Se fosse necessário escolher o mais influente e avassalador fenómeno de culto da história da cultura popular, seria difícil não colocar “Star Trek” à cabeça da lista.
É verdade que “Star Wars” ou “Harry Potter” também podem lutar pelo seu lugar nesse pódio, mas, apesar da intensidade, abrangência e dedicação dos fiéis destas sagas, “Star Trek” leva vantagem por várias razões: dura há mais tempo, foram os fãs que resgataram a série ao esquecimento (“Star Trek” não foi um fenómeno desde o início, ao contrário das sagas de George Lucas e J.K.Rowling), tem mais variedade de manifestações (entre elas, um idioma completo criado de raiz pelos fãs…) e, em boa verdade, abriu caminho a todos os outros (o 'fandom' de “Star Wars” e seguintes é descendente direto do 'fandom' de “Star Trek”).
Mas qual a razão de tudo isto? Porque é que uma série de televisão que, na origem, durou apenas três temporadas, teve tal impacto e descendência, que incluiria outras seis séries para o pequeno ecrã, 13 filmes para cinema, inúmeras convenções de fãs e produtos derivados, e manifestações de admiração tão diversas como a da NASA ter dado o nome de Enterprise ao seu primeiro vaivém espacial, logo em 1976?
O início de tudo
Tudo começou com Gene Roddenberry, um veterano condecorado da Segunda Guerra Mundial, que seguiu carreira na Polícia de Los Angeles antes de transitar para a televisão, inicialmente como consultor para séries policiais e logo a seguir como argumentista. Seria nesse papel de escriba que entraria em contacto com vários dos atores que depois ganhariam a imortalidade em “Star Trek”, como Leonard Nimoy, DeForest Kelley e Nichelle Nichols.
Ao longo dos anos 50 e no início da década de 60, Roddenberry foi propondo vários pilotos às estações televisivas, que seriam praticamente todos recusados, incluindo um sobre as aventuras da tripulação multi-étnica de um dirigível. Foi quando o autor fundiu este conceito com o do muito popular western televisivo “Wagon Train” (sobre um conjunto de caravanas que atravessa os EUA a caminho da Califórnia), tudo embrulhado com uma roupagem de ficção científica, que as estrelas finalmente se alinharam e “Star Trek”, que por cá se chamou “Caminho das Estrelas”, teve luz verde para avançar.
Mesmo assim, foi um parto difícil: entre os vários avanços e recuos, houve um episódio piloto, “The Cage”, completamente produzido mas cuja recepção tépida levou a NBC a hesitar avançar. O protagonista era Jeffrey Hunter, então popular pelos seus papéis em “A Desaparecida” e como Jesus Cristo em “O Rei dos Reis”, secundado por Majel Barrett (que era então amante de Roddenberry) e, já então, por Leonard Nimoy a estrear-se no papel do vulcano de orelhas pontiagudas Mr. Spock.
A insistência da produtora Lucille Ball levou a NBC a apostar em mais um piloto, que seria “Where No Man Has Gone Before”, e em que Hunter e Barrett saíram de cena - ela regressaria mais tarde como enfermeira Christine Chapel- e que já configurava os principais elementos da série como a conhecemos, incluindo William Shatner como James T. Kirk à frente dos destinos da nave Enterprise, James Doohan como engenheiro Montgomery “Scotty” Scott e George Takei como Sulu (aqui como médico mas logo a seguir como timoneiro da nave). A série teve luz verde para avançar e o resto é história.
O primeiro episódio de “Star Trek” foi para o ar a 8 de setembro de 1966 e, durante três anos, injetou na televisão americana uma dose de ficção científica de qualidade média muito superior a quase tudo o que até então se vira no pequeno ecrã. À superfície era uma série de aventuras no espaço, sobre a missão de exploração de cinco anos da nave espacial Enterprise, com cada episódio a lidar com um planeta, uma raça ou um perigo diferentes.
