A caminho dos
Óscares 2018
Depois de várias piadas, desde logo no monólogo de abertura do anfitrião Jimmy Kimmel à volta da célebre gaffe no ano passado e a troca entre “La La Land” e “Moonlight”, talvez um dos momentos mais constrangedores na história dos Óscares, Warren Beatty e Faye Dunaway voltaram para anunciar novamente o vencedor do Melhor Filme (e a atriz fez questão de repetir o vestido) e desta vez não surpreenderam: o filme mais nomeado acabou por ser o grande vencedor.
“A Forma da Água” partia à frente na corrida e acabou por ser o grande vencedor da 90ª cerimónia dos Óscares, com quatro estatuetas somadas, numa noite que acabou por repartir os prémios.
Guillermo del Toro venceu também Melhor Realização e usou o seu discurso para proclamar a sua paixão pelo cinema.
"A melhor coisa que a nossa arte faz, e a nossa indústria faz, é apagar as linhas na areia. Devemos continuar a fazer isso", disse, no seu emocionado agradecimento.
A realização é uma categoria onde o México tem dominado desde 2014, com nada menos que quatro vitórias em cinco anos, incluindo as dos grandes amigos de Del Toro, Alfonso Cuarón por “Gravidade” (2014) e Alejandro González Iñarritu por “Birdman” (2015) e “The Revenant” (2016). Só Damien Chazelle quebrou esse domínio o ano passado quando levou o prémio por “La La Land – Melodia de Amor”.
Apesar de ”A Forma da Água” ter algum favoritismo por liderar as nomeações, confirmou-se a convicção que existia entre alguns analistas de que a competição ia ser renhida e o palmarés foi repartido já que a fantasia só conseguiu acrescentar aos de Filme e Realização os prémios de Direção Artística e Banda Sonora: quatro estatuetas em 13 possíveis.
Entre as que perdeu estão aquelas das quais constavam dois canadianos de origem portuguesa: Luís Sequeira (guarda-roupa) e Nelson Ferreira (montagem de som).
Segundo os analistas, esta tendência de divisão veio para ficar com a entrada de mais votantes nos Óscares: o último açambarcador foi “Quem Quer Ser Bilionário” com os seus oito Óscares há nove anos. Desde então, o cenário mudou de figura.
Veja o desfile de estrelas na passadeira vermelha dos Óscares:
90 anos de Óscares festejados a sério entre prémios pouco surpreendentes
O início da cerimónia, a recriar o estilo das notícias dos anos 30 e com imagens a preto e branco de algumas das estrelas deste ano, ao som de uma voz off a imitar os velhos tempos (o próprio Jimmy Kimmel), deu o sinal para o que seria a festa do cinema: premiar os filmes de 2017 e, aproveitando os 90 anos de Óscares, recordar aos espectadores do todo o mundo (ou, pelo menos, a audiência estimada de 850 milhões) a razão para ir às salas de cinema.
Essa evocação passou pelas abundantes, cuidadas e inspiradas montagens de filmes a recordarem a riqueza da história do cinema, mas também pela presença para apresentar prémios das vencedoras de Óscares e autênticas lendas do cinema como Eva Marie Saint (93 anos), a atriz de "Há Lodo no Cais" (1954), Rita Moreno (86 anos), a eterna Anita de "West Side Story" (1961), ou Jane Fonda.
Menos diversidade houve nos prémios de interpretação, mas principalmente no sentido da ausência de surpresas: Gary Oldman ganhou o Óscar de Melhor Ator ("A Hora Mais Negra"), Frances McDormand o de Melhor Atriz ("Três Cartazes à Beira da Estrada") e os prémios secundários foram para Sam Rockwell (também por "Três Cartazes à Beira da Estrada") e Allison Janney ("Eu, Tonya").
"Fiz tudo sozinha", brincou Allison Janney no início do seu discurso, sem poupar elogios à equipa do filme e a Joanne Woodward, "pelo incentivo e generosidade" que a atriz de 88 anos teve na luta da agora vencedora do Óscar por uma carreira.
Como esperado, James Ivory fez história, tornando-se, aos 89 anos, o mais veterano a receber o Óscar, pelo argumento adaptado de "Chama-me Pelo Teu Nome". Na categoria do Original, o escolhido foi Jordan Peele por "Foge".
A previsibilidade nos prémios alargou-se às categorias técnicas: Guarda-Roupa para "Linha Fantasma"; Roger Deakins ganhou à 14ª nomeação pela Fotografia de "Blade Runner 2049", que também ganhou pelos Efeitos Visuais; "Dunkirk" confirmou o gigantesco favoritismo que tinha na Montagem, Efeitos Sonoros e Mistura de Som; "A Hora Mais Negra" ainda ganhou pela Caracterização.
