A aventura tem um nome e, 15 anos depois do último filme, está de volta: Indiana Jones.

Fruto da imaginação de George Lucas com Philip Kaufman e Lawrence Kasdan, foi há 42 anos que chegou aos cinemas "Os Salteadores da Arca Perdida" (1981), fazendo do arqueólogo caçador de relíquaias que detesta nazis e cobras uma das personagens mais famosas e amadas da história do cinema.

Seguiram-se "Indiana Jones e o Templo Perdido" (1984), "Indiana Jones e a Grande Cruzada" (1989), "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" (2008) e, após muitos anos de promessas, avanços e recuos, o recuo de última hora de Steven Spielberg em voltar para ser o realizador e até uma pandemia, chega este semana ao grande ecrã o quinto filme: "Indiana Jones e Marcador do Destino".

James Mangold foi o escolhido para estar atrás das câmaras, mas novamente com uma banda sonora inspirada do lendário John Williams, já com 90 anos, finalmente Harrison Ford está de volta para aquela que é, assumidamente, uma última aventura.

"Sempre quis terminar a história vendo-o no final da sua carreira, até mesmo no final da sua vida. E tínhamos um argumento muito bom que o Jim [James Mangold] e seus co argumentistas criaram, e isso foi o incentivo para continuar com o projeto. Fiquei muito entusiasmado quando li o argumento [...]. Portanto, para mim não havia uma barreira para contar outro capítulo da sua história. Tinha essa ambição", explicou o lendário ator durante uma conferência de imprensa virtual ao lado do realizador e dos colegas Phoebe Waller-Bridge e Mads Mikkelsen onde participou o SAPO Mag.

Mads Mikkelsen, Harrison Ford, o realizador James Mangold e Phoebe Waller-Bridge na antestreia em Los Angeles no Dolby Theater a 14 de junho

Com 79 anos na altura da rodagem, Ford interpreta um doutor Henry "Indiana" Jones (ou "Junior", como lhe chamava o progenitor, interpretado de forma memorável por Sean Connery em "A Grande Cruzada") necessariamente diferente neste reencontro no cinema e num tempo que já não parece ser o seu, em que os EUA estão numa crise de identidade, dominados pela corrida espacial com a União Soviética para chegar primeiro à Lua, os protestos contra a Guerra do Vietname, a ascensão do movimento 'hippie' e por aí adiante...

Aliás, questionado sobre as forças e fraquezas da personagem que tão bem conhece, o ator mostra-se menos interessado em falar sobre as primeiras, recordando que foram apresentadas ao longo de quatro filmes, e reforça que "agora estamos a entrar numa nova fase da sua vida".

"E estamos a vê-lo depois de uma ausência de 15 anos. Envelheceu um pouco. Está a reformar-se. Vamos encontrá-lo no último dia da vida académica, o que para ele não tem sido inspirador. Portanto, acho que o encontramos num ponto baixo, como nunca o vimos antes. Mas acho que, dramaticamente, funciona muito bem porque, naquele momento, também apresentamos Phoebe como a personagem que realmente estimula a história que está a acontecer. Suponho que a sua fraqueza seja a devastação do tempo", nota sobre aquela que será a sua interpretação mais vulnerável e corajosa da personagem.

A atriz britânica (e a criadora de “Fleabag”) interpreta Helena Shaw, a afilhada inteligente, autossuficiente, destemida, imprevisível e de caráter dúbio que contacta "Indy" ao fim de muitos anos de afastamento em busca de pistas para encontrar o Marcador do Destino, um artefacto construído por Arquimedes que, supostamente, tem o poder de localizar fissuras no tempo (em linguagem cinematográfica, o "MacGuffin" que serve de pretexto para a nova aventura).

"Acho que ela é a pessoa certa para entrar na sua vida neste momento porque parece que ele está num beco sem saída emocional. [...] E também acho que ele está a viver agora numa época em que o foco mudou. As pessoas estão a olhar para o futuro. As pessoas estão a olhar para a Lua. E não há tanta paixão por aquilo que o apaixona. E quando ela chega, não só traz uma brisa de alegria do seu passado [...], traz uma paixão pela arqueologia. Traz uma paixão pela aventura e penso que isso o entusiasma outra vez. E acho que ela é muito inteligente por fazer isso porque realmente tem a sua própria agenda nefasta, é claro", destaca a atriz sobre Helena, revelando que tanto a sua inspiração como a do realizador foram as personagens independentes e de ambiguidade moral interpretadas por Barbara Stanwyck na era clássica de Hollywood.

Assumido que o tempo passou por Indiana Jones e por Harrison Ford, não diminuiu a atração da saga pelos seus vilões de eleição: os nazis.