Isso já não seria nada pouco numa televisão cuja ficção vivia então primordialmente de westerns, sitcoms de humor e novelas. Só que a série soube ir buscar algumas das luminárias da escrita de ficção científica da época para escrever os argumentos, como Harlan Ellison, Robert Bloch ou Theodore Sturgeon, o que elevou a sofisticação das histórias muito acima do normal, aproveitando também o facto dos parcos orçamentos de então obrigarem a uma grande dependência dos diálogos.
Mas não foi só isso: Roddenberry queria comentar a sociedade da sua época, e percebeu que o que não o deixavam fazer diretamente lhe permitiam concretizar sob a capa de uma saga de ficção científica. Assim, se temas como os malefícios da guerra e a depredação do ambiente eram recorrentes, o mais potente e o que calou mais fundo na audiência da época foi mesmo o da tolerância racial: a tripulação da nave Enterprise era composta por representantes de muitas raças e a série pode gabar-se de ter apresentado o primeiro beijo inter-racial da história da televisão americana, entre William Shatner e a afro-americana Nichelle Nichols.
A tripulação, claro, faria história, e viveria dessa glória até ao fim da vida. William Shatner interpretava o Capitão James T. Kirk, o herói garboso e combativo, sempre pronto a tirar a camisa para lutar contra inimigos ou a seduzir um qualquer elemento feminino mais atrevido que surgisse a cada episódio. No seu direto oposto estava Leonard Nimoy como o vulcano Mr. Spock, sempre racional e impassível, um ser totalmente dominado pela lógica que tentava que os sentimentos nunca tivessem domínio sobre as suas decisões. Com as suas orelhas pontiagudas, frases lacónicas e a saudação vulcana, que associava a expressão “live long and prosper” a um gesto de mão que juntava os dedos indicador e médio e os dedos anelar e mínimo, tornou-se o maior símbolo da série e uma das figuras mais míticas de sempre da ficção científica. O triunvirato protagonista completava-se com DeForest Kelley, o prudente e irascível Leonard “Bones” McCoy, o responsável médico da nave.
A estes juntava-se a equipa multirracial que marcava a diferença na televisão da época: o asiático Hikaru Sulu (George Takei), o principal timoneiro da nave, a afro-americana Nyota Uhura (Nichelle Nichols), responsável pelas comunicações, o escocês Montgomery “Scotty” Scott (James Doohan), o engenheiro principal, e, a partir da segunda temporada, o russo Pavel Chekov (Walter Koenig), uma adição muito significativa num país que vivia o auge da Guerra Fria.
A série duraria três temporadas e 79 episódios, até ser cancelada por falta de audiência. Mesmo assim, o ativismo dos fãs foi um surpresa para todos os envolvidos e para a própria estação televisiva desde o início: na primeira temporada, a NBC recebeu cerca de 29 mil cartas de admiradores e, quando começou a haver rumores que a série seria cancelada no fim da segunda temporada, Roddenberry conseguiu mexer os cordelinhos entre os participantes de uma convenção de ficção científica e lançou um movimento de apoio que levou ao envio de 116 mil cartas e à garantia de uma terceira temporada, que teria um orçamento substancialmente inferior. Ainda por cima, muitas dessas cartas vinham de cientistas, médicos ou professores universitários. Mas no fim, nem os fãs salvariam “Star Trek” do cancelamento.
A força de um fenómeno
Só que o poderia ser um fenómeno temporário persistiu. A série passou para 'syndication', sendo vendida estação a estação ao longo dos EUA, onde foi sempre atraindo grandes audiências (superiores muitas vezes às da exibição original) e a conquistar novos espectadores. Resultado: em 1972 foi organizada uma convenção de fãs em Nova Iorque, a primeira com verdadeiro impacto público, e apareceram três mil pessoas. Em 1975, quando o elenco se reuniu pela primeira vez numa convenção em Chicago, surgiram 16 mil fãs.
