Nove anos depois de "Martha Marcy May Marlene", primeira longa-metragem que colocou o nome de Sean Durkin nas apostas do cinema independente norte-americano, "O Ninho" promete manter o entusiasmo em torno de um realizador que se dedicou mais à televisão (na minissérie "Southcliffe") ou à produção executiva nesse hiato (o recente "O Segredo do Refúgio", estreia de Dave Franco na realização, tem os seus créditos, tal como obras de Nicolas Pesce, Josh Mond ou outras revelações).

Se o seu primeiro filme deixou uma das interpretações mais aplaudidas da carreira de Elizabeth Olsen, o sucessor apresenta Jude Law e sobretudo Carrie Coon num plano tão ou mais impressionante, na pele de um casal que se muda dos EUA para uma mansão inglesa com os dois filhos em meados dos anos 1980. Mas mais uma vez, nem tudo é o que parece num filme que vai baralhando as coordenadas ao espectador, movendo-se entre o drama familiar, o thriller psicológico e alusões a algum cinema de terror - começando pelos arquétipos da casa assombrada, que Durkin se diverte a desconstruir.

"A abordagem foi semelhante à de 'Martha Marcy May Marlene'. Comecei pelas personagens e fui construindo uma atmosfera que, não sendo a de um thriller, tem alguns dos seus elementos. Desta vez, enfatizei mais a ideia de isolamento e ansiedade familiar", explica o realizador em entrevista telefónica ao SAPO Mag.

"Pareceu-me que os códigos cinematográficos da casa assombrada eram os mais apropriados para traduzir emocionalmente e criativamente a experiência destas pessoas", acrescenta.

Sean Durkin
Sean Durkin

"A economia de um casamento é um elemento crucial"

"Nunca tinha visto um filme sobre o casamento como este. Normalmente centram-se no divórcio ou na infidelidade e este não tem nenhum desses elementos, concentra-se apenas na dinâmica do casamento e nos pactos e acordos que se fazem", assinala Carrie Coon, com quem o SAPO Mag também falou por telefone.

"A economia de um casamento é um elemento crucial de qualquer casamento e pode estar na origem de um divórcio. Seria expectável ver esse tema retratado mais vezes", refere ainda a atriz norte-americana que se tem destacado particularmente no pequeno ecrã (com papéis elogiados em séries como "The Leftovers", "Fargo" ou "The Sinner").

As dificuldades económicas são, aliás, um dos fantasmas que atormentam a estabilidade de uma família que o patriarca quer tornar sinónimo de ascensão social. Mas o sonho americano pode resvalar para um pesadelo yuppie. "Decidi ambientar a história em 1986 pelas mudanças económicas desse ano, com desregulamentações, privatizações, o mercado global a emergir, as alterações ao sonho americano... Quis ter esse contexto como pano de fundo e abordar os conceitos que eram valorizados na altura, uma mentalidade vincada pela ambição, pela ideia de mais é melhor, e relacioná-los com o conflito familiar dos protagonistas. E também foi algo que marcou esse período mas com o qual ainda lidamos hoje", sublinha Durkin.

Carrie Coon
Carrie Coon

Coon também aponta singularidades da escolha da época em que a ação decorre. "É importante que esteja ambientada nos anos 1980, porque assim podemos olhar para a dinâmica de géneros com algum distanciamento, ver o que mudou desde então, o que é diferente agora e o que se mantém".

A mulher que a atriz encarna, Allison, não se sujeita, no entanto, a um lugar especificamente feminino - nem quer ficar cativa de um qualquer "ninho". "Sou muito focada e muito prática, tal como ela. Venho do interior norte-americano e há lá uma grande noção de auto-suficiência. Ela não tem medo de trabalhar arduamente, de fazer trabalho manual. E gosto da sua dualidade: pode ser alguém muito sofisticada, insinuante e sensual, mas também vestir as calças e ir trabalhar para o campo, e está confortável nas duas vertentes. Sendo filha do meio, identifico-me com a sua capacidade de adaptação", compara.

"Quando vemos um filme do Sean Durkin, sabemos que é um filme do Sean Durkin"

Durkin não poupa elogios ao desempenho de Coon, mesmo que o resultado não tenha sido uma surpresa. "Do ponto de vista criativo, só penso nos atores e já conhecia a Carrie e o Jude o suficiente para saber que teria uma disputa emocional muito forte caso os escolhesse. Sabia que iriam oferecer o que as personagens pedem individualmente, mas também têm química e uma certa ferocidade. Pareceu-me que seria um ótimo par".

