Luzes de neon, corpos sensuais e o calor do nordeste brasileiro: o cineasta Karim Aïnouz elevou a temperatura da mostra competitiva pela Palma de Ouro do Festival de Cannes, com a estreia na quarta-feira do seu filme de forte conteúdo sexual "Motel Destino".
Aïnouz, que também disputou a Palma de Ouro de Cannes em 2023 com "O Jogo da Rainha", um drama histórico britânico, regressou ao seu país para rodar este 'thriller' erótico num motel no nordestev brasileiro.
Na história, Heraldo (Iago Xavier) é um jovem que foge de uma quadrilha de criminosos e se refugia no motel que dá nome ao filme, entre quartos de cores berrantes e luzes de neon. Ali, conhece o casal que gere o estabelecimento e sente-se atraído pela mulher, Dayana (Nataly Rocha).
"Queria fazer um filme que fosse erótico, que fosse sensual, mas uma sensualidade que celebra a vida, não uma sensualidade que fala de morte", disse o cineasta em entrevista à France-Presse.
"Queria fazer um filme onde vamos festejar a vida. E acho que nada é mais vital que o sexo", acrescentou.
O cineasta brasileiro, o único latino-americano na disputa pela Palma de Ouro este ano, é presença frequente no festival e foi premiado em 2019 na mostra Un Certain Regar pelo filme "A Vida Invisível".
Como surge a ideia de "Motel Destino"?
A primeira ideia era fazer um filme de suspense, que mantém toda a gente colada ao ecrã. O suspense é uma forma de chegarmos mais perto do público, sobretudo depois de uma pandemia, quando o cinema perdeu tanto espaço. Outra ideia era fazer um filme onde pudesse falar do desejo, do inconsciente, da paixão e de uma certa explosão de vida.
Este é o seu filme mais erótico. Era a sua ideia inicial?
Queria fazer um filme que fosse erótico, que fosse sensual, mas uma sensualidade que celebra a vida, não uma sensualidade que fala de morte. Era para mim muito importante, depois de tanto tempo que nós passámos sob um regime autoritário que tivemos no Brasil, um regime de terror onde a verdadeira obsessão era a morte. Queria fazer um filme onde vamos festejar a vida. E acho que nada é mais vital que o sexo.
Para isso, teve que voltar a filmar no Brasil, a sua terra natal?
Há cinco anos que não filmava no Brasil. Este filme é uma espécie de retomar a vida. Numa entrevista, mencionei que saímos da unidade de cuidados intensivos depois de tantos anos de governo de extrema direita. Para mim, estava a precisar de filmar num lugar que tivesse o mesmo sotaque, no lugar onde conheci esta luz e que fosse quase febril.
Por que escolheu um motel?
É um lugar tão brasileiro, onde tudo pode acontecer entre quatro paredes. Na altura em que que aquilo se torna público, está a falar-se da sociedade, que se diz livre, que se diz alegre, mas é uma sociedade absolutamente hipócrita e contraditória. O lugar do motel era como uma espécie de radiografia do Brasil, onde podemos ouvir o que o outro está a fazer.
Como foi filmar as cenas eróticas?
Foi muito giro poder trabalhar com uma coordenadora de intimidade. A dança [do ato sexual] e a intimidade são duas facetas da mesma coisa. É sempre muito importante. Vivemos durante tantos anos relações de abuso sexual no cinema, de abuso de poder. Existe um ato de reparação histórica que temos que fazer. Não estamos aqui por acaso. Não chegamos a situações de abusos sexuais por acaso.
Os seus filmes costumam ter personagens femininas fortes. Em "Motel Destino", embora não seja um tema central, também trata da violência contra as mulheres.
É um assunto que não tem como não ser relevante num país que mata uma mulher a cada seis horas. Sempre tive uma empatia muito grande com a posição do feminino por razões diversas, mas tinha poucas vezes adentrado o lugar da construção deste homem tóxico, como [a personagem] Elias [protagonizada por Fábio Assunção]. Mas neste filme, tentei fazer o que nunca tinha de facto feito antes, que é uma espécie de anatomia do macho, uma anatomia do patriarcado através do personagem machista.
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