A decisão de Hollywood fazer um filme sobre a vida de Michael Jackson foi fortemente criticada pelo realizador de "Leaving Neverland", o documentário de 2019 exibido na HBO que o acusou de pedofilia.
Num artigo publicado no domingo no jornal britânico The Guardian, citado pela revista The Hollywood Reporter, Dan Reed interroga-se sobre a razão para, na atual cultura, "ninguém estar a falar em ‘cancelar’ este filme que vai glorificar um homem que violou crianças”.
"O que a total ausência de indignação que acompanha o anúncio deste filme nos diz é que a sedução de Jackson ainda existe, mesmo operando do túmulo. Parece que a imprensa, os seus fãs e o vasto grupo demográfico mais velho que cresceu a amar Jackson estão dispostos a deixar de lado o seu relacionamento doentio com as crianças e apenas seguir a música”, notou.
No documentário de quatro horas, o “rei da pop”, falecido em 2009 aos 50 anos, é acusado com depoimentos e provas de alegadamente ter abusado sistemática e reiteradamente de crianças nos EUA, centrando-se no doloroso testemunho de dois homens, Wade Robson e James Safechuck, que dizem ter sido vítimas durante anos e desde muito jovens.
O coreógrafo australiano Wade Robson, então com 36 anos, revelou que o músico abusou sexualmente dele desde os 7 anos de idade e que o violou até aos 14 anos, enquanto James Safechuck, de 40 anos, declarou que Michael Jackson abusou dele “desde os 10 até perto dos 14”. Ambos garantem ter sido abusados “centenas e centenas de vezes”.
"Como é que vão apresentar o momento em que Jackson, um homem adulto nos seus trintas, pega numa criança pela mão e as leva para aquele quarto? Como é que vão apresentar o que se passa a seguir?", pergunta o realizador de "Leaving Neverland", dirigindo-se à equipa do novo filme, ainda sem título, formada pelo realizador Antoine Fuqua, o argumentista John Logan e os produtores Graham King, John Branca e John McClain.
Para Dan Reed, “ao colocar de parte a questão da predileção de Jackson por dormir com miúdos”, o filme vai passar uma mensagem específica aos sobreviventes de abuso sexual infantil: "se um [pedófilo] for suficientemente rico e popular, será perdoado pela sociedade".
A 30 de janeiro, foi anunciado que Jaafar Jackson, de 26 anos, vai interpretar o seu famoso tio Michael Jackson num filme sobre a sua vida.
"O Jaafar personifica o meu filho. É maravilhoso vê-lo a continuar o legado dos artistas e intérpretes Jackson”, disse a matriarca Katherine Jackson no comunicado oficial do estúdio Lionsgate.
O produtor Graham King é o mesmo de "Bohemian Rhapsody", sobre a vida de Freddie Mercury e dos Queen, cujo sucesso nos cinemas em 2018 lançou um corrida às vidas das estrelas da música.
O projeto foi conhecido em novembro de 2019 e ambiciona contar a história da ascensão e o estrelato como "rei do pop", mas também a controversa vida familiar, as cirurgias plásticas e as acusações de pedofilia que o acompanharam nos últimos anos até à morte de paragem cardíaca provocada por um cocktail de sedativos.
"Os primeiros filmes da minha carreira foram videoclips, e ainda sinto que combinar filme e música é uma parte profunda de quem sou. Para mim, não há artista com o poder, o carisma e o puro génio musical de Michael Jackson. Fui influenciado a fazer videoclips assistindo ao seu trabalho - o primeiro artista negro a tocar em alta rotação na MTV. A sua música e essas imagens fazem parte da minha visão de mundo, e a oportunidade de contar a sua história no ecrã ao lado de sua música foi irresistível", dizia Fuqua no início deste ano ao ser anunciado como o realizador.
A rodagem deve arrancar na parte final de 2023.
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