O realizador francês Claude Lanzmann morreu aos 92 anos esta quinta-feira (5), revelou o jornal Le Monde e anunciou posteriormente a editora Gallimard.
"Lanzmann faleceu esta manhã na sua residência. Estava com a saúde muito, muito frágil há vários dias", afirmou uma porta-voz.
Amigo de Jean-Paul Sartre, companheiro de Simone de Beauvoir, foi um defensor incansável da causa de Israel. O seu nome estará para sempre associado a "Shoah" (palavra hebraica para “catástrofe”), documentário com nove horas que resultou de 11 anos de produção sobre o Holocausto onde, sem nunca mostrar imagens de arquivo, Lanzmann entrevistava sobreviventes, testemunhas e também nazis durante visitas aos símbolos da "Solução Final" na Polónia, incluindo os campos de extermínio.
Simone de Beauvoir descreveu o trabalho como uma obra-prima. Marcel Ophüls, ele próprio realizador do aclamado "Tristeza e Compaixão" (1969), sobre a colaboração francesa com o regime francês de Vichy apoiante da Alemanha nazi, considerou-o "o maior documentário alguma vez feito sobre história contemporânea".
O vespertino francês classificou-o como “um cineasta maior, um dos que marcarão para sempre a história do cinema, mas foi também escritor, jornalista, filósofo, diretor [da revista] Temps Modernes, amigo de Sartre, companheiro de Simone de Beauvoir”.
“Morrer não tem nada de grande. É o fim da possibilidade de ser grande, pelo contrário. A impossibilidade de toda a possibilidade”, afirmou ao Le Monde em 2015, quando assinalou 90 anos de vida.
No ano passado, ficou profundamente abalado pela morte do seu filho Félix, de 23 anos, vítima segundo ele de um "cancro sem piedade".
"A morte não é evidente. Não defendo em nada a morte. Continuo acreditando na vida. Amo a vida com loucura, apesar de, na maioria das vezes, não ser divertida", disse Lanzmann mais recentemente à agência AFP.
O realizador declarava-se um resistente e combatente a favor da verdade.
"Quando vejo o que fiz ao longo da minha vida, acredito que encarnei a verdade. Nunca brinquei com isto", afirmou.
Lanzmann nasceu na capital francesa em 27 de novembro de 1925, no seio de uma família secular judaica, que assistiu à chegada ao poder de Adolf Hitler na vizinha Alemanha. Segundo a biografia disponibilizada pela Enciclopédia Britânica, toda a sua família sobreviveu à Segunda Guerra Mundial.
Membro da Resistência, foi estudar filosofia para a cidade alemã de Tubinga após o final do conflito e começou a dar aulas na Universidade Livre de Berlim, onde se iniciou no jornalismo para o Le Monde.
No seu livro de memórias, "Le Lièvre de Patagonie" [A lebre da Patagónia, em tradução livre] (2009) conta como, quando era criança, no liceu Condorcet em Paris, descobriu o antissemitismo. Longe de se glorificar, lembra-se de não ter defendido, "por cobardia", "um grande ruivo" chamado Lévy, alvo de alunos antissemitas.
Por que evocar esse episódio pouco honroso? "Porque é a verdade. Se eu não tivesse dito isso, teria falsificado todo resto", explicou.
"Quem me curou e me livrou da vergonha [de ser judeu], fazendo-me entender o que aconteceu, chama-se Jean-Paul Sartre", confidencia.
O seu encontro com Sartre foi decisivo. Depois da guerra, ele entra na redação da "Temps Modernes", a revista criada pelo filósofo, onde encontra Simone de Beauvoir, com quem viverá uma tórrida história de amor e viveu entre 1952 e 1959,
Claude Lanzmann fez parte de todos os grandes combates do pós-guerra, sobretudo, a favor da independência dos países colonizados. Também será um defensor incondicional de Israel, vendo no antissionismo "uma das máscaras do antissemitismo".
Com "O Último dos Injustos" (2013) e 220 minutos, Lanzmann regressou ao Holocausto, revelando como nunca antes a génese da solução final, desmascando ao mesmo tempo o verdadeiro rosto do seu arquiteto, Adolf Eichmann, e desvendando as contradições do Conselho Judeu.
No centro estavam as entrevistas que fez em 1975 a Benjamin Murmelstein, Rabino em Viena e o último Presidente do Conselho Judeu do gueto de Theresienstadt, que lutou com unhas e dentes com Eichmann, semana após semana, durante sete anos, conseguindo fazer com que 121 mil judeus emigrassem e evitando a liquidação do gueto.
O tom minucioso de Claude Lanzmann já estava presente no seu primeiro trabalho, "Pourquoi Israel", com 185 minutos, sobre a vida no estado hebraico 25 anos após a sua criação.
De facto, Israel e o Holocausto dominaram a sua vida e carreira: "Tsahal" (1994) era sobre as forças armadas israelitas; "Un vivant qui passe" (1999) era uma entrevista a um responsável suíço da Cruz Vermelha que escreveu um relatório favorável sobre Theresienstadt, um gueto" judaixo exemplar que era, afinal, um campo de extermínio; "Sobibór, 14 octobre 1943, 16 heures" (2001) relatava a revolta dos prioneiros no campo de concentração de Sobibor em 1943.
Questionado sobre a relação de Israel com a violência, dado o passado do povo judeu e no contexto do filme que realizou sobre o exército israelita – “Tsahal” –, Lanzmann respondeu a um jornalista britânico que “há verdadeira integridade neste exército”, sem que se tratasse “apenas da sobrevivência de Israel, mas sim da singularidade do destino do país”. E da noção de que o conflito "não tem fim à vista".
Em sequência nesta conversa, Lanzmann pergunta ao jornalista se ele era contra o estado de Israel, dando o exemplo do pianista e maestro israelo-argentino Daniel Barenboim, “que é contra o estado de Israel”.
Vencedor de um Urso de Ouro honorário em Berlim, em 2013, e de um prémio César honorário, em 1986, Lanzmann venceu vários outros galardões com “Shoah”, que dizia ser a palavra adequada para o que se chama Holocausto.
O seu último trabalho foi "Napalm", um "filme intimista" que relata uma viagem em 1958 a Pyongyang, Coreia do Norte.
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Num livro-homenagem publicado pela Gallimard no último ano, "Claude Lanzmann, un voyant dans le siècle", o professor Didier Sicard, ex-presidente do Comité consultivo nacional de ética, considera que o cineasta marcou tanto a história do cinema quanto a do extermínio do povo judeu, "ao qual ele deu a sepultura que lhe faltava".
"Tinha por ele uma admiração sem limites. Claude era um monstro sagrado, um gigante da literatura, um monumento de múltiplas facetas que contou com paixão e verdade a história do século XX", reagiu o ex-ministro da Cultura Jack Lang.
"Era um valente (...) e um homem bom", afirmou o filósofo Bernard-Henri Levy, com quem teve, eventualmente, relações conflituosas.
Claude Lanzmann foi "este homem inacreditável que ofereceu ao mundo a palavra 'Shoah' para dizer o indizível", disse o grande rabi da França Haïm Korsia.
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