Na sua primeira longa-metragem, "Levante", apresentada em Cannes, a realizadora brasileira Lillah Halla expõe o delicado tema do aborto no país e a opção de muitas jovens por fazê-lo no Uruguai.
Sofia, uma jovem jogadora de vólei, engravida. Os seus planos de continuar a sua carreira no estrangeiro ficam ameaçados e decide fazer um aborto. Para isso, viaja ao Uruguai, onde o procedimento está legalizado desde 2012. Para seguir em frente, Sofia precisa dividir a sua decisão pessoal com a equipa.
Lillah Halla levou sete anos para escrever o argumento e para reunir o financiamento para rodar o filme, o que conseguiu há um ano.
Questionada pela France-Presse sobre esse longo processo, Halla enumera: "porque é um filme latino-americano; por ser o primeiro filme; e porque é a primeira 'viagem' de uma produtora".
Enfrentar o conservadorismo
"Levante" foi apresentado na noite de terça-feira na "Semana da Crítica" do 76.º Festival de Cannes, onde Halla concorreu em 2019 com a sua curta-metragem "Menarca".
A interrupção voluntária da gravidez no Brasil só é permitida em caso de risco para a vida da mulher ou se for resultado de uma violação. Também há toda uma campanha religiosa em atividade, inclusive com falsas clínicas, para tentar dissuadir as mulheres que desejam abortar, explica Halla.
"As armadilhas existem. Ainda que intencionalmente não use as palavras evangélico ou religioso porque é uma violência moral que está incorporada a fanatismos distintos" acrescenta.
Sofia joga numa equipa com outras jovens mulheres e transsexuais, a sua verdadeira família além do seu pai, que também a apoia.
"O que a treinadora criou ali é um ambiente seguro que se reflete de alguma forma no filme. E assim como a equipa de Sofia enfrenta uma onda de conservadorismo, nós também a enfrentamos", explica.
Para Halla, o cinema é uma ferramenta política.
"É uma possibilidade de, por um lado, retratar, documentar um momento histórico, e por outro, de criar espaço e imaginar o futuro", explica.
"Levante" é um filme com tom realista e um elenco de jovens atores amadores.
Fazer um filme é um processo totalmente coletivo, garante a sua realizadora.
"Ainda que não seja fácil fugir de um modelo muito centralizado na figura da realização, em certezas e não em processos, não concebo fazê-lo de outra maneira, embora possa. Não é fácil encontrar as pessoas que trabalham bem de maneira coletiva", indica.
"É como uma partida [de vólei]: há estratégias coletivas para pensar em equipa", explica.
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