A partir daí, o 'fandom' não parou de crescer e de se organizar, com níveis de devoção crescente, que iam desde a venda do 'merchandising' mais variado até saber de cor episódios inteiros e vestir as roupas da série em público e, no limite da devoção, à criação detalhada e rigorosa do idioma da raça Klingon, que muitos aprenderam a dominar. A meados dos anos 70, só nos EUA, havia mais de 250 clubes de fãs organizados. Desde então, com o crescimento das tecnologias de informação, nomeadamente a internet, o número de fãs não tem parado de subir.
No início, esses admiradores fervorosos passaram a ser chamados de Trekkies mas o fenómeno era tal que, logo nos anos 70, surgiu o termo Trekkers, com que se auto-denominavam os fãs que consideravam depreciativo o primeiro termo porque se consideravam admiradores mais racionais e menos 'geeks' que alguns dos seus congéneres. Essa distinção, com variações de tom, justificação e contexto, mantém-se até hoje.
Os atores da série seguiram a sua carreira mas nunca descolaram verdadeiramente dos seus papéis, aos quais regressariam nos filmes subsequentes. Mesmo com um ou outro momento de maior destaque (Shatner protagonizou com sucesso séries como “T.J.Hooker” ou “Boston Legal”, Nimoy teria algum êxito na realização com filmes como “Três Homens e um Bebé”), a sua carreira passou, em maior ou menor medida, pelo circuito de convenções e a adulação dos fãs, processo sobre o qual teriam opiniões diversas ao longo da sua carreira. Muito significativamente, Leonard Nimoy escreveria em 1975 uma autobiografia com o título “I Am Not Spock”, em que procurava mostrar que ele e a personagem eram identidades distintas, publicando mais tarde, em 1995, um segundo volume, “I Am Spock”, em que rectificava o que acabou por ser uma postura polémica entre o fãs e assumia plenamente a ligação.
A aventura no cinema
Com toda esta atividade, a ideia de fazer renascer a série começou a germinar logo nos anos 70. A primeira manifestação foi em 1973, com a série de desenhos animados “Star Trek: The Animated Series”, que durou duas temporadas e 22 episódios. Com orçamento reduzido, a qualidade da animação ficou aquém do esperado mas ainda assim a maioria do elenco original regressou para dar voz às respetivas personagens, ficando apenas de fora o último a entrar na equipa, Walter Koenig (Chekov) por já não haver dinheiro para lhe pagar. A ideia inicial era contratar apenas o trio principal, mas Nimoy terá feito finca-pé para que Nichols e Takei fossem também integrados.
Apesar do relativo insucesso da série, a aposta em relançar “Star Trek” na televisão manteve-se ao longo dos anos 70, até que, em 1977, o esmagador sucesso planetário de “Star Wars” mudou tudo, a que se seguiu, ainda no mesmo ano, o êxito imenso de “Encontros Imediatos do Terceiro Grau”. De repente, a ficção científica de grande espetacularidade visual estava na berra, e a criação de Gene Roddenberry redireccionou a mira para o grande ecrã.
Assim, “Caminho das Estrelas: O Filme” estreou em dezembro de 1979 com pompa e circunstância, um orçamento muitíssimo generoso, efeitos visuais de ponta e um realizador da primeira linha do cinema, Robert Wise, oscarizado por “West Side Story – Amor sem Barreiras” e “Música no Coração” e responsável pelo clássico de ficção científica dos anos 50 “O Dia em que a Terra Parou”.
O elenco original regressou todo numa história que levava o agora Almirante James T. Kirk e a tripulação da Enterprise a tentar salvar a Terra de uma massa de energia que se encaminhava para o planeta e a descobrir a origem inesperada por trás do misterioso V’Ger. Muito longe estavam, portanto, os dias da série de TV de baixo custo e cenários quase de papelão, em que pouco se podia mostrar por falta de dinheiro para o fazer. Infelizmente, no fim de tudo, apesar da enorme expectativa, o filme foi apenas um sucesso moderado, e as críticas negativas de parte do público e da imprensa, nomeadamente no tom demasiado contemplativo e na falta de sequências de ação, associadas a um orçamento que se descontrolou e à personalidade abrasiva e difícil de Roddenberry, levaram o estúdio a uma mudança de rota.
