Morreu esta segunda-feira de manhã na sua casa em Nova Iorque, aos 93 anos, James Earl Jones, anunciaram os seus representantes à imprensa norte-americana.
O lendário ator foi a voz de Darth Vader na saga "Star Wars" e Mufasa em "O Rei Leão", mas a carreira versátil com seis décadas abarcou muito mais, no cinema, televisão e principalmente teatro.
Nascido a 17 de janeiro de 1931, Jones foi um dos poucos que almejou o "EGOT", o acrónimo para quem conquista os principais prémios da indústria de entretenimento nos EUA (ainda que um deles tenha sido simbólico): tem dois Emmy (televisão), um Grammy (música), um Óscar honorário (cinema) e três Tony (teatro), um deles honorário.
Era filho de Ruth Williams, uma professora, e Robert Earl Jones, um pugilista e a seguir um dos primeiros atores profissionais negros com carreira regular no cinema que, embora sem tanta fama como a que obteria o seu descendente, teve relativa proeminência desde o final dos anos 1930 até ao início dos anos 1990, com participações de destaque nos filmes "A Golpada" (1973) e "Cotton Club" (1984).
Mas os pais separaram-se antes de nascer (só conheceu o progenitor e fez as pazes muitos anos mais tarde) e foi viver com os avós maternos numa quinta no Michigan, uma mudança tão traumática que fez com que adquirisse uma gaguez que só ultrapassou no ensino secundário com a ajuda da poesia e representação.
Jones entrou na Universidade do estado, inicialmente para frequentar Medicina, ao mesmo tempo que ingressou no exército. Mais tarde, diria em entrevistas que se sentia integrado na estrutura do ambiente militar e da camaradagem, mas percebeu que não tinha vocação para ser médico e sabendo que, inevitavelmente, seria convocado para a Guerra da Coreia (1950-1953), preferiu focar-se em algo que gostava, o estudo de Teatro na Escola de Música, Teatro e Dança na mesma universidade. Acabou por ser chamado só após o fim do conflito e frequentou o curso básico de oficiais de infantaria e antes de ser dispensado, já tinha sido promovido a primeiro-tenente.
Os primeiros passou como ator ainda foram dados em 1953 em Michigan, mas mais tarde seguiu para Nova Iorque para estudar Teatro, sustentando-se a trabalhar como porteiro.
Em 1957, fez a estreia na Broadway como ator substituto e ao longo da década seguinte, tornou-se um dos nomes mais conhecidos dos palcos pelas peças de William Shakespeare, interpretando Hamlet, Otelo, Rei Lear e outras personagens. Foi ainda nesta fase que fez a estreia no cinema e não foi uma qualquer: foi o Tenente Lothar Zogg em "Dr. Estranhoamor", o clássico de Stanley Kubrick (1964).
Um outro papel como cirurgião e líder rebelde haitiano no filme "Os Comediantes" (1967), ao lado de Richard Burton e Elizabeth Taylor, antecedeu o primeiro prémio Tony (teatro) em 1969 pela interpretação de um talentoso, mas problemático pugilista em "The Great White Hope".
O sucesso foi de tal forma gigantesco que acabou por repetir na adaptação ao cinema em 1970, o que lhe valeu a única nomeação competitiva para o Óscar de Melhor Ator, apenas o segundo negro nomeado na categoria, a seguir a Sidney Poitier (vencedor da estatueta com "Os Lírios do Campo" em 1963).
A partir daí, Jones foi intercalando com mais frequência teatro, cinema e, mais perto do fim dos anos 1970, a televisão.
Foi nomeado pela segunda vez para os Globos de Ouro pela comédia romântica "Claudine - Corpo e Alma" (1974) e a fama internacional e imortalidade chegaram quando George Lucas o usou para dar voz a Darth Vader na trilogia "A Guerra das Estrelas" (1977-1983), que se tornou um fenómeno instantâneo tanto nas bilheteiras como na cultura popular.
