O realizador português Miguel Gomes foi distinguido com o prémio de Melhor Realização no Festival de Cannes, pelo filme "Grand Tour", atribuído pelo júri presidido pela atriz e realizadora Greta Gerwig.
É um momento histórico para o cinema português, e o cineasta reconheceu o facto, assinalando que poucas vezes a Sétima Arte nacional esteve em competição em Cannes e reconhecendo a dívida que tem para os mestres do cinema nacional, como Manoel de Oliveira.
Recebendo o galardão das mãos de Wim Wenders, reconheceu também que um realizador não faz nada sem a sua equipa, que convidou a subir ao palco para com ele partilhar o prémio, numa pequena quebra do protocolo habitual da cerimónia.
"Grand Tour", produzido pela Uma Pedra no Sapato, foi o primeiro filme de um realizador português na principal secção competitiva do festival de Cannes desde "Juventude em Marcha", de Pedro Costa, em 2006.
Rodado em Lisboa e Roma (Itália), com várias paragens da Ásia, o filme protagonizado por Crista Alfaiate e Gonçalo Waddington acompanha "os noivos Edward e Molly, em 1918, da Birmânia à China, numa viagem emocional e física, ligando o Oriente e o Ocidente, género e sexo, tempo e espaço, realidade e ficção, mundo e cinema", lê-se na sinopse a partir do argumento assinado por Gomes, Mariana Ricardo, Telmo Churro e Maureen Fazendeiro.
O português Daniel Soares venceu também uma menção especial no Festival de Cinema de Cannes, em França, com a curta-metragem "Mau por um Momento", que estava integrada na competição oficial, anunciou o júri. O filme tem produção de O Som e a Fúria e de Kid With a Bike e o elenco integra João Villas Boas, Ana Vilaça, Isac Graça, Cláudia Jardim, João Patrício, entre outros.
“Um evento de 'team-building' corre mal e obriga o dono de um atelier de arquitetura a encarar a realidade do bairro popular que a sua empresa está a gentrificar”, refere a sinopse do filme.
“The Man Who Could Not Remain Silent,” Nebojša Slijepčević venceu a Palma de Ouro para curta-metragem, também conquistada em 2009 pelo português "Arena", de João Salaviza.
A Palma de Ouro para Sean Baker
A comédia ácida "Anora", do norte-americano Sean Baker, venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes. O filme narra o relacionamento entre uma stripper de Nova Iorque e o filho de um oligarca russo, que casam por capricho em Las Vegas, o que desperta a fúria das suas famílias.
O realizador norte-americano de filmes independentes como "The Florida Project" e "Tangerine" dedicou o galardão a “todos os trabalhadores do sexo, do passado, do presente e do futuro" e fez um importante elogio à experiência de ver o cinema numa sala: "O mundo tem de ser lembrado que ver um filme em casa, enquanto se faz "scroll" no telemóvel... não é a forma certa. Ver um filme com outras pessoas numa sala de cinema é uma das grandes experiências de comunidade. Por isso eu digo que o futuro do cinema está onde ele começou: numa sala de cinema".
A cineasta indiana Payal Kapadia conseguiu que o seu muito elogiado "All We Imagine as Light" arrebatasse o Grande Prémio do Festival.
Foi o primeiro filme da Índia em 30 anos na corrida à Palma de Ouro, um retrato poético de duas mulheres que migraram para a cidade de Bombaim para trabalhar como enfermeiras, que representa o nicho mais "art-house" da imensa indústria do cinema indiano.
Os prémios de representação
O troféu de Melhor Atriz foi atribuído não a uma, mas a quatro intérpretes: Adriana Paz, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez e Zoe Saldaña pelo filme "Emilia Perez", um dos mais elogiados do festival, um musical trans passado no México e realizado por Jacques Audiard (já vencedor em 2015 da Palma de Ouro por "Dheepan"), sobre um chefe do narcotráfico que quer mudar de vida e de sexo, com uma banda sonora com reggaeton, melodias clássicas e mariachis.
O galardão de Melhor Ator foi para Jesse Plemons pelo mais recente filme de Yorgos Lanthimos, "Kinds of Kindness", uma fábula surrealista com três histórias, em que o ator interpreta um homem de negócios submisso, um polícia de luto e um bissexual membro de um culto, em contracena com Emma Stone, Willem Dafoe e Margaret Qualley.
O festival atribuiu um prémio especial ao filme "The Seed of the Sacred Fig" ["A Semente do Figo Sagrado", em tradução literal] e ao realizador iraniano Mohammad Rasoulof, muitíssimo aplaudido de pé, que fugiu do Irão após ter sido condenado a cinco anos de prisão e a receber chibatadas pelo seu filme anterior que, como toda a sua obra, é uma visão do país dos aiatolás que entra em choque com o regime.
O cineasta esteve presente no evento e o seu filme conta a história de um juiz iraniano que se torna paranoico e passa a desconfiar da sua própria esposa e filhas durante os protestos em Teerão. O filme já tinha também recebido o prémio FIPRESCI, da crítica internacional, e o prémio do Júri Ecuménico.
"The Substance", um dos filmes mais falados do festival, recebeu o galardão de Melhor Argumento, para a francesa Coralie Fargeat, que também realizou esta polémica obra em toada de "body horror", que valeu os mais rasgados elogios à corajosa interpretação de Demi Moore, no papel de uma "has been", uma atriz consagrada vencedora de um Óscar transformada em estrela do fitness da TV, que usa a substância do título para produzir um alter ego que é uma versão mais jovem e bonita de si mesma.
A Camera d'Or, atribuída a uma primeira obra, foi entregue ao norueguês "Armand", de Halfdan Ullmann Tøndel (neto do cineasta Ingmar Bergman e da atriz e realizadora Liv Ullmann), cuja história gira em redor de uma suposta luta entre dois rapazes de seis anos e ao processo que os pais e a escola estabelecem para esclarecer o que aconteceu.
O jurí da competição principal foi presidido pela atriz e realizadora Greta Gerwig ("Barbie") e composto por Ebru Ceylan, Lily Gladstone, Eva Green, Nadine Labaki, J.A. Bayona, Pierfrancesco Favino, Hirokazu Kore-eda e Omar Sy.
A 77.ª edição do Festival de Cannes arrancou a 14 de maio e atribuiu Palmas de Ouro honorárias a Meryl Streep, ao Studio Ghibli e ao realizador George Lucas, entregue na cerimónia de encerramento pelo seu amigo de longa data Francis Ford Coppola, que marcou o evento com o seu muito aguardado "Megalopolis", um regresso a uma competição que já lhe valera duas Palmas de Ouro na década de 70, por "O Vigilante" e "Apocalypse Now". Outros históricos do cinema com filmes na competição oficial foram Paul Schrader ("Oh, Canada") e David Cronenberg ("The Shrouds").
Portugal marcou ainda presença em Cannes na Quinzena dos Realizadores, com a longa-metragem “A Savana e a Montanha”, de Paulo Carneiro, e as curtas “Quando a terra foge”, de Frederico Lobo, e “O Jardim em Movimento”, de Inês Lima. Na Semana da Crítica estreou-se “As Minhas Sensações são tudo o que tenho para Oferecer”, de Isadora Neves Marques. Houve ainda a assinalar duas coproduções portuguesas no festival: “Miséricorde”, de Alain Guiraudie, coprodução pela Rosa Filmes, de Joaquim Sapinho, e “Algo viejo, algo neuvo, algo prestado”, de Hermán Rosselli, com a Oublaum Filmes, de Ico Costa.
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