Assim, a Paramount forçou Gene a largar o controlo criativo da saga, mantendo-se apenas, para o exterior, como figura simbólica e presente em todos os eventos mas sem real poder, e colocou nos ombros do talentoso Nicholas Meyer a tarefa de relançar a saga como co-argumentista e realizador. E a verdade é que “Star Trek: A Ira de Khan” (1982) ultrapassou todas as expectativas: repegando no vilão de um dos episódios da série, Khan, interpretado de forma sedutora e enraivecida por Ricardo Montalban, o filme tornou-se um verdadeiro triunfo e permanece, para muitos, como o melhor de sempre da saga. De resto, durante muito tempo, sempre que se faziam listas dos melhores filmes de ficção científica, “A Ira de Khan” era presença recorrente, sendo aquela a fita que era elogiada mesmo por quem não apreciava a série. O segredo foi um argumento dinâmico e muito inventivo, que acrescentou elementos à mitologia (como o teste de Kobayashi Maru), revolucionou no campo dos efeitos especiais (a primeira sequência totalmente criada por computador para uma longa-metragem surgiu aqui) e tinha uma conclusão espetacular e corajosa, com a morte de Mr. Spock. O filme arrecadou menos que o original nas bilheteiras mas faturou muito mais, uma vez que o orçamento foi muito mais reduzido. A reação dos espetadores e da crítica foi muito positiva e ficou encontrado aí o rumo a seguir.
Dois anos depois, surgiu novo filme, “Star Trek III: A Aventura Continua”, onde foi confiada a Leonard Nimoy a tarefa de assumir também a cadeira do realizador, numa história em que a tripulação parte em busca do espírito do falecido Mr. Spock, que levará à sua inevitável ressurreição. Menos bem sucedida que a anterior, a película foi recebida de forma mediana mas positiva, levando a que Nimoy continuasse atrás das câmaras para o quarto filme, “Star Trek: O Regresso a Casa” (1984) que, esse sim, foi um sucesso descomunal, de longe o maior da série nos 25 anos seguintes. Um dos motivos é fácil de perceber: a fita, a que Nicholas Meyer regressara para co-escrever, transportava os heróis espaciais à San Francisco de 1984 para uma aventura de tom ambientalista, e o tom bem humorado que vivia do contraste entre o presente do espectador e o futuro da série amplificou a audiência muito para fora do que era o público habitual da saga.
Começou também por esta altura a surgir, na mente dos fãs, uma crença que se prolongou durante as décadas seguintes: a de que, na série cinematográfica da saga “Star Trek”, os filmes pares eram bons e os ímpares eram maus, o que foi quase sempre sendo confirmado até à entrada em cena de J. J. Abrams em 2009.
O quinto filme, “Star Trek V: A Última Fronteira”, chegaria só em 1989 e colocaria o próprio William Shatner na cadeira do realizador, para uma história de confronto com um vulcano renegado que procura Deus no centro da galáxia. Com uma produção muito conturbada, o resultado final ficou muito aquém das expectativas e, no combate com um verão recheado de 'blockbusters', acabou por desapontar público e crítica.
A saga poderia ter ficado por aí mas a celebração dos 25 anos da série em 1991 levaria a que fosse produzido mais um filme, “Star Trek VI: O Continente Desconhecido”, para assinalar condignamente a data. E desta vez, e seguindo a tradição do “par e ímpar”, a fita, que marcaria o regresso do talentoso Nicholas Meyer à cadeira do realizador, seria mesmo uma das melhores da saga, com paralelismos com a queda do Muro de Berlim na tentativa de aproximação aos Klingons, e marcaria a despedida da tripulação original do cinema.
O regresso à televisão
Entretanto, Gene Roddenberry não tinha ficado parado e, embora afastado da saga no cinema, decidiu apostar em revivê-la na televisão, com outra equipa e outras roupagens. Assim, em 1987, estrearia “Star Trek: A Nova Geração”, cuja acção decorre 100 anos depois da série original, e que seria um sucesso fulgurante, mantendo-se no ar por sete temporadas, até 1994.