De facto, a história arranca com um prólogo em 1944 (com Ford rejuvenescido graças à tecnologia) que introduz o vilão Jürgen Voller (Mads Mikkelsen) e a busca pelo Marcador do Destino, antes de avançar para 1969, onde descobrimos que o antigo nazi foi recrutado para o programa espacial da NASA mas nem por isso abandonou os seus ideais: ele não olhará a meios para encontrar e controlar o artefacto que lhe permitirá "corrigir" alguns erros estratégicos de Hitler e mudar o curso da História a favor do Terceiro Reich.

"Não é a minha primeira saga [...]. Mas é a primeira com a qual cresci. Menti em todas as outras entrevistas quando fiz Bond ["007 - Casino Royale"] e 'Star Wars' ['Rogue One']. Sempre disse que as vi, mas não vi", reconhece o ator dinamarquês de 57 anos ao descrever como foi especial entrar no universo "Indiana Jones".

"Normalmente o meu irmão tinha sempre uma namorada que trabalhava algures num cinema, mas não nesta altura, portanto tivemos de alugar o filme ['Os Salteadores da Arca Perdida']. Alugámos com outros cinco filmes e acabámos por vê-lo cinco vezes e não os outros. É verdadeiro dizer que isto mudou a nossa geração. Tenho muitos amigos que são, especificamente, realizadores de cinema que começaram por causa daquele filme. Portanto, obviamente, ali sentado, quando era miúdo e só a querer ser ele [Indiana Jones] ou estar ali e sem de todo estar a pensar em ser ator, é uma grande honra, 42 anos depois, fazer parte deste mundo", nota.

Sem surpresa, Mads Mikkelsen elege Indiana Jones como a personagem preferida da saga e recorda a icónica cena do primeiro filme em que surge um homem a brandir ameaçadoramente um sabre e, quando se espera uma grande luta, o arquélogo decide simplesmente dar-lhe um tiro: "Todos queríamos ser o Indy. Ainda queremos sê-lo. As coisas são o que são".

Depois de Spielberg, um novo realizador para fechar a saga

Ford e Spielberg na rodagem de "Indiana Jones e o Templo Perdido"

No final de fevereiro de 2020, surgiu uma surpresa: após 39 anos e quatro filmes, Steven Spielberg desistira de fazer o próximo “Indiana Jones".

Fontes próximas indicaram que a decisão foi inteiramente da responsabilidade do próprio cineasta, com o propósito de passar a saga a uma nova geração para trazer a sua perspetiva à história (curiosamente, essa necessidade de renovação também foi uma das razões que levaram George Lucas, o criador da saga, a decidir vender o seu império à Disney).

As mesmas notícias apontavam já para James Mangold, que foi confirmado oficialmente três meses depois, mas o projeto, anunciado pela Disney em 2016 e que já vira a data de estreia adiada várias vezes, sofria assim uma nova contrariedade e "inesperada": uma semana antes, Ford dissera numa entrevista que a produção ia começar em abril em Londres (isto, claro, antes da pandemia começar a fechar o mundo).

"Emocionante, inspirador", é como descreve agora a oportunidade de dirigir a despedida de Indiana Jones no cinema o realizador que tem no currículo títulos como "Walk the Line" e "Logan", e também a despedida de Hugh Jackman como Wolverine (antes de ser convencido por Ryan Reynolds e a Marvel a regressar para o terceiro "Deadpool"), além de um sucesso distribuído pela Disney, “Le Mans '66: O Duelo”.

Cumplicidade: Harrison Ford e o realizador James Mangold na conferência de imprensa no Festival de Cannes a 19 de maio

"Uma das partes mais atraentes de embarcar nesta empreitada foi a companhia que consegui manter. Cresci a admirar estes filmes. Cresci a admirar Harrison, Steven, [a produtora] Kathy Kennedy, George Lucas, John Williams. Todas estas pessoas moldaram o meu amor pelo cinema. A oportunidade foi gloriosa, mas também a forma calorosa como me receberam foi o que realmente me fez querer fazer isto. Senti que seria uma das grandes experiências da minha vida, o que aconteceu", nota.

Necessariamente não faltam desafios a um realizador numa produção com um orçamento que, alegadamente, será um dos mais elevados da história do cinema: "Há muita logística, cenas de ação e rodagem, e muitos lugares diferentes. Às vezes combinando imagens ou lugares e fazer parecer que são o mesmo local. Tudo isso, que é muito interessante, exige uma equipa de excelência e muito planeamento e trabalho. Mas o maior desafio, e acho que o centro do meu trabalho, é garantir que o filme tenha coração e que estas pessoas maravilhosas aqui ao meu lado tenham espaço para trazer a humanidade para o que é um filme de grande escala. Não há razão para um filme de grande escala não ter humanidade".