Entre os nove nomeados para Melhor Filme, só "Lady Bird" e "The Post" saíram de mãos a abanar.
A única surpresa, e mesmo assim parcial, foi na categoria de Melhor Documentário: “Ícaro”, a primeira longa-metragem da Netflix a conquistar tal galardão, quando muitos já pensavam que iria para “Olhares, Lugares”, de Agnès Varda, que, aos 89 anos, marcou presença na cerimónia como a nomeada mais velha dos prémios já depois de recebido em novembro o Óscar honorário.
Veja o início "vintage" da cerimónia.
Jimmy Kimmel disparou em várias direções na abertura
Para além dos prémios, uma das grandes curiosidades era descobrir como a cerimónia conseguiria equilibrar a celebração do cinema com o tema dos escândalos que atingiram a indústria nos últimos meses.
O preto, a cor que transformou a passadeira vermelha em simbólicos desfiles de protesto e apoio durante os Globo de Ouro e os britânicos BAFTA, não dominou na dos Óscares, mas foi evidente o apoio “institucional” aos movimentos #MeToo e Time's Up contra o abuso sexual e a desigualdade de género na indústria.
Jimmy Kimmel começou a 90.ª cerimónia a recordar a troca de envelopes do ano passado, avisando os premiados para não se levantarem assim que ouvissem os seus nomes, mas prosseguiu logo a seguir para o tema quente dos assédios sexuais e o tratamento que Hollywood dá às mulheres e às minorias.
Salientando que que a noite devia ser marcada pela “positividade”, chamou a atenção para o trabalho a ser desenvolvido pelas ativistas de movimentos como o #MeToo, Time’s Up e Never Again antes de falar diretamente em Harvey Weinstein e recordar a sua expulsão da Academia.
“O que aconteceu com o Harvey [Weinstein] e o que está a acontecer por todo o lado era há muito devido. Não podemos continuar a deixar passar o mau comportamento. O mundo está a olhar para nós, precisamos de ser um exemplo”, afirmou o comediante, que recordou que, em Hollywood, se fez um filme chamado “O que as mulheres querem”, protagonizado por Mel Gibson, o que dizia “tudo o que havia a dizer” sobre como o meio encarava as mulheres.
Kimmel chegou até a dar o Óscar como o exemplo do homem perfeito de Hollywood: "Coloca as mãos onde as podemos ver, nunca diz uma palavra rude e, mais importante, não tem pénis. É literalmente uma estátua de limitações [um trocadilho com "statue of limitations", sobre o tempo máximo para se pode avançar com um processo judicial em relação um potencial crime].
Num monólogo em que abordou diversas das polémicas recentes, com direito a menção ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Kimmel afirmou que se se conseguir pôr fim ao assédio sexual no local de trabalho, “então as mulheres só terão de lidar com assédio em todos os outros sítios onde forem”.
Kimmel não deixou de de sublinhar as várias conquistas dos nomeados deste ano, nomeadamente as de Jordan Peele ("Foge"), Timothée Chalamet ("Chama-me Pelo Teu Nome"), Christopher Plummer ("Todo o Dinheiro do Mundo") e, claro, a 21ª nomeação de Meryl Streep ("The Post").
Veja o monólogo.
Elas disseram "Basta!" nos Óscares
Mais tarde, a cerimónia trouxe o movimento coletivo #MeToo e o projeto Time’s Up diretamente para primeiro plano com a presença em palco de Ashley Judd, Salma Hayek e Annabella Sciorra, três das mulheres que quebraram o silêncio contra Harvey Weistein, que fizeram a introdução a um clip que misturou filmes que representam a diversidade e os depoimentos de homens e mulheres, a defender a igualdade e a diversidade em Hollywood.
Veja a apresentação e o clip.
Mesmo assim, nem todos foram chamuscados pelo contacto de perto com os temas de assédio sexual: o basquetebolista Kobe Bryant, acusado de violação em 2003 num caso resolvido fora das barras dos tribunais, recebeu uma grande ovação ao ganhar o Óscar como produtor da Melhor Curta-Metragem de Animação, “Dear Basketball”, realizado pelo lendário animador da Disney Glen Keane.
As canções e o México
Os números musicais também souberam fazer um impressionante uso da cenografia, não só no habitual “In Memoriam”, este ano ao som de Eddie Veder a cantar “Room at the Top”, do recém-falecido Tom Petty, como principalmente nas cinco canções nomeadas ao Óscar, quase todas a merecer aplausos de pé: Mary J. Blige abriu as hostilidades com uma interpretação poderosa de “Mighty River”, de “Mudbound – As Lamas do Mississípi”, Sufjan Stevens encantou com o seu delicado “Mystery of Love”, de “Chama-me pelo Teu Nome”, Andra Day e Common fizeram erguer a plateia com “Stand Up for Something”, do pouco visto “Marhsall”, Keala Settle deu espetáculo ao som da cada vez mais popular “This is Me”, de “O Grande Showman”, e Gael Garcia Bernal, Miguel e Natalia Lafourcade surpreenderam com o delicado e festivo “Remember Me”, de “Coco”.