Com orçamento bastante mais generoso e argumentos cuidados, a nova série introduziria uma nova tripulação da Enterprise, liderada por Jean-Luc Picard, que catapultaria para a fama planetária o já muito prestigiado ator teatral Patrick Stewart. Entre os tripulantes mais populares desta encarnação da Enterprise estavam o valoroso comandante William Riker (Jonathan Frakes), o engenheiro principal Geordi La Forge (LeVar Burton), sempre com um visor especial que lhe supria o facto de ser invisual, a semi-humana Deanna Troi (Marina Sirtis), que mantinha uma curiosa relação amorosa com Striker, o klingon Worf (Michael Dorn), uma vez que no futuro aquela raça já convivia pacificamente com os humanos (os inimigos principais eram agora os Borg), e principalmente o andróide Data (Brent Spiner), que rapidamente se tornaria um dos mais populares da série.
Muito elogiada e premiada, “Star Trek: A Nova Geração” conseguiu aquilo que todas as sequelas e 'spin-offs' ambicionam: tornar-se uma referência para espectadores que nunca tinham visto nem foram tocadas pela obra original. O cinema era a direcção seguinte, mas antes disso, “Star Trek” continuou imparável na televisão: em 1993 estreou “Star Trek: Deep Space Nine”, já com um tom mais negro e um conceito radicalmente diferente das séries que o antecederam. Agora, em vez de uma nave em travessia pelo espaço, tudo se centrava numa estação espacial, a Deep Space Nine, que se torna um ponto fulcral na confluência de vários conflitos na galáxia. Mesmo não tendo o impacto mediático das anteriores, a série foi um sucesso durando também sete temporadas. Principalmente, foi a primeira a ser concretizada sem a intervenção directa de Gene Roddenberry, que falecera em 1991 e só lhe conduziu os primeiros passos. O resultado foi que se quebrou, com proveito para a série, duas barreiras em que Roddenberry raramente transigia: a de que não podia haver conflito entre a tripulação, o que não permitia explorar em pleno a diferença entre as personagens centrais da série, e a de que os episódios deveriam ter princípio, meio e fim bem definidos, rejeitando a continuidade mais aberta. Assim, beneficiando de histórias mais longas, atravessando vários episódios, e de relações mais complexas entre as personagens, a série tornou-se uma das favoritas e mais elogiadas entre os fãs.
Em 1995, logo após o fim de “Star Trek: A Nova Geração”, arranca uma nova série: “Star Trek: Voyager”, recuperando uma vez mais o tema das viagens espaciais. Desta vez, tudo se centra na nave Voyager, que se perde no quadrante Delta a 70 mil anos luz da Terra e que tem de empreender a viagem de regresso, que levará cerca de 75 anos. A principal diferença aqui é que aos comandos da nave (e da série) estava agora uma mulher, a determinada Capitã Kathryn Janeway, intepretada por Kate Mulgrew.
A audiência estável e a solidez dos argumentos garantiram longa vida à série, por nada menos que sete temporadas, embora não tenha sido das que mais tenha ficado na memória, nem que fosse por, na mesma época, os espectadores poderem usufruir, com mais impacto, da série “Deep Space Nine” e dos vários filmes no cinema da equipa de “A Nova Geração”.
Ainda no cinema…
No grande ecrã, “A Nova Geração” surgiu logo em 1994, com o “Star Trek: Gerações” em que se fazia a passagem oficial de testemunho entre as duas sagas, com a narrativa a arrancar no tempo de James T. Kirk e a saltar para o futuro de Jean-Luc Picard, com uma artimanha inteligente para garantir a reunião entre os dois capitães. Realizado por David Carson, o filme era falho em energia mas a relevância histórica do encontro entre as duas séries no grande ecrã garantiu o sucesso de bilheteira.
