O cineasta mexicano Michel Franco capta um dos seus piores medos em "Memory", um drama envolvente que aborda a demência, com Jessica Chastain e Peter Sarsgaard no elenco, apresentado esta sexta-feira durante o Festival de Veneza.
"Um dos meus maiores medos é perder a cabeça. Daí o interesse em explorar a demência", explicou em entrevista à France-Presse antes de apresentar o seu filme - escrito e produzido por ele mesmo, tal como todos os seus trabalhos anteriores.
Chastain interpreta uma enfermeira solteira e ansiosa que comparece a um encontro de antigos alunos do ensino secundário. A sua vida sofre uma reviravolta quando, à saída, um homem (Peter Sarsgaard) a segue até dcasa.
Nas últimas duas décadas, Franco explorou temas comuns como a maternidade - "As Filhas de Abril" -, as relações sociais no México - "Nova Ordem" - ou as doenças terminais - "Chronic" -, a partir de pontos de vista suficientemente angustiantes para desequilibrar o espectador.
No entanto, ele faz a ressalva que os seus filmes não nascem a partir de temas.
"‘Chronic’ [2015] saiu porque vi a enfermeira que trabalhava com a minha avó, ela estava ali à minha frente todos os dias", conta.
Em "Memory", a primeira coisa que o cineasta mexicano pensou "foi o momento em que, ao final de uma reunião de antigos alunos, uma personagem segue a outra. Não saberia dizer o motivo nem quem eram. Mas isso foi a primeira coisa que me ocorreu".
Franco, de 44 anos, foi vencedor do Grande Prémio do Júri de 2020 em Veneza, com "Nova Ordem".
O seu último lançamento não aborda apenas a questão da demência na meia-idade, mas temas como o incesto e a solidão na sociedade americana.
O filme possui diálogos precisos e conta com planos e detalhes visuais que dispensam palavras.
"Há cenas como o confronto familiar em que o diálogo é fundamental e não havia outra forma de resolver. Mas tudo o que posso fazer sem o diálogo, melhor. A regra é 'menos é mais'", detalhou.
Evitar lugares comuns
Franco destaca-se porque as suas personagens se afastam dos lugares comuns.
Em "As Filhas de Abril" (2017), a atriz espanhola Emma Suárez interpreta uma mãe que vai ajudar a sua filha adolescente grávida, mas causa um dano irreparável.
Num período de reivindicação da força das mulheres, o tema da mãe monstruosa reaparece em "Memory".
"Não sei qual a percentagem de pais que fracassam. Fazem um péssimo trabalho, mas é uma percentagem, não sei se é a maioria...", refletiu Franco.
"Mas tento não vê-los como vilões porque dessa forma fica desinteressante", acrescentou.
"Interessam-me pessoas com falhas, que ainda não terminaram de se inventar. Pessoas com inseguranças, com medos, dão-me mais confiança do que aquelas que acham que sabem tudo", notou.
O cinema de autor de Franco atraiu estrelas mexicanas e de Hollywood, um lugar onde ele espera nunca trabalhar.
"Nunca trabalharia em Hollywood", diz enfaticamente.
E reforça: "Nunca trabalharia para um estúdio onde não tivesse a versão final do meu filme".
"Onde me sinto confortável é na Cidade do México. Há menos regras. O que é muito interessante nos EUA são os atores. No México há bons atores, mas as grandes ligas estão em Nova Iorque, em Los Angeles", explicou.
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