A última vez que Zeca Baleiro tinha estado em Portugal foi há mais de cinco anos, como confessou em entrevista ao SAPO Mag no dia em que voltava ao país para atuar em Coimbra.
O regresso a Lisboa foi ontem à noite com uma estreia no Teatro Tivoli BBVA. Com sala cheia, o ícone brasileiro entrou em palco, primeiramente, com dois músicos, Tuco Marcondes no violão e guitarra e Lui Coimbra no violoncelo. Mais tarde juntou-se o pianista Manuel Paulo Felgueiras.
De boné na cabeça - a sua imagem de marca -, Zeca Baleiro apresentou-se sorridente e não tardou a cantar. “Às Vezes o Amor”, de Sérgio Godinho, foi a canção que escolheu para dar as boas-vindas à plateia, um tema que incluiu no seu álbum dedicado à música portuguesa. Seguiram-se mais duas canções do mesmo álbum, “Tu Não Sabes”, de Pedro Abrunhosa, e “Balada de Outono”, de Zeca Afonso, onde já se fez acompanhar à guitarra.
“Iniciámos com canções portuguesas que fazem parte do meu álbum, «Canções D’Além Mar», que homenageia cantores portugueses da minha predileção”, começou por explicar, arrancando um aplauso consensual do público ainda tímido.
De seguida introduz uma das canções de maior sucesso do seu mais recente álbum, a homónima “Mambo Só”. Sempre com a piada na ponta da língua, Zeca realçou, “não se fala último álbum que dá azar, por isso falo mais recente disco”. Convida o público a cantar pela primeira vez e mesmo quem não conhecia decorou rapidamente o refrão: “Eu tenho andado tão só; ninguém me ama, ninguém me quer”. Claramente uma letra que não espelhava o sentimento de quem ouvia o autor; é que Zeca Baleiro é um dos músicos brasileiros mais amados e queridos pelo público.
Seguiram-se êxitos do cantor como “Babylon” e “Proibida Para mim” (uma versão de Charlie Brown Jr.), ambas do seu terceiro álbum, editado em 2000.
Zeca Baleiro não se limitou a cantar, também contou histórias, sempre com algum sarcasmo, que arrancaram gargalhadas do público. “Este próximo tema foi a minha primeira música a entrar numa novela, e na rádio de forma massiva”, começa por contar. “As músicas das novelas foram capítulos importantes que revelaram novos artistas” e prova disso foi o pequeno medley que se seguiu em que, ainda com o violão na mão, Zeca foi cantando e tocando algumas das canções mais icónicas das novelas brasileiras dos anos 1970 e que a plateia sabia de cor, como “Coleção”, de Cassiano, “Filho Único”, de Erasmos Carlos, ou “Eu sou nuvem passageira”, de Hermes Aquino. “Isto é cultura e fico até comovido porque o imaginário comum é algo bonito e que tem tendência a perder-se”, diz.
Depois desta introdução cantou então “Bandeira”, do seu primeiro álbum, “Por Onde Andará Stephen Fry”, de 1997, que entrou na banda sonora da novela “Por Amor”.
Com cerca de uma hora de concerto, o músico chama ao palco os seus primeiros convidados: João Gil, Nuno Guerreiro e Ruben Alves, da Ala dos Namorados, com quem fez parcerias durante a pandemia. Depois de interpretarem outro tema do álbum “Canção D’Além Mar”, “Razão de Ser (E valer a pena)”, João Gil não perdeu a oportunidade de elogiar o cantor que em tempos “tão difíceis e em que as pessoas estavam desesperadas, conseguiu escrever palavras de esperança”, dando assim o mote para a décima terceira música da noite, “Para onde irão”, um tema ainda a apresentar ao público do novo disco do grupo.
Depois, Zeca Baleiro apresenta-se pela primeira vez sozinho em palco, apenas acompanhado da viola para apresentar uma canção do novo álbum. “Um dia, convidei os meus dois filhos para um passeio de final de dia no Rio [de Janeiro]. Estava uma tarde e um dia lindo e eles não quiseram, porque estavam de volta dos telemóveis e portáteis, aí eu pensei «Odeio Steve Jobs»”, conta com graça. A música intitulada “Steve Jobs” é mais uma prova do talento para escrever e compor do artista, provando que os sucessos de Zeca Baleiro não se esgotam nos sucessos dos anos 1990 e 2000 e que ainda é um dos compositores e cronistas mais atuais do seu país.
Susana Travassos foi a segunda convidada, juntando-se ao artista e aos três músicos para uma versão de “Sete Vidas” que arrancou do público um dos aplausos mais longo da noite, num dos momentos mais bonitos também.
“Telegrama” não podia faltar no reportório e foi a canção escolhida para terminar a noite antes do encore. O público cantou e Zeca encantou. As vozes fizeram-se ouvir bem alto quando os instrumentos se calaram: “Mama, ó mama, ó mama; quero ser seu papai”. Os telemóveis, com as luzes da lanterna, transformaram o Tivoli num céu estrelado. “Viva Steve Jobs”, rematou Zeca para grande gargalhada do público.
“Toca Raul” fechou a noite, já depois do público chamar a banda com aplausos e ovações, e fez agitar as cadeiras. Foram quase duas horas de um concerto empolgante, com momentos que oscilaram entre a emoção e a boa disposição, e onde a personalidade e voz incomparáveis de Zeca Baleiro conquistaram a plateia.
O cantor atua hoje na Casa da Música no Porto para o concerto de despedida da digressão "Na Ponta da Língua" e, apesar dos êxitos destes dois concertos, pode esperar-se uma noite diferente já que o artista não gosta de repetir a mesma fórmula nos vários espetáculos.
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