“Todos os planos estiveram em cima da mesa. Aliás, continuam!”, revelou ao SAPO Mag Carlos Ramos, um dos diretores e programadores da 17ª edição do Indielisboa, referindo-se às dificuldades de erguer mais um festival sob as ameaças da pandemia.
Uma edição online à semelhança de outros grandes festivais como Locarno, Visions Du Réel e FID Marselha, sempre fora considerado um cenário improvável, até porque, refere este responsável, “o festival é uma experiência física e coletiva”.
Entre as opções de adiar e cancelar postas em cima da mesa, todas as “forças foram depositadas no adiamento” de 30 de abril a 10 de maio para 25 de agosto a 5 de setembro.
“Ao contrário de muitos festivais que foram apanhados de surpresa por esta situação, nós tivemos um mês e meio para arranjar soluções e alternativas. Nessa altura, tínhamos a programação fechada e uma vontade de mostrar esses filmes em sala”, recorda.
“Neste contexto de pandemia, vamos ser um dos primeiros grandes festivais e eventos, mesmo comparando com ‘lá fora’. Por isso, não temos nenhuma referência nem comparação. As principais dificuldades prendem-se em tomar decisões com base em regras que estão a mudar de semana a semana. Conforme seja o resultado, poderemos vir a ser um exemplo para outros festivais”, destaca o programador.
“Vamos ter convidados, não tantos como um ano ‘normal’, mas vamos ter convidados”, garante.
Apesar de “o festival sempre ter apostado nisso”, assegura-nos Carlos Ramos, uma das grandes novidades do Indielisboa é o cinema ao ar livre, contando com duas “salas” - o Capitólio (o terraço do edifício albergará uma sessão por dia) e a esplanada da Cinemateca (que reabrirá em consolidação com o festival), onde serão exibidas, principalmente, as cópias de 35 mm das retrospetivas.
Mesmo face a estes novos tempos, as principais sessões encontram-se intactas e o festival continuará o seu percurso “em procurar novas vozes e novos autores, principalmente na Competição Internacional”.
Já na Competição nacional, o Indielisboa não descurou o contingente português, conseguindo, com as adversidades conhecidas no setor, um número impressionante de obras. Por entre as curtas selecionadas para outros festivais de prestígio, há espaço para a descoberta de novas propostas ou de, por fim, a chegada de títulos premiados, com destaque óbvio para “A Metamorfose dos Pássaros”, de Catarina Vasconcelos, reconhecido em fevereiro no Festival de Berlim.
Mas o principal destaque estará nas duas retrospetivas e no especial foco do espaço Silvestre, “para que fosse possível criar um unidade concetual de programação, sendo que um olhar muito importante e grande para África”: Carlos Ramos recorda Ousmane Sembène, cineasta senegalês que foi uma das mais relevantes vozes do continente no Cinema.
“Considerado por muitos, o ‘pai’ do cinema africano […] usou o cinema como um instrumento de descolonização. O Indielisboa terá uma retrospetiva integral da sua obra”, destaca.
Quanto à segunda retrospetiva, que “entra em diálogo com a de Sembene, é a comemoração dos 50 anos do Fórum da Berlinale […] Tendo começado em ‘71, o que vamos fazer é mostrar um conjunto de filmes que foram exibidas nesse primeiro ano. São obras ativistas, preocupadas com as lutas e convulsões da época, abordando temas como o colonialismo, racismo, luta das mulheres e homossexualidade”, descreve.
Serão exibidos filmes como “Angela – Portrait of a Revolutionary”, de Yolande du Luart, sobre a ativista Angela Davis; a obra-prima “W.R. - Mysteries of the Organism”, de Dusan Makavejev; “It Is Not the Homosexual Who Is Perverse, But the Society in Which He Lives”, de Rosa von Praunheim; e ainda dois trabalhos do cineasta mauritano Med Hondo, incluindo a longa-metragem “Soleil Ô”.
Também haverá um foco na carreira de Mati Diop, atriz e realizadora que se tornou em 2019 na primeira cineasta negra a competir no Festival de Cannes com “Atlantique”.
“Não é uma realizadora que cai aqui de 'paraquedas' porque o Indielisboa sempre acompanhou o trabalho dela, nomeadamente as curtas. Inclusive venceu o Grande Prémio da curta-metragem em 2014 com ‘Mille Soleils’”, ressalva Carlos Ramos.
Mas as novidades não acabam por aqui: o programador revela que o Indielisboa terá um espaço novo, em parceria com a 5L, que funcionará como festival literário e promovido com a Câmara Municipal, com a projeção de cinco obras que representam a força da adaptação na grande tela, como “Francisca”, uma das obras maiores de Manoel de Oliveira, e “O Menino Selvagem”, de François Truffaut.
O 17º Indielisboa arrancará com a estreia nacional de “La Femme de Mon Frère”, a primeira longa-metragem dirigida pela atriz canadiana Mona Chokri (conhecida pelos filmes do conterrâneo Xavier Dolan), que abriu a secção Un Certain Regard do Festival de Cannes em 2019.
Já a cerimónia de encerramento estará a cargo de “Um Animal Amarelo”, de Felipe Bragança, que conta com os desempenhos de Isabél Zuaa e Catarina Wallenstein.
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