Mangold reforça que, do seu ponto de vista, se podem e devem ter as duas coisas: espetáculo e uma grande aventura, "mas também as excentricidades e contradições maravilhosas da condição humana".

"Os Salteadores da Arca Perdida" (1981)

Criar "algo que não vimos antes, ou algo humano, ou até mágico" é o grande desafio encontrado pelo realizador, "porque entre toda a tecnologia, infraestrutura, escala da equipa e dimensão de tudo, é preciso proteger este tipo de bolha no centro, que não pode ser planeado num 'storyboard'. E não pode ser feito num computador. O que tem que acontecer, tem que acontecer organicamente com os atores e eu próprio a dançar e com o argumento, e ver o que acontece".

E "tentar e fazer um bom filme" é a resposta para outro desafio: cativar os muitos e exigentes fãs de "Indiana Jones" conquistados ao longo de quatro capítulos e 42 anos.

"Claro que se tem um desafio ao fazer um filme como este, que é que existem memórias destes grandes filmes antigos, e destas personagens, e o legado destes filmes. E há também, claro, a exigência de que se faça algo novo com elas. [...] O desafio criativo que é respondido pela história é como é que vou honrar o que foi e seguir em frente com algo de novo?", reconhece.

E dá exemplos: "'Qual é a história do Indy neste filme? Onde está ele e isso é interessante? Quem é Helena Shaw? Como é que isso é interessante?'. O nosso 'nazi' neste filme faz parte do tecido da existência americana, faz parte de um esforço científico a acontecer nos EUA na corrida espacial. Instantaneamente, esta simples mudança torna a personagem diferente. Ele é brilhante, está integrado na vida neste país, mas mantém uma espécie de missão pessoal. Isso é diferente do que já vimos antes. É um longo caminho, mas a resposta para quase todas as perguntas nos filmes é a personagem e a história".

Mangold aceita que tanto "Logan", sobre Wolverine, e "Indiana Jones e o Marcador do Destino" estejam ligados pela ideia de "uma última aventura" das respetivas personagens, mas só pelo exterior.

"Em 'Logan' sabia que estávamos a fazer o último, mas era uma personagem que passou quase toda a sua vida torturada, uma espécie de Frankenstein a viver num mundo onde as suas escolhas eram ser uma arma ou de alguma forma tentar esconder-se de todos. E assim, a morte parecia, de certa forma, uma espécie de salvação. E da maneira que tentámos escrevê-lo e representá-lo, os últimos 30 segundos da sua vida foram provavelmente os seus melhores 30 segundos", explica.

"Isso não fazia parte deste filme ['O Marcador do Destino']. O Indiana Jones é uma das partes mais bonitas de todos os filmes 'Indiana Jones' e acho que que é conduzido pela representação de Harrison todos esses anos. O seu humor, charme, uma espécie de aventura maluca, um amor por filmes da era dourada [...]. Essas foram as inspirações para as pessoas que começaram a fazer estes filmes e eu tinha um ator na casa dos 70 anos e claro que não podemos desmentir a realidade, como disse o Harrison, o Indy é mais velho. Tivemos que nos concentrar no que é isso e, para mim, essa é uma pergunta que não é feita com muita frequência", nota.

"O que é ser alguém que levou uma vida tão dinâmica, que viu tantas conquistas e vitórias e sobreviveu a adversidades e situações de vida ou morte, mas depois a vida desce para uma espécie de normalidade e o mundo segue em frente, e não surgem mais essas aventuras ou você nem sequer está necessariamente pronto para elas? Estas perguntas podem parecer sombrias, mas também são o primeiro capítulo de uma história sobre um homem que embarca numa última aventura", esclarece.

Nos últimos anos, Harrison Ford despediu-se de outras personagens famosas, Han Solo em "Star Wars" e Deckard em "Blade Runner", mas diz que Indiana Jones é "uma experiência singular que, de alguma forma, não o coloca na mesma categoria de outros filmes".

E garante: "Não parece diferente, mas é agradável por causa da forma deste adeus. É agradável para mim porque sinto que fizemos um filme realmente satisfatório para o público. Pegámos na nossa preocupação, no nosso interesse pela personagem e tentámos moldar uma história que traria esta personagem de volta às suas vidas [dos espectadores] com uma história interessante. E tendo em conta as pessoas que envolvemos na personagem e a natureza da história que o Jim criou para nós, é um esplêndido adeus".

TRAILER.