Disponível em Portugal desde 2016, a Filmin é uma plataforma de cinema que se distingue pelo cuidado e toque pessoal na apresentação em canais e coleções temáticas dos seus filmes, seja o dos grandes estúdios de Hollywood ou do circuito independente e de autor, europeu, americano ou asiático.
A 19 de janeiro, "Porquinha" é lançado em Portugal tanto nos cinemas como na Filmin, numa parceria com a distribuidora Alambique (através da subsidiária Cinema BOLD) para apoiar os cinemas e ainda levar o filme espanhol de Carlota Pereda a um público mais vasto.
O 'thriller' sangrento com um prestigiado percurso por vários festivais é um dos vários títulos disponíveis na plataforma que abordam de forma pouco tradicional o bullying, as suas vítimas e perpetuadores.
Porquinha (2022)
Após o impacto das curtas-metragens "Las Rubias", "Cerdita" e "There Will Be Monsters", presentes e premiados em centenas de festivais, a realizadora espanhola Carlota Pereda estreia-se nas longas-metragens com um perturbador e sangrento "thriller" psicológico sobre uma adolescência sofrida que cruza humor negro, suspense e comentário social.
Nomeado para seis Goya (os Óscares de Espanha) e apresentado nos festivais de Sundance, de San Sebastián e de Sitges (onde recebeu o Méliès d'Or para Melhor Filme Fantástico/Terror Europeu), a história acompanha Sara, uma adolescente com excesso de peso intimidada por um grupo de raparigas à beira da piscina enquanto passa férias de verão na sua aldeia.
Uma longa caminhada para casa vai mudar o resto da sua vida, quando aparece um estranho na cidade que rapta quem a atormenta. Sara sabe mais do que diz e terá de decidir entre falar e salvar as raparigas ou ficar em silêncio e proteger o estranho que a salvou.
"Escrevi 'Porquinha' para confrontar os meus próprios medos. Medos reais. Coisas que me fazem sentir vulnerável. Violência, violência sexual e, desde que sou mãe, bullying. Porque ser adolescente pode ser assustador", explicou a realizadora nas notas de apresentação do seu trabalho, notando que se trata de "uma história que a maioria de nós experienciou de um lado ou do outro. Todos nós fomos adolescentes, inadequados e insensatos. Todos nós já falhámos ao fazer frente à injustiça ou já escondemos quem realmente somos para pertencer a algo".
"A história de Sara é parecida com a minha e com a de vários adolescentes inseguros limitados pelas suas famílias e por uma sociedade que os impede de ser quem são. A diferença é que Sara não tem onde esconder o seu corpo ou a sua culpa. Ninguém passa despercebido numa pequena cidade. Todos se conhecem. A invisibilidade não é uma opção. Daí o ditado: pequena cidade, grande inferno ", esclarece.
"A maioria dos filmes de terror são sobre o medo dos outros. Em 'Porquinha', os outros somos nós. O medo de sermos diferentes inerente à adolescência e de corpos fora do comum. O terror é a forma perfeita para abordar assuntos importantes. [...] Os filmes de género raramente mostram dor, perda ou culpa. Aqui, a dor e a perda estão no centro da ação. Todas as ações, todas as mortes, têm uma consequência. Todas as vítimas têm um nome. As famílias sofrem com as suas perdas. [...] Num mundo em que o mal nos esmaga e em que somos culpados de inação contra a injustiça, os filmes de terror permitem-nos dominar o mal e fazer justiça através da ficção. O poder da catarse", proclama Carlota Pereda.
Recreio (2021)
Na sua estreia na realização de longas-metragens, Laura Wandel explora as dificuldades do enquadramento na escola, à medida que Nora, de 7 anos, se divide entre a sua necessidade de inclusão e o desejo de ajudar o irmão mais velho, vítima de bullying, mas que a obriga a guardar segredo.
Tomada por um conflito de lealdade, Nora acabará por tentar encontrar o seu lugar, dividida entre os mundos das crianças e dos adultos.
