Nova edição, nova Cidade do Rock: o Parque Tejo acolheu, este sábado, o regresso do Rock in Rio Lisboa, que se instala na capital neste e no próximo fim de semana. O primeiro dia fez jus ao nome: por muito que o evento tenha aberto o leque musical com o passar dos anos no Parque da Bela Vista, não faltou rock nos palcos Mundo, Galp e Tejo, e sempre a cargo de veteranos (com mais ou menos décadas de diferença).
Num recinto dominado por um público heterogéneo, sobretudo a nível etário (uma das pedras de toque do festival), coube aos Scorpions o papel de cabeças de cartaz... mas quem lhes abriu caminho contou com aplausos tão ou mais audíveis, dependendo dos clássicos revisitados.
Ainda assim, a banda alemã encerrou uma atuação de quase duas dezenas de canções com dois dos maiores trunfos da noite: "Still Loving You" e "Rock You Like a Hurricane", respetivamente uma power ballad que ajudou a cimentar não só o género como o legado do grupo e uma canção mais acelerada que também encheu as medidas de uma multidão cuja nostalgia atravessou gerações.
Não menos nostálgicos foram hinos entoados a uma só voz de outros nomes da noite. "More Than Words", dos Extreme, que também atuaram no Palco Mundo, ou "The Final Countdown", dos Europe, que passaram pelo Palco Galp (espaço que também recebeu os Pluto, Living Colour e Hybrid Theory), revelaram-se, sem surpresas, igualmente mobilizadores. Nuno Bettencourt, o guitarrista dos primeiros, confessou, no entanto, ao SAPO Mag (numa entrevista a publicar este domingo), que prefere "olhar para a frente" em vez de se fixar nos picos do passado - como os dos dias do muito popular "Extreme II: Pornograffitti" (1990), segundo álbum da banda do açoriano. E por isso trouxe também canções do ainda fresco "Six" (2023), o sexto e mais recente disco do grupo de Boston, que chegou 15 anos depois do anterior.
Também em conversa com o SAPO Mag, os Europe louvaram "Last Look at Eden", "Rock the Night" ou "Cherokee" entre as suas favoritas a levar a palco, e não lhes faltam escolhas de repertório possíveis numa carreira que se tornou mais prolífica na viragem do milénio (editaram seis álbuns desde então), por muito que a memória de parte do público possa arrumá-los anos anos 1980.
Curiosamente, a discografia dos Europe até tem sido mais agitada do que a dos Evanescence, que celebraram recentemente os 20 anos de "Fallen" (2003), título que amparou um número generoso de adolescências, e editaram há três "The Bitter Truth". Mas continua a ser a estreia que desperta maior entusiasmo entre os fãs, como comprovaram a descarga de "Bring Me to Life" ou a balada "My Immortal".
Cúmplices habituais do Rock in Rio Lisboa, os Xutos & Pontapés apresentaram no Palco Mundo um espetáculo que se distinguiu dos anteriores ao convocar a Orquestra Filarmónica Portuguesa, dando outro embalo a uma profusão de canções que a esmagadora maioria do público reconhece aos primeiros acordes - de "À Minha Maneira", "Contentores", "Circo de Feras", "Homem do Leme" ou "Casinha", a familiaridade mantém-se inalterada, com ou sem variações sonoras.
Menos familiares na história do festival, os Peste & Sida tiveram a responsabilidade de inaugurar os concertos do dia e desta edição, pouco depois da hora de almoço. Uma tarefa que não terá sido ingrata a julgar pela adesão apreciável de um público que celebrou este "rock contra o fascismo" (como se podia ler ao fundo do palco). "A rockar desde 1985" (lembrava a t-shirt do vocalista, João San Payo), mas com um rock que não fecha a porta ao ska, lançaram farpas ("Estrela da TV") mas também ofereceram "uma canção romântica" ("Paulinha"), levaram o "Sol da Caparica" à capital e despediram-se com um medley de petardos como "Veneno" ou "Reggae Sida".
Sem sombra de reggae ou ska, mas ainda com rock, mesmo que cada vez mais eletrónico (e sedutor também por isso), The Legendary Tigerman fechou, horas depois, o mesmo palco, que acolheu ainda os Blind Zero e os Rival Sons. Apresentando o recente "ZEITGEIST" (2023) e partilhando o protagonismo vocal com Sara Badalo, Paulo Furtado foi tão insinuante como aguerrido, às vezes na mesma canção, fossem suas ou de terceiros (as versões de "Ghost Rider", dos Suicide, e de "These Boots Are Made for Walkin", de Nancy Sinatra, fizeram faísca). "Queria agradecer-vos por não estarem a trocar brindes e estarem aqui a ouvir música, o que é sempre fixe", assinalou. Mas também lembrou quem não pode estar presente ao anunciar "Losers", "dedicada a quem não tem casa, não pode pagar renda nem vir ao Rock in Rio nem a outros festivais". "O meu coração está com eles", disse ainda.
Sara Badalo também não teve meias palavras: "Vamos mandar foder aqueles que acham que podem mexer no nosso corpinho, na nossa mente", disparou (muito provavelmente, a propósito da legislação referente à interrupção voluntária da gravidez nos EUA, no Brasil ou na União Europeia). "Ouvi dizer que hoje há por aí muitas riot girls", referiu também, elogiando uma mulher inconformada que colaborou com Tigerman na versão gravada de "She's a Hellcat", a canadiana Peaches. Riot in Rio? Rastilho não faltou...
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