Michael Gambon faleceu aos 82 anos, anunciou a sua família esta quinta-feira.
Citando um comunicado da família, a BBC noticia que morreu em consequência de uma pneumonia, num hospital, não tendo sido indicada a localidade.
O comunicado vem em nome da esposa e o filho Fergus Gambon, um leiloeiro que faz parte do programa "Antiques Roadshow", mas apesar de discrição sobre a vida pessoal, sabe-se que o ator dividia o seu tempo entre duas famílias: vivia tanto com Lady Gambon (Anne Miller), uma matemática com quem casou em 1962, numa casa de campo perto de Gravesend, em Kent, como com a designer Philippa Hart numa casa em Londres, 25 anos mais nova, que conheceu na rodagem de uma série e assumiu como companheira aos colegas durante a rodagem do filme "Gosford Park" em 2000. Da relação teve mais dois filhos, Tom e Will, agora com 16 e 14 anos.
O ator britânico ficou mundialmente conhecido por interpretar a personagem do professor Albus Dumbledore em seis dos oito filmes "Harry Potter" após a morte de Richard Harris.
O filho, o também ator Jared Harris, partilhou nas redes sociais: "Hilariante! Um ator brilhante. Vi-o nos palcos várias vezes e vive de forma inesquecível na minha memória. Ele ficou com o Dumbledore do meu pai, o que foi apropriado, já que ele substituiu [Marlon] Brando como o seu ator favorito".
Jason Isaacs, que foi Lucius Malfoy na sga, partilhou: "Morreu o magnífico Michael Gambon. Aprendi o que poderia ser representar com Michael em 'O Detetive Cantor' - complexo, vulnerável e totalmente humano. A maior emoção de estar nos filmes de Potter foi que ele sabia o meu nome e partilhou comigo o seu destemido e obsceno sentido de diversão”.
Nascido em Dublin a 19 de outubro de 1940, Michael John Gambon emigrou para a Inglaterra em 1945.
No início da década de 1960, foi contratado por uma companhia de teatro após escrever uma carta detalhada a um lendário empresário irlandês acompanhada por um currículo de feitos completamente imaginários, estreando-se profissionalmente com um papel muito secundário numa produção de "Otelo" em 1962.
Um ano mais tarde, um mau teste não impediu que fosse um dos novos atores recrutados por Laurence Olivier para a Royal National Theatre, onde permaneceu alguns anos com vários papéis secundários.
Neste período, faz a estreia discreta no grande ecrã com uma transposição da encenação de "Otelo" com Olivier em 1965, e no pequeno ecrã dois anos depois com uma adaptação para a BBC de "Muito Barulho por Nada", antes de ter mais destaque entre 1968 e 1970 na série histórica "The Borderers".
Em 1967, aconselhado pelo seu famoso mentor, junta-se à Birmingham Repertory Company para ganhar experiência, onde teve as primeiras oportunidades como protagonista em várias encenações das obras de Shakesperare, desde a favorita "Otelo" a "Macbeth" e Coriolanus". Passou por várias companhias antes de regressar à National Theatre com outro estatuto em meados da década de 1970.
A consagração nos palcos surgiu em 1980, numa produção de "A Vida de Galileu", de Bertolt Brecht, apresentando-se a partir daí regularmente com direito aos grandes papéis de Shakespeare, de Rei Lear a Otelo ou Marco António, mas também em encenações de Harold Pinter, Samuel Beckett, Arthur Miller, Alan Ayckbourn e David Hare, entre outros autores, venceu três prémios Olivier e tornando-se conhecido no meio como “O Grande Gambon”, título atribuído pelo colega Ralph Richardson.
Primeiros sucessos foram para televisão
Foi ainda na década de 1980 que surgiram dois dos trabalhos para televisão pelos quais ainda é muito recordado.
O primeiro foi como o protagonista a alucinar na cama de um hospital na adaptação da obra de Dennis Potter "O Detetive Cantor" em 1986, que lhe valeu o primeiro de quatro prémios BAFTA da Academia de Televisão Britânica.
O segundo foi pelo papel do Comissário Maigret em 12 episódios dos livros de Georges Simenon para uma aclamada série da ITV, entre 1992 e 1993.
No cinema, foi primeiro um ator de culto graças a um raro papel de maior protagonismo em "O Cozinheiro, o Ladrão, a sua Mulher e o Amante Dela"(198), uma comédia negra indefinível de Peter Greenaway ao lado da grande amiga Helen Mirren onde era o ladrão que se banqueteava num restaurante francês de Londres e se vingava da infidelidade da sua mulher.
A carreira no grande ecrã podia ter sido muito diferente se, à beira dos 30 anos, tivesse sido escolhido para ser James Bond após o fiasco de George Lazenby em "007 - Ao Serviço de Sua Majestade", de 1969, quando os produtores ainda não tinham convencido Sean Connery a regressar para mais um filme.
"Há muitos anos, quando era novo e tinha cabelo e era bastante magro, [o produtor] 'Cubby' Broccoli levou 10 atores do teatro para os entrevistar num escritório no West End e eu fui um deles. 'Não posso ser James Bond porque sou careca, tenho queixo duplo e seios de mulher.', disse-lhe. Ele respondeu: 'Sean Connery também. Por isso colocamos-lhe uma peruca e dois sacos de pele cheios de gelo atados ao peito antes de rodar quando está nu com as raparigas. Portanto, você podia fazê-lo bem.' E, depois, não me ofereceu o papel", recordaria muitos anos mais tarde.
Em vez disso, a popularidade junto do grande público chegaria com outra substituição, assumindo o papel do professor Albus Dumbledore a partir de 2004 e até ao fim da saga em 2011, após uma famosa recusa de Ian McKellen, por saber que não era aprovado por Richard Harris, que um dia comentara que ele, Derek Jacobi e Kenneth Branagh, eram atores "tecnicamente brilhantes, mas desapaixonados".
Gambon admitiu mais tarde que não era um grande desafio interpretativo: "Não existe realmente uma personagem, sou só eu! Eu com um guarda-roupa. Essencialmente estou a fazer de mim próprio".
"As Asas do Desejo" (1997), "O Informador" (1999), "A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça" (1999), "Gosford Park" (2001), "Ali G" (2002), "Um Peixe Fora de Água" (2004), "Layer Cake - Crime Organizado" (2004), "Amazing Grace (2006), "O Fantástico Senhor Raposo" (2009), "O Discurso do Rei" (2010), "Quarteto" (2012) e "Vitória & Abdul" (2017) foram outros filmes no currículo como secundário. A minissérie "Anjos na América" (2003) foi outro destaque.
Gambon, que anunciou em 2015 o adeus aos palcos por lhe ser cada vez mais difícil o trabalho de memorização, teve como últimos trabalhos o filme "Judy" (2019), onde Renée Zellweger ganhou um Óscar pela interpretação de Judy Garland, e a série de terror psicológico "Fortitude" (2015, com um regresso para o último episódio em 2018).
Em 1998, foi condecorado com o título de "Sir" pela rainha Isabel II pelo contributo para a indústria do entretenimento.
Menos conhecido é que o ator tirou o brevet de piloto, tinha uma coleção de armas e gostava de conduzir carros velozes, chegando a dar o nome a uma curva do circuito do programa de televisão Top Gear, na qual quase sofreu um acidente.
Após o anúncio da morte, Jeremy Clarkson, ex-apresentador do programa, afirmou que Gambon era um homem "extremamente divertido e um convidado incrível", numa mensagem na rede social X (antes Twitter).
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