Foi este último o vencedor do Óscar de Melhor Canção, para o casal Robert e Kristen Anderson-Lopez, uma celebração do México que se tornou um dos temas da noite: além dos dois Óscares para “Coco” (a estatueta de Melhor Filme de Animação era, aliás, uma das mais seguras da noite), o país da América Central foi representado naturalmente pelos quatro troféus de "A Forma da Água", que incluíram os dois principais da cerimónia.
A América Latina brilhou ainda na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, com a vitória do Chile por “Uma Mulher Fantástica”, de Sebastián Lelio, que acabou por também fazer história no Óscares ao valer à sua protagonista, Daniela Vega, o triunfo de ser a primeira artista transgénero a ser apresentadora de uma cerimónia de entrega dos Óscares.
Reveja esse momento.
A "partida": estrelas dos Óscares invadem sala de cinema
Num dos momentos mais recordados da cerimónia dos Óscares do ano passado, Jimmy Kimmel trouxe turistas desprevenidos ao Dolby Theatre para ver as estrelas de cinema em carne e osso.
Agora, o truque foi ao contrário: a pretexto de agradecer às pessoas que vão ver filmes, o anfitrião desafiou várias estrelas a fazerem uma surpresa aos espectadores de uma sala de cinema ao lado que tinham sido atraídas para ver uma antestreia especial do novo filme da Disney "Uma Viagem no Tempo".
Gal Gadot, Mark Hammil, Margot Robbie, Lupita Nyong'o, Emily Blunt, Ansel Elgort, Armie Hammer, Lin-Manuel Miranda e ainda o realizador Guillermo del Toro foram alguns dos que aceitaram e escusado será dizer que as pessoas ficaram surpreendidas com a invasão.
Ainda por cima, as estrelas não foram de mãos a abanar e deixaram o público em êxtase com os vários petiscos, de pipocas a cachorros-quentes.
Veja imagens do momento:
Frances McDormand convocou todas as mulheres nomeadas
Ao ganhar o Óscar de Melhor Atriz por "Três Cartazes à Beira da Estrada" (a segunda estatueta da carreira, vai fazer companhia à que "Fargo", que recebeu há 21 anos), Frances McDormand revelou que estava a "hiper-ventilar" porque tinha "algo a dizer".
Começou por agradecer ao realizador e argumentista: Olha para o que fizeste. Somos um grupo de hooligans e anarquistas, mas saímo-nos bem".
Seguiram-se os tradicionais agradecimentos aos colegas e à família (o "clã"), antes de surpreender com o pedido para que todas as mulheres nomeadas se levantassem na plateia.
Perante o insólito, virou-se para a única vencedora de três Óscares e nomeada 21 vezes: "Meryl [Streep], se o fizeres, todas as outras o farão, vá lá".
Já com todas de pé, acrescentou: "Olhem à volta, senhoras e senhores, porque todas nós temos histórias para contar e projetos que precisamos financiar. Não falem connosco sobre eles nas festas esta noite, convidem-nos para os vossos escritórios daqui a dois dias, ou podem vir aos nossos, o que vos der mais jeito, e contamo-vos tudo sobre eles. "
E concluiu: "Tenho duas palavras para vos deixar esta noite, senhoras e senhores: 'Inclusion rider'".
Esta é uma referência à crença que alguns partilham de que deviam existir disposições nos contratos para permitir diversidade racial e de género e que alguns atores colocam nos contratos para o garantir nas rodagens dos filmes em que estão envolvidos.
Veja o momento.
E o verdadeiro grande prémio da noite foi para...
Numa tentativa de manter os discursos controlados, Jimmy Kimmel prometeu no início no início da cerimónia uma recompensa para o premiado que fizesse o discurso mais curto: um jet ski, mostrado em palco à maneira de "O Preço Certo", por... Helen Mirren.
Mais tarde, insatisfeito com os resultados, acrescentou uma viagem.
Muitos premiados disseram que queriam ganhar, mas poucos realmente cortaram nos discursos, pelo que, ao cair do pano na 90ª cerimónia, sem os sobressaltos do ano anterior, o anfitrião anunciou que o vencedor do "verdadeiro grande prémio da noite", tinha sido Mark Bridges, o Óscar da Guarda-Roupa por "Linha Fantasma".
Reveja o resumo do "incentivo".
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