A atriz, contudo, revela-se surpreendida ao ter sido escolhida para uma personagem como esta. "Sempre fui maria-rapaz em criança e cresci com a ideia de que não era fisicamente atraente de uma forma convencional. Por isso nunca esperei ter um papel de protagonista nem de formar um casal com celebridades masculinas muito atraentes e magnéticas, e há uma parte de mim que duvida que pertença a esse mundo. E julgo que uma parte da minha família também está surpreendida por me ver nesse papel [risos]".

Embora algo inesperada, a experiência foi bem sucedida e não faltou cumplicidade, recorda Coon. "O Sean é muito bom a dirigir-nos, a ajudar-nos a chegar ao tom certo, à contenção em vez do exagero dramático", sublinha. Confessando-se cada vez mais exigente na escolha de papéis, em especial depois de ter sido mãe, a atriz louva a visão de autores como Durkin. "Em muitos aspetos, parece-se mais com um autor europeu do que americano. Há uma contenção na realização, um foco na componente visual, que remete mais para filmes dos anos 1970 do que do cinema contemporâneo. E há uma grande harmonia entre as suas temáticas e o seu vocabulário visual. Quando vemos um filme do Sean Durkin, sabemos que é um filme do Sean Durkin".

O Ninho
O Ninho

Além de um realizador confiável, Coon aponta méritos aos atores que a acompanharam. "O Jude é ótimo para o papel de Rory, tem aquela aura jovial mas misteriosa que ajuda muito a torná-lo credível como um sonhador. E os jovens atores [Oona Roche e Charlie Shotwell] são grandes escolhas, mesmo que infelizmente o público não possa ver algumas das suas melhores cenas, porque ficaram de fora, para que o filme se centrasse mais no casal".

Da escola do teatro a um dia "árduo, lindo, inspirador"

Com um percurso nos ecrãs iniciado em 2011, Carrie Coon estreou-se na interpretação no teatro, onde também tem mantido um caminho regular - sobretudo em Chicago, cidade onde reside - e celebrado - foi nomeada para um Tony pelo papel em "Who's Afraid of Virginia Woolf?", em 2012. E a experiência nos palcos foi particularmente útil para um filme como os contornos de "O Ninho". "No teatro, temos de atuar com todo o corpo. Estamos num espaço aberto, não há forma de o escondermos. E nos filmes do Sean, as câmaras estão muito afastadas de nós, sentimo-nos como num palco. Trabalhar com o Jude, que tem uma grande experiência de palco, foi como fazer um ensaio teatral, com grande margem para o improviso entre os muitos takes de cada cena, que acabaram por ser sempre diferentes. A experiência teatral foi determinante para isso, para saber como me relacionar com o espaço envolvente, até porque o Sean raramente recorre a grandes planos, que são muito usados na televisão. Tenho de saber usar o corpo todo, sobretudo ao interpretar uma personagem tão física como a Allison".

Para Durkin, a exigência foi ainda maior na altura de filmar algumas das sequências mais íntimas do casal. "Um dos momentos de filmagens mais memoráveis do filme, e da minha vida, foi no dia em que passámos 10 ou 12 horas num quarto com a Carrie e o Jude, onde filmaram todas as cenas entre eles que decorrem nesse espaço. Só eles e uma pequena equipa. E isso foi como passar por todas as fases de um casamento, captar a essência de um casal num dia. Foi árduo, lindo, inspirador, tudo o que podemos pedir a um dia de filmagens, e foi como se acompanhássemos um casamento em primeira mão".

Apesar de ir desenhando pacientemente uma disputa conjugal, o realizador e argumentista deixa que o espectador tire as suas próprias conclusões sobre os protagonistas e a sua simpatia por eles. "Se fores um argumentista honesto, estás com todas as personagens. Todas têm partes de mim ou de pessoas que fui conhecendo. Quis que fosse [um retrato] autêntico e específico, mas que também tivesse um eco universal. Quero que as pessoas consigam relacionar-se com pequenas ações ou gestos das personagens". Com atores deste calibre e uma força narrativa e formal à altura, não será difícil relacionarmo-nos com "O Ninho" enquanto aguardamos os próximos passos de Durkin...

Trailer de "O Ninho":