O realizador e investigador britânico Mark Cousins considera que o cinema é “o sublime acessível”, que deve ser preservado, protegido e ensinado aos espectadores, como contou à agência Lusa.
Mark Cousins estreia esta semana em Portugal o documentário “O meu nome é Alfred Hitchcock”, no qual revisita toda a filmografia deste cineasta, a partir de uma perspetiva mais lúdica e intimista, como se Alfred Hitchock vivesse no século XXI e olhasse para o passado e para os filmes que realizou.
Em entrevista à agência Lusa a propósito desta estreia, Mark Cousins sublinhou a importância de se preservar, restaurar, digitalizar o cinema, para que possa chegar a novos públicos e para que daí possam surgir novas perspetivas.
“O meu nome é Alfred Hitchcock” é exemplo disso: “Peguei num caderno e vi todos os filmes dele, por ordem cronológica. Ao segundo filme pensei que havia qualquer coisa de interessante a explorar ali”, disse Mark Cousins, sobre o trabalho preparatório, que decorreu ainda em pleno confinamento da pandemia da covid-19.
No documentário, por momentos, o espectador é levado a crer que o narrador é o próprio Alfred Hitchcock, explicando planos, cenas, conceitos; mas na verdade o texto é de Mark Cousins e a voz é do ator Alistair McGowan, com ambos a colocarem-se no lugar do cineasta, olhando para os filmes à luz de vários conceitos – fuga, desejo, tempo, solidão.
“Foi como escrever um monólogo para teatro. (…) Quando olhamos para a carreira dele, ele não tentou captar o espírito do tempo. Nos anos 1950 não fez filmes sobre rock’n’roll. Nos 70 não fez filmes sobre os hippies. Ele esteve mais interessado em filmes intemporais e eu acho que isso é que resultou que sejam continuamente interessantes”, disse Mark Cousins.
O realizador britânico estreou “O meu nome é Alfred Hitchcock” pouco antes do documentário “Marcha sobre Roma” (2022) – este filme está ainda em cartaz em Portugal – sobre a ascensão do fascismo em Itália.
Na prolífica filmografia há ainda outras abordagens aos arquivos do cinema, como “The Eyes of Orson Welles” (2017) ou “The Story of Film: An Odyssey” (2011), mas também extensos projetos abrangentes e quase enciclopédicos como “Women make Film” (2018) e “A Story of Children and Film” (2013).
“Estou interessado em pensamento visual, em pensar através das imagens. Na escola, eu era mau com as palavras, era um leitor muito lento, mas percebi que tinha memória visual e que me estruturava melhor com imagens”, explicou, quando questionado sobre o que o motiva em cada novo projeto.
"Eu vinha de uma família de operários de Belfast. Tivemos uma guerra, não podíamos ir muito ao cinema, mas tínhamos a BBC, que mostrava clássicos, Fred Astaire, Ginger Rogers e Gene Kelly, Hitchcock. E fique obcecado. Não pelas histórias. Nunca estive interessado nas histórias, mas nas cores, na forma, no formato dos filmes, na forma como Gene Kelly dançava, feminino e masculino, tudo isso parecia-me transgressor. Hollywood parecia-me profundamente mais atrevido e tão diferente dos aborrecidos anos 1970 de Belfast", recordou.
Ainda a propósito de memória e cinema, o investigador dá como exemplo o cinema português, atualmente em processo de digitalização pela Cinemateca Portuguesa, com verbas do Plano de Recuperação e Resiliência.
“Se recuarmos a 1942 e virmos o ‘Aniki Bobó’ [de Manoel de Oliveira] é como abrir uma garrafa e sentir o ar de 1942. O filme era uma ‘message in a bottle’ [como uma cápsula do tempo]. Um país que tem uma história tão complexa como o vosso, alguns filmes durante o período de Salazar são bons, mas também captam a complexidade do tempo e reforçam alguns dos valores de Salazar. Isso é tudo importante”, descreveu.
E é por isso que, diz Mark Cousins, é preciso proteger o cinema da mesma forma que se protege a literatura.
“O cinema fala de uma forma única e atmosférica. Temos de ensinar os miúdos a analisar o cinema, porque infelizmente pode ser perigoso e transmitir mensagens muito más sobre os seres humanos, mas a educação fílmica deve ocorrer em paralelo à preservação fílmica”, defendeu.
Mark Cousins, 58 anos, contou que o seu interesse pelo cinema começou quando tinha “oito anos e meio” e recorda que é a idade para a “iniciação mágica”.
Tanto que, em 2010, juntamente com atriz Tilda Swinton, criou uma organização intitulada “8 1/2 Foundation”, dedicada a aproximar as crianças do cinema a partir, precisamente, dos oito anos e meio.
“Ver um filme numa sala é diferente de ver em qualquer outro aparelho, porque não podemos fazer uma pausa, temos de abdicar do controlo. O cinema - não interessa o tamanho do ecrã em casa - é maior do que a vida, é luminoso. Costumo dizer que ir ao cinema é como estar sentado no inverno a contemplar o verão. O cinema é o sublime acessível, é sublime e não é dispendioso”, considerou.
Comentários