Seguiu-se em 1996 “Star Trek: Primeiro Contacto”, em que o ator Jonathan Frakes salta para a cadeira do realizador com resultados surpreendentemente positivos, no que é considerado um dos melhores títulos da série. Viajando no tempo até ao século XXI, o filme confirmou que a tripulação da “Nova Geração” podia ser um valor seguro no cinema, em termos de público e crítica.
Nos anos 90, com “Star Trek” cada vez mais na berra, os filmes sucederam-se a bom ritmo mas nem sempre com qualidade que o justificasse. Logo em 1998 estreou “Star Trek: Insurreição”, novamente com Frakes como realizador, com a tripulação da Enterprise em revolta contra os seus superiores hierárquicos, mas numa fita bastante menos ambiciosa que já mal disfarçava que parecíamos estar aqui perante um episódio de longa duração, com efeitos visuais mais vitaminados.
Se essa sensação não minou de sobremaneira os resultados de bilheteira desse filme, já o seguinte quase enterrou a série de vez. “Star Trek: Nemesis”, em 2002, com um clone de Picard a tentar tomar conta do império de Romulus, foi um desastre de crítica e bilheteira, que ainda por cima cometeu o erro de estrear na mesma época que um filme de 007 (“Morre Noutro Dia”) e o segundo capítulo da saga “O Senhor dos Anéis”. O flop foi tal que em Portugal nem sequer chegou às salas de cinema.
Depois de um período de grande intensidade na década de 90, o fenómeno “Star Trek” esmoreceu na primeira década do século XXI. A série “Star Trek: Enterprise”, logo em 2001, recuou no tempo para apresentar as aventuras de exploração espacial da tripulação da primeira Enterprise, agora com Scott Bakula aos comandos, no papel do comandante Charles “Trip” Tucker III. Durou quatro temporadas mas, tal como os filmes, já se tinha percebido que se estava a pregar apenas aos convertidos e que a saga criada por Gene Roddenberry estava a ter dificuldades em sair do gueto dos fãs, que também estavam cada vez mais críticos do rumo que tudo estava a tomar.
Assim, durante vários anos pensou-se que o fenómeno “Star Trek”, que agora rivalizava em termos de 'fandom' com muitos outros que se lhe seguiram, como “Star Wars”, “Harry Potter” ou “O Senhor dos Anéis”, se resignaria a viver das muitas glórias passadas, até que em 2009 tudo mudou, e espetacularmente para melhor.
O regresso à ribalta
Em 2009, estreou um novo filme com uma proposta muito arriscada a que muitos, compreensivelmente, torceram o nariz: fazer um 'reboot' da série original, com as personagens enquanto jovens.
A ideia tinha tudo para dar para o torto, só que o realizador e coargumentista era o muitíssimo talentoso J.J.Abrams e o filme recolocou “Star Trek” na linha da frente das preferências do público 'mainstream', abarcando público generalista que ia muito para lá dos admiradores dos capítulos anteriores.
O segredo foi injetar na saga duas coisas de que ela necessitava mais do que nunca: juventude e energia. A matriz de Abrams foi muito mais “Star Wars” que “Star Trek” e isso nota-se no dinamismo da narrativa, na interação entre as personagens e nos contornos épicos do filme, tão inteligente que até atou de pés e mãos os fãs que estavam prontos para se chocar com desvios aos cânones cronológicos da série: o cineasta colocou a ação a decorrer numa realidade alternativa, permitindo assim o regresso de Nimoy ao elenco como Spock e abrindo completamente o futuro às personagens, cujo destino deixava assim de estar traçado.
O elenco também foi superiormente escolhido, com gente experiente, que continuaria a provar o seu valor em muitos outros filmes sem necessitar destes para marcar o seu lugar no imaginário do presente: Chris Pine como Kirk, Zachary Quinto como Spock, Karl Urban como Bones, Zoe Saldana como Uhurua, Simon Pegg como Scotty, John Cho como Sulu e o malogrado Anton Yelchin como Chekov.
