Como se tinha notado de forma crescente nos últimos dois anos, também em 2009 as longas-metragens dominaram todas as atenções na mais recente edição do
Festival Internacional de Animação de Annecy, que concluiu no passado fim-de-semana.
As nove longas-metragens apresentadas em competição oficial tinham, todas elas, uma qualidade acima da média, o que não sucedeu com uma parcela significativa dos filmes que integraram as cinco sessões de curtas-metragens a disputar o grande prémio do certame.
E apesar do predomínio do digital na animação feita nos últimos anos, foi a técnica mais tradicional do «stop-motion» a sair vencedora no certame, pelo menos na secção de longa-metragem com os dois principais vencedores, «ex-aequo», a serem
«Coraline e a Porta Secreta», de
Henry Selick, e
«Mary and Max», de
Adam Elliot.
Se o primeiro já o vimos por Portugal, o segundo só tinha sido ainda apresentado no Festival de Sundance para além de ter feito carreira no seu país natal, a Austrália. O seu realizador já tinha oscarizado pela curta
«Harvey Krumpet» e tem aqui uma estreia excepcional na longa-metragem, com a história, vagamente autobiográfica da troca de cartas ao longo de duas décadas entre uma menina de oito anos em Melbourne e um nova-iorquino obeso de 44 anos que sofre de síndrome de Asperger. A história oscila entre a brutalidade e a ternura e será, certamente, um dos filmes a juntar a
«A Valsa com Bashir» ou
«Persépolis» na lista das animações para adultos de apelo universal.
Phillip Seymour Hoffman,
Tony Collette e
Eric Bana são as vozes principais.
A co-produção entre a França, Bélgica e Irlanda que é
«Brendan and the Secret of Kells» mereceu o prémio do público, uma história para jovens graficamente muito apelativa, sobre as aventuras de um jovem monge de nove anos e da sua missão de encontrar e completar o Livro de Kells, obra de referência na tradição irlandesa.
Muito elogiado foi
«My Dog Tulip», em estreia no festival, realizado por
Paul Fierlinger com base no romance autobiográfico de
J.R.Ackerley. Em desenho animado tradicional mas com um estilo rabiscado e graficamente muito expressivo, conta a história intimista da vida solitária do escritor com a sua cadela, com uma compreensão impressionante do comportamento dos animais e da dependência com que deles ficam as pessoas que os tratam.
No campo das curtas-metragens, a tarefa dos júris eram bem mais difícil. Apesar da selecção ser bastante superior à do ano passado, não havia, tal como em 2008, uma obra-prima que subisse acima de toda a competição como foi
«La Maison en Petit Cubes», que acabaria até por ganhar o Óscar. Este ano havia mais qualidade na selecção mas nenhum filme tão consensual como aquele.
O vencedor foi o filme sueco
«Slavar», uma peça documental em animação informática muito estilizada, que ilustra uma entrevista efectuada em 2003 a duas crianças sudanesas resgatadas ao trabalho de escravos. Claro que é uma obra pungente e tocante, mais muito disso vem do testemunho real, sendo a animação adequadamente discreta e eficaz.
A
lista completa de vencedores é extensa e dá uma medida da riqueza e variedade da competição, em que se destacaram filmes como o argentino
«El Empleo», uma sátira em que as pessoas fazem as vezes de objectos de uso corrente, o francês
«L’Homme à Gordini», impressionante primeiro filme que cria um universo imaginário onde as pessoas não usam roupa da cintura para baixo, o canadiano
«Runaway», delirante e vertiginosa fábula passada num comboio sem condutor, e
«Western Spaghetti», recriação bem humorada da confecção de esparguete com utensílios do dia a dia por ingredientes.
Henry Selick,
Nick Park,
Jean-Pierre Jeunet,
Patrice Leconte e Adam Elliot foram algumas das presenças mais festejadas do festival, cuja extensão das actividades é irresumível em poucas linhas, mas que teve
na descoberta de um dos filmes pioneiros da animação um dos seus pontos altos, a confirmar que o olhar para o futuro do cinema não se faz sem uma reflexão atenta no passado.
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