O realizador português João Canijo está na competição pelo Urso de Ouro na 73.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale) com "Mal viver".
O filme acompanha a sua outra versão "invertida", "Viver Mal", que concorre noutra categoria do mesmo certame, um acontecimento invulgar.
Com Anabela Moreira, Rita Blanco, Madalena Almeida, Cleia Almeida e Vera Barreto, "Mal Viver" conta a história de três mulheres — avó, filha e neta — que tomam conta de um hotel no norte de Portugal e vivem mergulhadas em ressentimentos e segredos familiares nunca resolvidos.
A filha da fundadora do hotel está à beira do suicídio e a incompreensão da sua mãe parece ser transmitida à filha. Os diálogos cruzam-se com fragmentos de conversas dos hóspedes do hotel, que sofrem as suas próprias misérias.
A segunda parte, "Viver Mal", retoma com precisão as histórias secundárias, colocando-as em primeiro plano. Os hóspedes tornam-se protagonistas e, como pano de fundo, como um cenário conhecido e ao mesmo tempo intrigante, estão essas três mulheres, presas pela sua relação tóxica. No elenco surgem Nuno Lopes, Filipa Areosa, Leonor Silveira, Rafael Morais, Lia Carvalho, Beatriz Batarda, Leonor Vasconcelos e Carolina Amaral.
Nada otimista
Vencedor do prémio da crítica em San Sebastián em 2011 com "Sangue do meu Sangue", Canijo reconhece que não é nada otimista quando aborda as relações familiares.
"Não acho que tenha esperança. Não acredito em famílias funcionais. Não conheço nenhuma", disse o realizador em entrevista à France-Presse, antes da antestreia na quarta-feira à noite em Berlim de "Mal Viver".
Para Canijo, "as avós estragam a vida das suas filhas e depois essas mães vão arruinar, na sua altura, a vida das suas filhas. É assim, um ciclo que não acaba nunca".
Ele considera a sua dupla presença na Berlinale "extraordinária". Das duas, a sua preferida é a que disputa o Urso de Ouro. "Obviamente", afirma.
"Cada uma delas, na competição oficial e na secção Encontros, tem o seu lugar", diz, com um sorriso orgulhoso.
Para a segunda parte, Canijo inspirou-se em três obras de teatro do sueco August Strindberg (1849-1912).
Uma mãe pressiona a filha a casar-se para poder continuar a dormir com o genro, um casal que vive entre o amor e o ódio, e duas jovens lésbicas que não conseguem livrar-se da sombra da mãe de uma delas.
Em termos de toxicidade, "acho que, hoje, os casais homossexuais são tão normais quanto os heterossexuais, não acho que exista uma grande diferença", opina.
Poucos antecedentes
Outro realizador está na disputa em duas sessões diferentes nesta edição do Festival de Berlim.
O iraniano Mehran Tamadon concorre com "Mon pire ennemi" ("Meu pior inimigo", em tradução livre), na secção Encontros, e com "Jaii keh khoda nist", na secção Fórum. Tratam-se, no entanto, de histórias diferentes, rodadas em lugares distintos.
"Viver Mal" e "Mal Viver" foram filmados simultaneamente, durante 12 semanas, no mesmo hotel: Hotel Parque do Rio, em Ofir.
"Quando estávamos a gravar, sabíamos exatamente o que estava dentro de um filme e o que estava dentro do outro", garante Canijo, acrescentando que foi um autêntico trabalho de "joia cronológica".
Há poucos exemplos de dinâmicas similares na história do cinema.
Clint Eastwood filmou "Cartas de Iwo Jima" e "As Bandeiras dos Nossos País", com o ponto de vista japonês e americano, respetivamente, sobre a Batalha de Iwo Jima, mas separados por dois meses de intervalo entre 2005 e 2006.
Já dois filmes de 2013 realizados por Ned Benson mostram os dois pontos de vistas sobre a relação de um casal, a perspetiva dela (Jessica Chastain) em "O Desaparecimento de Eleanor Rigby: Ela" e a dele (James McAvoy) em "O Desaparecimento de Eleanor Rigby: Ele".
Apesar da aclamação, o realizador decidiu reeditar como um único filme, "O Desaparecimento de Eleanor Rigby: Eles", que também teve distribuição nos cinemas em 2014.
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