Um retrato imersivo sobre o bullying e a vida da escola primária, contado do ponto de vista das crianças, "Recreio" foi apresentado na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes, onde venceu o Prémio FIPRESCI, a que se seguiram sete prémios Magritte, o equivalente aos Óscares na Bélgica, e a escolha para ser o candidato do país a uma nomeação ao Óscar de Melhor Filme Internacional em 2021.
Desculpa! – Uma História sobre Bullying (2013)
A partir de um livro de Carry Slee publicado em 1996, o veterano realizador e argumentista holandês Dave Schram fez um filme premiado em vários festivais e que causou grande impacto, chegando a vencer a votação do público jovem nos prémios da Academia de Cinema Europeu em 2014.
Um relato sobre consequências de ignorar a gravidade das situações de bullying, a história aqui é contada da perspetiva de David, um dos poucos amigos de Jochem, um adolescente atormentado na escola por três colegas por causa da sua obesidade.
Apesar de testemunharem o que está a acontecer, nem David nem os outros alunos reagem por medo de represálias. Até ao dia em que, após ser forçado a beber bebidas alcoólicas numa festa, o diretor da escola comunica à turma que Jochem não voltou para casa. Sentindo-se culpado, David vai à sua procura com um amigo para lhe dizer que está arrependido de não o ter ajudado, enquanto um dos responsáveis pelo bullying acabará por revelar as razões da sua raiva.
Lições de Harmonia (2013)
Um filme do Cazaquistão que venceu o Urso de Prata no Festival de Berlim, a estreia na realização de Emir Baigazin aborda de forma gráfica o impacto psicológico e social do bullying.
Numa pequena aldeia, Aslan é um jovem de 13 anos que vive com a sua pobre avó e é humilhado pelos colegas da escola durante um exame médico.
O impacto dessa experiência mudará a sua vida: o adolescente calmo e inteligente desenvolve um distúrbio de personalidade que se vai manifestar numa obsessão pela organização e pela limpeza, ao mesmo tempo que o bullying sistemático de um colega particularmente cruel que se diverte a atormentá-lo, perante a indiferença das autoridades escolares ou policiais, fazem aumentar dentro de si um ódio que se reflete em comportamentos cada vez mais desumanizados e descontrolados durante a lenta preparação da sua vingança.
Marvin (2017)
Vencedor do prémio Queer Lion no Festival de Veneza de 2017, um filme cru e audacioso de Anne Fontaine, que também co-escreveu o argumento, parcialmente inspirado por "Para Acabar de Vez com Eddy Bellegueule", o primeiro romance de Édouard Louis, escrito quanto tinha apenas 19 anos e cujo fenómeno literário e social que lhe trouxe o sucesso internacional aos 21.
A história vai intercalando de forma não linear Martin Clément (Finnegan Oldfield), um ator, e quem era na infância: Marvin Bijou (Jules Porier), que nasceu numa pequena aldeia francesa no seio de uma família carenciada dependente de apoios sociais, desprezado por um pai retrógrado e uma mãe com pouco interesse em ser mãe, e com um irmão mais velho igual aos miúdos que o perseguem na escola por parecer efeminado.
Com uma existência repressiva e quase sempre sozinho, Marvin aumenta a sua confiança e descobre a sua vocação quando, incentivado por uma professora, se junta ao grupo de teatro escolar. Ao fazer 18 anos, segue para Paris para estudar e concretizar o sonho de se tornar ator, mas apesar de estar longe dos que o desprezavam, o seu equilíbrio emocional é afetado pelas memórias da infância e adolescência miseráveis.
Aceitando finalmente quem é e já como Martin Clément, a fama e principalmente a reinvenção e libertação como artista e ser humano digno de respeito, chegam com a ajuda de novos aliados (incluindo a lendária atriz Isabelle Huppert) e os palcos, numa peça que escreve, encena e onde interpreta a sua própria família, confrontando-a com o que não exprimiu durante tanto tempo.
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