Vinte e sete anos depois, Spike Lee fez o regresso na segunda-feira à noite ao Festival de Cannes com "BlacKKKlansman", um "thriller" panfletário contra o racismo, a extrema-direita e o presidente Donald Trump, que ele atacou durante uma conferência de imprensa.
Baseado na história verídica de um oficial de polícia afro-americano que se infiltrou na Ku Klux Klan, o filme de Spike Lee, ausente do festival desde "A Febre da Selva" em 1991, alterna durante duas horas entre o suspense clássico e o tom político, terminando com a denúncia dos acontecimentos em Charlottesville, cidade da Virgínia abalada pela violência de grupos de extrema-direita a 12 de agosto de 2017.
Para concluir o seu discurso, o realizador natural do Brooklyn deu um salto de 50 anos com as imagens de Charlottesville e especialmente os poucos segundos em que o carro de um neonazi atingiu deliberadamente ativistas da luta contra o racismo. As imagens, registadas por algumas pessoas no local, mostram a morte ao vivo de Heather Heyer, de 32 anos, atropelada pelo motorista.
O filme recebeu muitos aplausos do público presente no Grand Théâtre Lumière, perante um Spike Lee com uma boina preta e vestindo um casaco com folhas douradas, exibindo duas soqueiras com as palavras LOVE [Amor] e HATE [Ódio].
O mesmo Spike Lee entregou-se a um discurso contundente contra o presidente Trump esta terça-feira diante dos jornalistas.
A morte de Heather Heyer "foi um assassinato", insistiu o realizador, que acrescentou: "E nós temos um tipo na Casa Branca, nem vou pronunciar o maldito nome dele, que, nesse momento decisivo, poderia ter escolhido o amor contra o ódio. Mas esse filho da p*** não denunciou a m**** da Klan, o 'alt-right' [movimento de extrema-direita] e esses filhos da p*** nazis".
"Mas o que gostaria de dizer", continuou Spike Lee, "é que esse disparate da extrema-direita não acontece apenas nos EUA, está em todo o lado no mundo, e não podemos permanecer em silêncio, devemos acordar".
E voltando ao presidente Trump, ainda sem citá-lo: "Esse tipo na Casa Branca, ele tem os códigos nucleares, [...] não é ficção científica, esse filho da p*** tem os códigos nucleares, mas o que está a acontecer?", completou, convencido, com este filme, de estar "do lado certo da história".
Em "BlacKkKlansman", o realizador mostra Ron Stallworth, um polícia negro de Colorado Springs, interpretado por John David Washington, filho de Denzel Washington, o "Malcolm X" de Spike Lee em 1992. A sua ideia: infiltrar-se na KKK. Mas quando se trata de entrar fisicamente no local do Klan, ele precisa de uma cobertura: entra em cena o seu colega Flip Zimmerman (Adam Driver), branco e judeu, o que também não é recomendação para o grupo racista.
A dupla está muito bem e faz com que o filme muitas vezes transborde para a comédia pura.
Quanto à parte política, o realizador de "Não Dês Bronca" (1989) desenha um paralelo entre o líder da KKK e o novo presidente americano. David Duke quer "fazer a América grande de novo"? É difícil não pensar no slogan de campanha de Donald Trump, "Make America Great Again".
Na última imagem do filme aparece uma bandeira americana invertida, com as estrelas para baixo, o que, algo que, segundo o código da bandeira naquele país, só pode acontecer "como sinal de terrível sofrimento em situações de extremo perigo para a vida ou a propriedade." Spike Lee definitivamente não esconde o seu jogo.
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