a criação da primeira temporada ou desta vez? Como é que olha para ambos os processos?
Peço desculpa por dar uma resposta vaga, mas algumas coisas foram mais fáceis, outras mais difíceis. A escrita foi mais fácil porque conhecíamos as personagens e ninguém tinha dúvidas sobre quem elas eram, ou se diriam isto ou como fariam aquilo. Não havia mais dúvidas sobre isso. Por isso, essa parte ficou resolvida. Houve mais ambição na escrita. As dificuldades logísticas que foram mais difíceis na segunda temporada do que na primeira foram apenas o facto de não ter havido um intervalo para nós entre a primeira e a segunda temporada. Foi como se tivéssemos entrado diretamente na segunda temporada. Queremos que o programa venha de um lugar de entusiasmo criativo e de amor e, por vezes, sentimos que isso pode começar a diminuir. É um sentimento muito assustador, porque parece que vai ser visível na série, que vai aparecer no ecrã. A parte mais complicada foi mantermo-nos no espaço mental de amar estas personagens, de cuidar delas, e também de sermos ambiciosos em relação ao que o programa poderia ser.
Além de relações familiares, "Royal Crackers" não dispensa crítica social partindo da comédia negra. Quando escreve humor, o que é que receia mais: ir demasiado longe ou não ir suficientemente longe?
A maior parte das vezes, tenho medo de não ir suficientemente longe, mas a questão é a seguinte: na nossa equipa, há muita gente que seria descrita como "woke", e elas são mais do que bem-vindas para expressar preocupação sobre uma piada que vai longe demais. Qualquer pessoa na sala dos guionistas... Se me quiserem dizer, por exemplo, "Esta piada é ofensiva e não gosto dela por XYZ", tudo bem, vamos discutir. E tudo é completamente justo. Não me importo absolutamente nada com a ideia de que posso ter lacunas na minha sensibilidade. Não faz mal. Todos temos. Por isso, não tenho medo de ir longe demais, porque sei que tenho uma equipa que me dirá que algo foi longe demais. E quando o fazem, eu ouço. E já cortámos piadas. Cortámos coisas e fizemos sacrifícios. Bem, provavelmente não foram sacrifícios, mas versões melhores do episódio ou versões melhores da piada, porque alguém falou e disse: "Fiquei ofendido com esta piada", e não faz mal.
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