Ainda em 1977, ganhou o seu único Grammy com a narração de "Great American Documents".
O segundo Tony competitivo chegou com a peça "Vedações" em 1987, numa altura em que já era um ator secundário de prestígio no cinema servido com aquela inconfundível voz, em filmes com mais ou menos sucesso e tão diversos como "Conan e os Bárbaros" (1982), "Jardins de Pedra" (1987) ou "Matewan" (1987) e, infelizmente, nesse fracasso chamado "O Exorcista II: O Herege" (1977).
Continuaria a passear classe no grande ecrã em títulos como "Um Príncipe em Nova Iorque" (1988), "Campo de Sonhos" (1989), "Os Três Fugitivos" (1989), "Caça ao Outubro Vermelho" (1990), "Jogos de Poder - O Atentado" (1992), "Heróis Por Acaso" (1992), "The Sandlot" (1993), "Jefferson em Paris"(1995) ou, após uma longa ausência, "Bem-Vindo a Casa Roscoe Jenkins" (2008).
A sua voz também se ouviu na CNN entre o final dos anos 1980 e o início do século XXI, mas foi em 1994 que chegou outro grande momento na carreira no cinema, como a voz de Mufasa, o pai de Simba, no mega sucesso que foi a animação "O Rei Leão". Um trabalho com um impacto tão grande que foi o único a regressar para o mesmo papel na versão fotorrealista da Disney, 25 anos mais tarde.
Ainda no início da década de 1990, intensificou o trabalho em televisão, em séries e principalmente telefilmes. Na cerimónia dos Emmy de 1991 ganhou dois prémios, como Melhor Ator em Série de Drama como "Gabriel's Fire" e Ator Secundário pelo telefilme "Onda de Violência" (1990).
Já considerado um dos grandes e mais versáteis atores do teatro e cinema norte-americanos, consagrado com várias homenagens, o ritmo diminuiu no século XXI e o cinema e a televisão perderam para o teatro, destacando-se em trabalhos nos palcos com parceiras como Phylicia Rashad, Angela Lansbury, Annaleigh Ashford ou Cicely Tyson.
A última aparição num filme foi um regresso a uma personagem que descreveu como uma das "mais divertidas e icónicas" que teve o "prazer de representar": a do Rei Joffer, o pai de Eddie Murphy, na sequela de 2021 para a Amazon Prime Video de "Um Príncipe em Nova Iorque".
Apesar da sequência de "O Príncipe Volta a Nova Iorque" estar envolvida numa grande festa, a sua idade avançada levou a que fosse gravada em separado dos outros atores e integrada no conjunto graças à magia do cinema. E é impossível ignorar o momento: com sentido do dever cumprido, anunciava ao filho que vai morrer.
No final de setembro de 2022, Jones voltou outra vez às notícias: ficou a saber-se que não voltaria a gravar novos diálogos como Darth Vader depois de uma frase usada para "Star Wars: Episódio IX - A Ascensão de Skywalker" (2019).
No entanto, uma reportagem da Vanity Fair dava conta que a voz se alterara com a idade e se reformara do papel, mas a sua voz voltou a ouvir-se, com a imponência majestática de sempre, na minisérie "Obi-Wan Kenobi" (2022). Afinal, Jones cedera os direitos para que as gravações de arquivo continuassem a ser usadas para manter Vader vivo, com a ajuda, ironicamente, de um programa de Inteligência Artificial desenvolvido por uma 'start-up' da Ucrânia.
Matthew Wood, um veterano na edição de som na Lucasfilm, descreveu a colaboração do ator como a de um "padrinho generoso" que, informado sobre os planos do estúdio para a sombria personagem na minissérie, se manteve envolvido no processo de aperfeiçoar artificialmente a sua voz, dando conselhos para orientar a "interpretação". E, assim, garantindo literalmente que a sua voz continuará viva no futuro, seja no grande ou pequeno ecrã, sempre que a Disney quiser...
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