O que um membro do G8 confessaria a um monge?
Em “Viva a Liberdade”, obra que abriu a Festa do Cinema Italiano em 2014, o realizador Roberto Andò desconstruía a imagem pública dos políticos através de uma farsa onde o irmão gémeo de um governante, acabado de sair de um sanatório, o substituía no comando da nação.
Em “Le Confessioni”, que surge em antestreia portuguesa no segundo dia do festival, o cineasta troca o cómico por um tom solene para fantasiar sobre uma reunião entre economistas e políticos do G8.
Nela, um banqueiro do Fundo Monetário Internacional, interpretado por Daniel Auteuil, coloca o mundo altamente secreto das grandes decisões em apuros ao fazer uma confissão a um impávido monge cartuxo (Toni Servillo), “um dos últimos da sua espécie”.
O religioso e o seu voto de silêncio servem para o também argumentista Andò propor uma demonstração da falência moral do universo que retrata, contrastando a sua figura estoica e incorruptível com a ganância e o exercício pragmático do poder pelos muito ricos.
Por outras palavras, a história está ao serviço de uma ideia e a forma como utiliza os recursos dramáticos terminam por empurrá-lo para uma espécie de “suspense moral” (há uma referência explícita a “Confesso”, de Alfred Hitchcock), onde o interesse não está tanto na resolução do mistério mas antes na exposição das ideologias e comportamentos dos muito poderosos – exibidos sobre a capa sinistra da espionagem totalitária.
O tom quase didático pelo qual Andò vai descortinando esse mundo por trás das aparências pode ser por vezes desagradável – até porque a forma escolhida para narrar os acontecimentos não são os da comédia acessível, mas antes um “sorrentiniano” exercício de estilo que pode afastar os “alunos” da sua mensagem.
De qualquer forma e ainda que não de todo credível, dada a dieta radical de acesso a este universo nos media tradicionais, o esforço do realizador não é perdido.
O elenco internacional inclui, além dos citados, outros “habitués” do cinema europeu/alternativo, nomeadamente Maria José-Crozée, Connie Nielsen, Moritz Bleibtreu, Lambert Wilson e Pierfrancesco Favino, entre outros.
As (des) vantagens de ser jovem
A competição da Festa do Cinema Italiano, que normalmente inclui seis títulos de jovens realizadores, começa com “Un Bacio”, de Ivan Cotroneo – espécie de “As Vantagens de Ser Invisível” com um trio de adolescentes sofrendo diante dos limites de uma cidade pequena em tamanho e ideias.
Os problemas são mais concretos para Lorenzo (Rimau Ritzberger Grillo), que lida com a homossexualidade assumida recorrendo à coragem mas também à fantasia, que conferem passagens surreais ao filme. Já Blu (Valentina Romani) é a típica menina-rebelde-farta-de-tudo enquanto Antonio (Leonardo Pazzagli) é um tímido jogador de basquetebol desprezado pelos colegas.
O filme não esquece ícones musicais 'indies' (Placebo, New Order) e um vídeo de Mika, “Hurts”, foi extraído do filme.
A chegada à vida adulta também é complicada em “Piúma”, onde o realizador Roan Johnson sai do ambiente histórico/político da sua estreia, “I Primi della Lista”, mas não do registo cómico – abordando aqui o problema da gravidez repentina entre um casal muito jovem e sem trabalho. Na confusão, acabam por envolver as respetivas famílias.
O segundo dia da Festa do Cinema Italiano apresenta ainda “Veloce como Il Vento” (Matteo Rovere), passado no ambiente automobilístico e o primeiro dos quatro projetos selecionados para a secção Altre Visione, dedicada a obras mais radicais na sua proposta estética ou temática.
Já “Spira Mirabilis” (Massimo D’Analfi e Marina Parenti) é um documentário estreado no Festival de Veneza sobre a busca da “imortalidade”.
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