O filme “As noites ainda cheiram a pólvora”, do realizador moçambicano Inadelso Cossa, vai competir no festival dinamarquês de documentário CPH:DOX deste ano, na secção “Next Wave”, anunciou hoje a organização.
O filme vai estar em competição por um prémio de 5.000 euros, ao lado do brasileiro "Eros", de Rachel Daisy Ellis, que vai fazer a sua estreia internacional na Dinamarca. O festival decorre entre 13 e 24 de março, em Copenhaga.
“As noites ainda cheiram a pólvora” é um “ensaio fílmico para questionar, sarar e documentar as feridas e traumas que a Guerra Civil deixou em Moçambique, do ponto de vista das pessoas que sobreviveram, uma jornada pessoal que se cruza com a história do país”, lia-se na sinopse na página oficial do Festival de Berlim, que hoje começa e onde o filme vai fazer a sua estreia mundial.
“As noites ainda cheiram a pólvora” é uma coprodução entre Moçambique, Alemanha, França, Noruega, Países Baixos e Portugal e, em 2021, o projeto já tinha sido selecionado para o programa “Final Cut” do Festival de Cinema de Veneza.
“As noites ainda cheiram a pólvora” é uma viagem ao passado, atravessando a memória de um país dilacerado pela guerra civil (1977-1992), em que Inadelso Cossa regressa à aldeia da sua avó, no município de Manhiça, arredores da capital, Maputo, e revisita os pesadelos e os sons que povoaram a sua infância.
“Eu acho que Moçambique neste momento está a sofrer uma espécie de genocídio de memória. Completamente. Acho que deixei isso de uma forma metafórica explícita no filme”, afirmou o realizador em entrevista à agência Lusa este mês.
Nessa aldeia ainda vivem as vítimas, perpetradores, antigos combatentes da Renamo e civis sobreviventes do conflito.
“Basicamente, o filme é o realizador que regressa para questionar a sua avó porque é que ela não queria explicar o que eram os barulhos dos foguetes, os barulhos de bombardeamentos e dizia que eram fogos-de-artifício. Quando a aldeia era atacada, tínhamos que fugir à noite e ela dizia para não nos preocuparmos porque o barulho, na verdade, eram fogos-de-artifício. Havia sempre um cheiro muito forte a pólvora que pairava no ar. Então foi exatamente essa memória deste cheiro que me fez regressar para questionar porque é que ela tornou a guerra civil num conto de fadas”, explicou.
Inadelso Cossa frisou que não queria contar uma história: “Eu não queria estar a revisitar toda a história da guerra, um documentário tradicional onde temos entrevistas. Aquilo foi mais uma participação, ou seja, o dia-a-dia das pessoas, na verdade, revela que tal forma que é possível sentir, que, afinal, a guerra e os traumas de guerra continuam muito presentes na vida das pessoas, na forma como elas vivem, falam e trocam as coisas e nos conflitos que existem”.
Inadelso Cossa tem 40 anos e começou a fazer cinema há 15 anos. É membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas desde 2020 e o seu documentário de estreia, “Uma memória em três atos” (2016), conquistou o Prémio Especial do Júri no Festival Internacional de Cinema de Zanzibar em 2018.
Na sua filmografia seguiu-se “Karingana – Os mortos não contam histórias”, uma curta-metragem de 2020, e agora “As noites ainda cheiram a pólvora”, que é exibido no sábado, na secção Fórum da Berlinale.
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