Depois de Virgílio Ferreira e a obra “Aparição”, o realizador Fernando Vendrell voltou a olhar para escritores portugueses e fez o filme “Sombras Brancas”, sobre José Cardoso Pires.

“Sombras Brancas”, que se estreia na quinta-feira, é uma adaptação do livro “De Profundis, Valsa Lenta” (1997), na qual José Cardoso Pires relata a experiência vivida com o acidente vascular cerebral em 1995, aos 71 anos.

“O que me bateu muito forte foi alguma coisa maior que a vida, a situação que gerou o livro. Alguém que vai ao outro lado, como o Dante, que vai ao lado dos mortos e que regressa e conta um bocadinho. Achei que era muito interessante, essa componente um bocado transcendental”, contou Fernando Vendrell à agência Lusa.

“Sombras Brancas” não tem pretensões de ‘biopic’ ou “de conta a história da vida” de Cardoso Pires, que morreu em 1998.

“Tem um interesse poético em definir a vida do escritor através dessa aventura. Mesmo não sendo canonicamente uma adaptação do ‘De Profundis, Valsa Lenta’, ele versa todo o período ‘de profundis’ que o escritor viveu”, explicou.

Na longa-metragem, a figura de José Cardoso Pires é interpretada pelos atores Rafael Gomes e Rui Morrison, em diferentes idades, que contracenam com Ana Lopes e Natália Luíza, no papel de Edite, a mulher do romancista.

O elenco conta ainda com atores como Raquel Rocha Vieira, Iris Cayatte, Soraia Chaves, Maria João Bastos e Rogério Samora, num dos seus últimos papéis no cinema.

No filme, a narrativa intervala episódios do passado do escritor – a vida boémia, a censura, como conheceu a mulher – com o tempo presente, em que se debate com amnésia e incapacidade de comunicação, sendo introduzidos fragmentos de várias obras de Cardoso Pires.

“Ao descrever a afasia mental, utilizei muito a experiência dos meus pais, ambos com Alzheimer”, revelou Fernando Vendrell, 60 anos.

O título “Sombras Brancas” remete para um filme de Nicholas Ray de 1960, que Fernando Vendrell viu em Lisboa, enquanto estudante de cinema, décadas antes de abrir a produtora David & Golias e se iniciar como realizador.

Esta longa-metragem estreia-se nos cinemas três anos depois de ter sido rodada em plena pandemia, no final de 2020, mas o projeto tem uma década, ou seja, é anterior à estreia de “Aparição” (2018), que adapta uma obra do escritor Virgílio Ferreira.

A ideia de “Sombras Brancas” “surgiu naquele momento de crise, de paragem, à procura de projetos, e foi durante o tempo em que estava sem conseguir realizar. Alguém me disse: 'Porque é que não adaptas uma obra do Cardoso Pires?'”, lembrou, tendo dividido a escrita do argumento com o escritor Rui Cardoso Martins.

Sobre a exibição de “Sombras Brancas”, distribuído pela independente Zero em Comportamento, Fernando Vendrell diz que apostou para que este filme fosse visto em sala, embora se registe uma acumulação de filmes nos cinemas, cujas estreias foram sendo adiadas por causa da pandemia da COVID-19.

De acordo com dados estatísticos do ICA, no primeiro trimestre deste ano estrearam-se 13 longas-metragens portuguesas ou com coprodução nacional, e ainda a curta-metragem “Ice Merchants”, de João Gonzalez.

Em termos de exibição, todos os filmes portugueses estreados em sala somaram este ano apenas 54.508 espectadores e 228.864 euros de bilheteira.

Em termos de quota, face ao panorama geral, as estreias de cinema português representam apenas 1,6% das receitas de bilheteira e 2,4% em termos de audiência.

“O que é mais descoroçoante para mim é ser confrontado com essa possibilidade que os filmes estão ser estreados muito em cima uns dos outros. Ninguém vai ver um filme português por ser português. Porque seria sempre o último da escolha, porque haveria sempre um filme iraniano ou americano. Seria terceira ou quarta escolha”, disse.

É por isso que defende a existência de uma quota de ecrã para o cinema português no circuito de exibição: “Considero que há uma oportunidade real para o cinema português ser valorizado pelos espectadores e de ganhar um espaço melhor em sala, se as salas sobreviverem”.

Sobre próximos projetos, Fernando Vendrell, que produziu recentemente o filme “Variações” (2019), de João Maia, e a série televisiva “Três Mulheres” (2018-2022), diz-se “muito interessado no trabalho literário, da escrita”.

Daí assinalar que um dos seus próximos projetos será sobre José Saramago e o processo de escrita de “Levantado do Chão”, romance de 1980 sobre a vida de camponeses no Alentejo e no qual o Nobel da Literatura alega ter fixado o seu estilo narrativo.

“Não é uma adaptação literária, é esta história mirabolante em que o escritor descobre a sua própria voz através da voz dos camponeses”, referiu Vendrell sobre o projeto.

TRAILER "SOMBRAS BRANCAS".