“Vou ficar neste quadrado”, editado pela alemã Glitterbeat, sucede aos EP “Cheguei tarde a ontem” (2022) e “Se dançar é só depois” (2023), nos quais Ana Lua Caiano já era autora das letras e composições, cantava, tocava e produzia.
Nos EP sentiu que ainda não tinha “autonomia suficiente” nem sabia “o suficiente para conseguir finalizar” os trabalhos e, por isso, contou com ajuda na parte da produção, recordou em entrevista à Lusa.
No álbum de estreia, já tratou de tudo sozinha, e a única pessoa com quem colaborou foi o músico Elly Janoville, e apenas porque não sabe tocar flauta.
Esta ‘mulher dos sete instrumentos’, de 24 anos, começou aos seis a tocar piano. Com dez anos, em paralelo com o ensino recorrente, dedicou-se a estudar piano clássico, coro e formação musical.
Já na adolescência, quis “explorar outras coisas” e foi aprender mais na escola de jazz do Hot Clube de Portugal.
Nessa altura, o foco de Ana Lua Caiano passou do piano para a voz. Chegada a faculdade, foi estudar design de comunicação, e talvez isso explique a “necessidade muito forte” de ter uma identidade visual desde o início do projeto a solo.
Fazer carreira na música não era algo que Ana Lua Caiano planeasse. “Era algo que gostava de fazer e gostava muito de cantar”, contou.
Além de cantar, percebeu que gostava também de compor, “mas não dentro das normas” e, por isso, começou “a fazer uns cursos sobre compor com qualquer elemento”.
Enquanto pesquisava “outras maneiras de fazer música, veio a pandemia”.
Não fosse a covid-19, e talvez Ana Lua Caiano não tivesse aparecido ao público como artista a solo.
“De repente não podia tocar com ninguém, estava muito habituada a tocar com grupos. Fazia a letra e a melodia, mas depois levava para uma banda, desenvolvíamos em conjunto. De repente esse processo deixou de ser possível”, recordou.
Em casa, começou a gravar no computador, de forma “bastante autodidata, no sentido em que foi uma autoaprendizagem”: “Fui gravando com o que podia e com o que tinha”.
Enquanto crescia, ouvia “muito” música tradicional portuguesa. A determinada altura começou “a explorar e a ouvir coisas diferentes” e a mexer com sintetizadores.
Durante a pandemia juntou “estes dois mundos”.
No campo da música tradicional portuguesa, Ana Lua Caiano aponta como referências e influências José Afonso, Sérgio Godinho, Fausto, “autores que pegaram em muitas músicas tradicionais, reinterpretaram, e deram a conhecer muitas músicas que não estavam gravadas, pelo menos em contexto de disco, sem ser nas recolhas”.
Outra das principais referências da artista, entre as que lhe deram a conhecer a música tradicional portuguesa e “sempre influenciaram” o seu trabalho, é a plataforma nacional de divulgação de práticas culturais assentes na música e na transmissão oral A Música Portuguesa A Gostar Dela Própria, de Tiago Pereira.
“Ainda não fiz nenhuma recolha, mas sempre que posso ouvir coisas ou ir a concertos, tentar perceber o que existe, também o faço”, referiu.
Ana Lua Caiano aponta ainda como referências na música nomes como os de Silver Apples, Laurie Anderson e os The Velvet Underground.
“Sempre ouvi muitas coisas diferentes, e sempre por ‘obsessões’, estava um ou dois meses a ouvir um álbum. Às vezes pode ser só um determinado ritmo ou som que vai ficando de cada uma das coisas que fui ouvindo. Vou aprendendo muito com o que vou ouvindo”, partilhou.
Ana Lua Caiano espera que o que cria, usando instrumentos tradicionais como o adufe, o tambor ou o brinquinho da madeira, mas também caixas de ritmos, teclado, sintetizadores ou ‘loop stations’, “faça pensar, refletir sobre alguma coisa”.
“Falo muito sobre a realidade e sobre problemas do quotidiano, não de realidades imaginadas. Não é autobiográfico, mas são coisas que me preocupam e que eu ouço, é um bocadinho o espelho de algumas preocupações que vou vendo”, disse.
A artista tenta não pensar “na forma como o outro vai receber a canção”, com receio que tal possa influenciar a composição, mas gosta de saber como as canções são interpretadas pelo outro.
“Às vezes as pessoas interpretam de forma completamente diferente do que eu criei”, partilhou.
No caso da música “O bicho anda por aí”, Ana Lua Caiano admite que possa tratar-se de “uma espécie de reflexão” sobre os tempos da pandemia da covid-19, durante a qual “muita gente se tenha confrontou com o medo, que não existia antes - pessoas que nunca tinham tido medo de nada, de nenhuma doença, e mesmo a seguir continuaram a ter”.
“Mas pode ser sobre várias coisas. O bicho [de que fala a canção] pode ser, por exemplo, uma Inquisição ou um ditador, que de repente está a controlar-te e não podes fazer tudo e não podes tocar aqui nem ali. Há várias interpretações, mas se calhar o início partiu de uma reflexão sobre um tempo que às vezes parece que continua”, referiu.
Ao vivo, Ana Lua Caiano apresenta-se sozinha em palco, com vários instrumentos, com quais vai criando ‘loops’.
“Em palco tento ser o mais rápida possível a criar as coisas. As canções acabam por ficar um bocadinho diferentes das canções gravadas. Tenho que escolher o que é essencial para a canção, porque não consigo fazer tudo. A gravação tem muitas camadas, divirto-me muito a gravar muitas coisas diferentes. Em palco tenho menos tempo, então é uma questão de perceber o que é mais importante, o principal da canção, e fazer”, explicou.
Na gravação dos 12 temas que compõem “Vou ficar neste quadrado” recorreu também a “copos, fitas métricas, sons a imitar código de morse” e outros “sons esquisitos”, que usa como instrumentos.
“Algumas músicas resultaram de uma residência em Figueiró dos Vinhos e gravei muitos sons de eletricidade, estava ao pé de um sítio de telecomunicações no meio da Natureza. Há coisas que eu deixo mais evidentes e outras ficam mais numa camada. Também gosto muito de usar o chamado ‘white noise’”, partilhou.
Ana Lua Caiano apresenta o álbum de estreia em formato ‘one woman show’, ou seja, sozinha em palco, nos dias 05 de abril, no Plano B no Porto, e 11 de abril, no B.Leza em Lisboa.
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