O sucesso foi fulgurante e a equipa voltou a reunir-se para a sequela em 2013, novamente às ordens de Abrams, com Benedict Cumberbatch como o mau da fita, que se vem a descobrir ser um dos vilões mais emblemáticos da saga. A espectacularidade e a energia mantiveram-se em alta voltagem, o sucesso de publico e crítica também, mas a comunidade de fãs torceu o nariz, a ponto de uma votação entre admiradores o ter considerado, de forma inexplicável, o pior de todos os filmes da série.
Com Abrams a sair de cena como realizador (embora se mantivesse como produtor) para revitalizar o universo “Star Wars”, a entrada de Justin Lin foi acolhida com alguma trepidação, por ter sido ele o realizador dos melhores capítulos da série “Velocidade Furiosa”, cujo tom pouco teria a ver com o da saga criada por Gene Roddenberry. Afinal, “Star Trek: Além do Universo”, estreado em 2016 para assinalar os 50 anos da série, acabou por ver dissipadas essas suspeitas, com um filme sólido e bem articulado que, embora não sendo tão forte como os dois que o antecederam, provou que a saga continuava em mãos capazes.
O futuro, claro, continua em aberto, com muito de promissor. Para já sabe-se que haverá um quarto filme, com o regresso de toda a equipa, com Chris Hemsworth a regressar ao papel de pai de Kirk, que tinha interpretado na sequência inicial do filme de 2009, e a garantia de que o falecido Anton Yelchin não seria substituído como Chekov, cuja personagem seria descontinuada.
Na televisão, está agendada para janeiro de 2017 a estreia de “Star Trek: Discovery”, com 13 episódios. A ação decorrerá 10 anos antes das aventuras da tripulação original, localizando-se portanto na linha temporal da primeira série, e centrar-se-á nas aventuras espaciais da equipa da nave USS Discovery e, segundo o que já foi revelado, 'num evento na história de “Star Trek” que já tem sido falado mas que nunca foi explorado'.
E em Portugal?
Em Portugal, “Star Trek” nunca teve o mesmo impacto que outras sagas de ficção científica, no cinema ou na televisão. E percebe-se bem porquê: a relevância de uma determinada série ou filme no seu tempo e na memória vindoura depende muito do contexto em que ela surge, principalmente numa época sem internet e em que a dependência de uma única estação de televisão era total. Ora em Portugal, “Star Trek” só estreou 12 anos depois do arranque nos EUA, ainda nos tempos da tv a preto e branco, na noite de 3 de fevereiro de 1978.
Pior ainda, a série vinha substituir outra de grande sucesso entre nós, “Espaço 1999”, que chegara a Portugal em 1976, apenas um ano após a estreia original no Reino Unido. E apesar da série de Roddenberry, que por cá se chamou “Caminho das Estrelas”, ter sido bem recebida, esteve longe de ter o mesmo impacto da que a antecedeu, além de já ter chegado bem depois da estreia do primeiro filme da saga “Star Wars”, que tornara obsoleta boa parte da ficção científica que o antecedeu.
Mesmo em termos de 'merchandising', na altura relativamente incipiente comparativamente com os dias de hoje, “Espaço 1999” saía a ganhar, com os brinquedos das naves águia a fazerem parte dos sonhos de infância de qualquer rapaz daquela década. Até a série “Battlestar Galactica”, muito mais fraca, que por cá estreou em 1982, teria muito mais êxito entre nós que “Star Trek”, embora tenha envelhecido bastante pior. E quando o popular programa de reposições “Agora Escolha” estreou em 1986, uma das séries que fez parte do primeiro slot de reposições foi precisamente “Espaço 1999”, o que lhe renovou o impacto para uma nova geração.
“Caminho das Estrelas” ficou, assim, para trás, na memória colectiva do país em comparação com outras séries, algo que já não sucedeu com “Star Trek: A Nova Geração”, que já seria mais marcante para aqueles que a viram na época, embora aí a concorrência já fosse bastante mais feroz.
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